Itália vai às urnas
e Europa aposta na possibilidade de formação de um governo estável no país,
apesar de todas as dificuldades.
Com dois dias de
votação, as eleições na Itália chamam a atenção de toda a Europa. Trata-se de
um dos pleitos nacionais observados com maior atenção, tendo em vista que o
governo eleito terá como tarefa tirar a Itália da recessão, contribuindo também
para solucionar a crise econômica que afeta a zona do euro como um todo.
As urnas permanecem
abertas neste domingo (24/02) e segunda-feira (25/02), com resultados a serem
divulgados na manhã da terça-feira (26/02). Aproximadamente 47 milhões de
italianos estão convocados a votar. No domingo, o número de eleitores se
manteve baixo, sobretudo no norte do país, devido ao mau tempo, com neve e
chuvas.
Complexidade do
"porcellum"
A lei eleitoral na
Itália tem um nome sui generis: "Porcellum", que significa algo como
"porcaria". O nome não foi cunhado por eleitores decepcionados, mas
sim por cientistas e políticos, quando a lei foi criada, quase dez anos atrás.
A "porcaria" referida é a sua complexidade: quase ninguém é capaz de
compreender de imediato o sistema de divisão de cadeiras nas duas câmaras do
Parlamento.
Na Câmara dos
Deputados, o partido mais forte recebe automaticamente uma maioria absoluta de
cadeiras, mesmo que tenha apenas 30% dos votos. No Senado, os assentos são
divididos por listas regionais. "Há uma maioria muito confortável graças a
esse Porcellumna primeira Câmara, o que não vale de forma alguma para a
segunda, ou seja, para o Senado. E isso pode exercer uma influência muito
grande sobre a capacidade de governar do vencedor", explica Lutz
Klinkhammer, especialista em assuntos italianos do Instituto Histórico Alemão
em Roma.
Caso no Senado a
maioria política seja diferente da da Câmara, o futuro chefe de governo terá
que enfrentar uma coalizão com diversos pequenos partidos. Como no Parlamento
haverá representação de até 20 facções, o resultado pode ser uma aliança bem
pouco estável. Seja como for, uma estabilidade como a ansiada pela União
Europeia e pelos mercados financeiros para a altamente endividada Itália, é
muito pouco provável.
Beppe Grillo: novos
ventos
Tais artimanhas
táticas pouco interessam aos 47 milhões de eleitores italianos. A maioria deles
está cansada dos antigos políticos. Uma exceção neste cenário é o comediante e
ator Beppe Grillo, que obteve muito sucesso com seu movimento de protesto Cinco
Estrelas.
Com suas tiradas
bem humoradas de ataque ao sistema, ele atraiu milhares de pessoas aos comícios
nas cidades italianas, nos quais canta um rap com o texto: "Somos
cidadãos e basta". O comediante de 61 anos é admirado principalmente pelos
eleitores urbanos mais jovens, muitos dos quais desempregados, apesar do
diploma universitário na mão.
Berlusconi:
campanha eleitoral eterna
O ex-premiê Silvio
Berlusconi, por sua vez, já demonstrou sua habilidade de comunicador na
campanha eleitoral. Dezesseis meses atrás, aos 76 anos, ele foi obrigado a
deixar o governo do país e entregá-lo a Mario Monti, uma vez que não estava
conseguindo manter a crise econômica e de endividamento sob controle.
Agora, Berlusconi
usa peças publicitárias sóbrias para se apresentar como estadista, que defende
a restituição dos impostos recém-criados ao bolso do contribuinte. Dependendo
dos resultados do pleito, Berlusconi poderá se unir à Liga Norte, de extrema
direita, e, com maioria no Senado, trazer dores de cabeça ao próximo governo.
Como Beppe Grillo
obteve muito sucesso com seu "movimento", Berlusconi declarou que seu
partido assume a partir de agora também o status de movimento – no caso, um
bastião contra a arbitrariedade do sistema judicial italiano. Um bastião do
qual o próprio Berlusconi pode precisar, pois se sente "perseguido pela
Justiça" do país, que move três processos contra ele. Depois das eleições,
deverá ser declarado o veredicto de um deles, onde é acusado de ter tido
relações sexuais com uma menor.
Os delitos de
Berlusconi causam repúdio sumário no exterior, mas não necessariamente dentro
da Itália, analisa o especialista Klinkhammer. "Ele incorpora o sonho
italiano do self-made mane do sedutor. Ele ainda pode fazer pontos. Um ano
de governo Monti já bastou para fazer com que a população esquecesse o que
foram os anteriores dez anos de governo Berlusconi", acrescenta
Klinkhammer.
"Culpa de La
Merkel"
E uma coisa
Berlusconi e Grillo têm em comum, apesar de se rejeitarem mutuamente: eles
delegam a Bruxelas e à Alemanha, especialmente à chanceler federal Angela
Merkel, a culpa pela crise de endividamento e pela recessão na Itália. Segundo
Berlusconi, foi a chefe de governo alemã que deu ordens a Mario Monti para
apertar o cinto.
"A Alemanha
exerce um papel importante nessa campanha eleitoral. No caso, como bode
expiatório. Quando se ouve o que Berlusconi tem a dizer, a conclusão é a de que
tudo o que é ruim vem do norte. Tam´bem com Beppe Grillo se pode ler isso, nas
entrelinhas", diz Lutz Klinkhammer.
Fato é que todos os
políticos italianos rejeitam conselhos de Bruxelas ou de Berlim. Supostas
declarações da premiê alemã a respeito de uma predileção de Berlim por Monti no
cargo de chefe de governo na Itália renderam manchetes no país durante dias a
fio. "Isso é compreendido como uma interferência na política interna
italiana. Não tem muita influência sobre a campanha eleitoral, mas não
beneficia, a meu ver, nem Mario Monti, nem a posição alemã".
Autor: Bernd Riegert
(sv) - Revisão: Augusto Valente
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