Frankfurter Allgemeine Zeitung, Frankfurt - Presseurop
A um mês das
eleições, os alemães estão bem e não parecem preocupados com os problemas dos
seus vizinhos. Entusiasmada com as sondagens, é neste clima de satisfação e
despreocupação que Angela Merkel desenvolve uma campanha que procura, acima de
tudo, não abalar os seus compatriotas, ironiza o “Frankfurter Allgemeine
Zeitung”.
Quem olhasse para a
Alemanha a partir do céu teria a sensação de ver uma ilha, apesar da sua
localização continental. Uma bela ilha onde é bom viver, apesar de estar
situada no meio de um mar encapelado. Nas ilhas vizinhas, a vida não corre tão
bem – são mais planas do que a ilha Alemanha. As ondas rebentam nas suas costas
e várias dessas ilhas estão prestes a ser submersas. Os habitantes da ilha
Alemanha veem isso perfeitamente, ou leem nos jornais, mas parecem-lhes tão
distantes que os moradores da ilha onde tudo corre bem não temem pela sua bela
qualidade de vida.
É perigoso: de um
momento para o outro, a boa vida da ilha Alemanha pode acabar. Ninguém poderá
então dizer que não lhe foram apontados sinais de alerta ou avisos. Há doze
anos, numa ilha vizinha, a oeste, ocorreu um ataque terrível, que provocou
cerca de 3000 mortos. Os habitantes da ilha Alemanha compreenderam a gravidade do
sucedido. Logo a seguir, produziu-se um evento semelhante numa ilha a sudoeste
e noutra a norte. Novamente, os ilhéus alemães perceberam a gravidade da
situação. Também no seu território, tinham sido preparados ataques. Foram
detetados a tempo e abortados. O assunto foi rapidamente esquecido.
Alguns anos mais
tarde, um novo acontecimento terrível ocorreu na grande ilha a oeste. Um banco
que ilhéus alemães de apelido Lehmann
lá haviam fundado há muito tempo entrou em falência, arrastando consigo muitos
milhares de milhões [de dólares]. Muitas pessoas perderam o dinheiro com que
contavam financiar a sua velhice. Outros bancos foram contaminados. Também na
ilha Alemanha, um banco não se aguentou.
Insulares entraram
em pânico
Num espaço de tempo
muito curto, os nossos insulares acostumados à bonança entraram em pânico. O
que iria acontecer ao seu dinheiro? O sentimento de ansiedade aumentou quando
as ilhas vizinhas do Sul sentiram sérias dificuldades económicas, uma atrás da
outra. Foram desbloqueados fundos alemães para ajudá-los. Os dirigentes da ilha
Alemanha disseram às pessoas que esse dinheiro não era perdido, que o
recuperariam na totalidade e que até iriam ganhar juros com isso. Um pequeno
grupo de contestatários veio à praça pública e protestou um pouco contra esta
política, mas rapidamente se reduziu à sua insignificância. Os habitantes da
ilha Alemanha afastaram rapidamente o caso do seu espírito. A maioria considerava
que a situação se iria acalmar, enquanto intermináveis montanhas de milhares de
milhões [de euros] invisíveis se erguiam para o céu.
Outros
acontecimentos horríveis, guerras civis e insistentes banhos de sangue,
continuaram a não perturbar verdadeiramente o povo da ilha Alemanha. O facto
de, a Sul, já estar rodeada por uma região do mundo destroçada nas suas
fundações não lhes levantava problemas. A vida era demasiado bela na ilha
Alemanha. A época em que cinco pessoas em cada 80 estavam desempregadas já
tinha acabado há muito tempo. Agora, eram apenas três em 80 a viver nessa
situação lamentável.
Ninguém queria ver
que muitas pessoas mal conseguiam viver com o produto do seu trabalho e
recebiam em segredo um rendimento adicional da administração insular. O facto
de muitas crianças crescerem em situação de precariedade e de as próprias
autoridades da ilha as retirarem aos pais, com medo de que não pudessem zelar
pelas suas necessidades, não comovia ninguém.
Distribuídas
fotografias da chanceler
De quatro em quatro
anos, os habitantes da ilha tinham a possibilidade de eleger um novo chefe. A
Alemanha é uma ilha moderna. Há oito anos que esse chefe é uma mulher. Porque
não existe uma palavra para designar um chefe tribal do sexo feminino,
chamam-lhe “chanceler federal”. E ela é danada de apegada ao seu cargo, como
repete constantemente aos seus súbditos. Dentro de algumas semanas, vai haver
nova eleição e a chanceler quer a todo custo manter a liderança.
Mesmo antes do
escrutínio, os ilhéus são constantemente solicitados a dizer o que pensam dela.
Embora governe há muito tempo, muitos dos entrevistados das sondagens ainda a
consideram eficaz. É muito apreciada, afirma o partido ao qual a chanceler
pertence. Para que as pessoas percebam como a sua chefe é fantástica, são
distribuídas fotografias da chanceler e exibidas por toda a parte. Sozinha. Com
textos onde se pode ler tudo o que ela fez pela ilha. E fica-se a saber que o
marido reclama quando ela não põe suficiente Streusel [migalhas de massa doce]
no Streuselkuchen [bolo levedado]. É a única queixa que a chanceler tolera.
Angela Merkel não é
impopular. Também não é adorada. As pessoas não se prostram aos seus pés, como
se fosse a filha de um barão da Francónia. Também não estão divididos entre, de
um lado, os seus admiradores e, do outro, os críticos. Estão simplesmente
satisfeitos por saber que alguém, no centro de comando, faz o que a maioria
quer e que, quanto ao resto, deixa os súbditos em paz. Mais Streusel, Angela!
Foto: Na praia
Friedrichskoog, no noroeste da Alemanha. AFP
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