Daniel Oliveira –
Expresso, opinião
O Presidente da
República explicou que, por causa da 8ª avaliação, da troika e do
risco de um segundo resgate, Portugal não poderia viver mais tempo em
instabilidade política. Por isso mesmo, não marcaria eleições para Setembro.
Era o que se esperava. E que faz então Cavaco Silva? Só podemos tentar
adivinhar, porque metade do País está a tentar desencriptar a sua mensagem, que
neste momento se esperaria que fosse transparente. Certo, certo, é que não
marcou eleições. Mas avisou que qualquer solução não deverá durar mais do que
um ano. Ou seja, será ainda mais fraca do que até agora. E que não aceita
a nova proposta de governo, frágil e sem futuro, apesar de, coisa realmente
extraordinária, nunca o ter dito. Sobra um governo de iniciativa
presidencial? Parece que também não. Não sobra, para dizer a verdade,
nada. Apenas uma vontade muito grande do Presidente que todos venham a
estar de acordo com a sua própria opinião sobre a forma de sair desta crise.
Cavaco quer um
governo estabilíssimo, que inclua PSD, CDS e PS. Quem sabe moderada por uma
personalidade credível, perfil que, segundo a sua própria opinião, apesar do
seu cargo, o exclui. Tão estável, tão estável, que ainda antes de poder
nascer já caiu. Talvez porque seja difícil convencer alguém a saltar para
dentro de um barco que se afunda. Talvez porque quando nem os dois parceiros
naturais de coligação se entendem, seja improvável que o entendimento passe a
resultar a três. Talvez porque, sabe-se lá porquê, depois das duas últimas
semanas (que não mereceram grande referências do Presidente), só um louco
acredite em qualquer compromisso com Paulo Portas e Pedro Passos Coelho. Talvez
porque, como costuma acontecer nas democracias, nem todos concordem na melhor
forma de sair desta crise (há quem chame a esta divergência, natural em
democracias, de "tricas políticas").Talvez porque ninguém, nem o
próprio Cavaco, acredite nesta ideia peregrina.
Não acredito (mas a
realidade tem conseguido superar sempre a nossa imaginação) que alguma coisa
saia desta proposta de Cavaco Silva a não ser o que já saiu. E o que saiu foi,
a juntar à incomunicabilidade entre o governo e o País, entre Passos e Portas,
entre Passos e Seguro, um conflito institucional entre a legitimidade do
Parlamento e a legitimidade da Presidência, que ninguém sabe bem como resolver. Sem
mostrar disponibilidade para clarificar a situação política, através de
eleições, sem aceitar a solução que lhe foi proposta pelos parceiros da
coligação e sem apresentar ele próprio uma solução alternativa clara e para
agora, Cavaco baralhou tudo ainda mais.
É possível que,
durante a próxima semana, mesmo nas vésperas da tal 8ª avaliação que preocupava
Cavaco, os três partidos se entretenham a fingir que estão realmente a pensar
no assunto e a tentar arranjar forma de deixar nas mãos do vizinho a
responsabilidade por esta improvável solução não se concretizar. A
responsabilização prévia dos três, feita pelo próprio Cavaco, leva-me a
acreditar que até ele sabe que assim será. Mas ele gosta de dizer que tentou.
Tentou sempre. Mas, sempre por causa dos outros, que não lhe dão ouvidos, não
conseguiu. E, com isto, o Presidente garante-nos mais umas semanas de instabilidade
e incerteza. Pior, era difícil.
O que moveu Cavaco
neste estapafúrdio e inútil ralhete aos partidos? Uma vingança, por ele e pelo
PSD, pela humilhação a que Portas o sujeitou? Ficar bem na fotografia,
recebendo elogios pela sua imensa responsabilidade e sabedoria, tentando, como
sempre, fingir que está de fora da classe política, sem ter, na realidade, de
se decidir por coisa nenhuma? Deixar a vida política pendurada nas suas missas
moralizadoras e sem consequências práticas compreensíveis? Provavelmente as
três. Seguramente, sempre e a única coisa que move Cavaco Silva: ele
próprio, a proteção da sua imagem e a afirmação da sua autoridade.
Em troca deste
presente, pede apenas três coisas: que os partidos desistam de querer ser
alternativas uns dos outros, como costuma acontecer nas democracias, que
sejam eles a resolver o que ele é incapaz de, no uso dos seus poderes
constitucionais, decidir e que o próximo governo, seja ele qual for,
governe a prazo sob a sua tutela. Não quer mais nada, senhor Presidente? Talvez
um agradecimento do País por ter deixado tudo ainda mais irresolúvel do que
antes. E o país político e comentador, que teve de fazer uma tradução para o
restante, até aplaudiu: um cartão amarelo aos partidos, surpreendente, prova de
força, trocou as voltas a todos. Muito bem!
Sem querer fazer
ninguém perder tempo com essa minudência que é Portugal, o que melhorou com
esta rábula? Ficámos mais próximos de uma solução? Ganhámos estabilidade?
Clarificou-se alguma coisa? Olhe por que prisma olhar, só vejo mais confusão,
mais instabilidade, mais perigos. E um Presidente, inchado, à espera dos
aplausos pela sua jogada de mestre. Nem melhor, nem pior do que Paulo Portas.
Até se desembrulhar mais esta confusão, governa o governo que já não
governa, com ministros que realmente já não o são, para impedir um segundo
resgate que, com este ou outro nome, já anda a ser preparado.
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