Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
Quando a Europa se
prepara para deixar que o insignificante Chipre cumpra o papel que a
Grécia desempenhou no início desta crise e quando o Tribunal
Constitucional se prepara para, no cumprimento das suas obrigações, tornar
todas as previsões do governo numa derradeira anedota, dando o pontapé de
saída para uma crise política, o País parou para falar do passado.
Independentemente
das responsabilidades que cada um pense que tem na situação do País, compreende-se
que José Sócrates tenha sentido a necessidade de se defender. Mas essa defesa,
na situação em que estamos, serve-nos de pouco.
Sim, a entrevista
de Sócrates acabou por ter alguma utilidade. Ao rever o que se passou há dois
anos, poderia ter contribuído para desfazer alguns lugares-comuns que o
primarismo que domina a política e o jornalismo portugueses transformaram em
verdades feitas que não resistem ao mínimo de objetividade. Até o fez, do ponto
de vista argumentativo, com alguma eficácia.
Mostrou o absurdo
de tentar explicar a crise com um suposto despesismo. Exibiu a aldrabice
dos números que se apresentam sobre o défice e o endividamento público, que
juntam o período de 2005 a 2007 ao da crise internacional, em 2008, a que
correspondeu perda de receitas fiscais e aumento dos juros. Não deixou que o
PSD continuasse a fingir que as Parcerias Público-Privadas não lhe
dizem respeito. Conseguiu mostrar porque é que a austeridade nos deixa
ainda mais longe dos objetivos que diz pretender. Lembrou o comportamento
irresponsável de Passos Coelho em 2011. Denunciou, no seu melhor momento
na entrevista, a inenarrável falta de sentido de Estado do Presidente da
República. Desse ponto de vista, Sócrates poderia dar lições da António José
Seguro.
Deixou muito por
explicar: o congelamento por dois anos dos ordenados da função pública para
os poder aumentar em ano de eleições; a nacionalização do BPN; a falta
de discurso europeu que o manteve até ao chumbo do PEC4 numa posição
acrítica e servil; a política de austeridade que ele próprio começou
com os PEC e que agora considera errada. E foi criativo na cronologia da
crise, fingindo umas vezes que nada sabia em 2009 e outras que tudo já estava a
acontecer no início de 2008.
Na argumentação,
Sócrates esteve bem. Mas o problema é que Sócrates é Sócrates. O ódio que
deixou em muita gente seguramente sentiu-se de novo em cada frase
agastada, num homem que, no seu estilo, nada mudou. E o ressentimento de muitos
portugueses não está preparado para argumentos, números e factos. Qualquer
racionalidade no seu discurso esbarra com a irracionalidade de quem o ouve.
Ao concentrar,
neste preciso momento, o debate político no seu legado, acabou por prestar um
bom serviço à narrativa que queria contrariar: quando o presente lhe dá
razão, põe o País a falar do passado. Quando estamos prestes a fechar um ciclo,
Sócrates fez tudo começar de novo. O passado é demasiado próximo para ser
analisado com justiça. O reaparecimento de Sócrates, no momento ajudou a
confundir o que já devia ser claro: o clamoroso falhanço deste governo e da
troika que Passos Coelho tanto desejou.
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