terça-feira, 17 de setembro de 2013

ELEIÇÕES ALEMÃS 2013: INDISCRITÍVEL ALEMANHA

 


La Repubblica, Roma – Presseurop – imagem Beppe Giacobbe
 
Potência hegemónica, mas temerosa da ideia de dominar, consciente da sua história. Voluntariosa, mas contemporizadora até à neurastenia. Estas contradições explicam a quantidade de lugares-comuns sobre um país que vota a 22 de setembro.
 
 
São tentativas de traçar a análise psicológica de um poder óbvio, agressivo, cuidadosamente dissimulado por Berlim e que as capitais da União não sabem como travar. A Europa inteira alimenta-se desses estereótipos desde que foi assaltada pela crise e espera, fascinada, inerte, pelo resultado da eleição. A renovação do Parlamento alemão, no dia 22 de setembro, antecede apenas uns meses as eleições europeias de final de maio. Dentro da União, essa votação é considerada o primeiro ato de um drama que implica o continente e que tem por protagonista uma democracia europeia doente.
 
Graças aos lugares-comuns, o drama transforma-se em conto de fadas, que os próprios alemães cultivam, por um lado, para descobrir para onde vão, por outro para se justificar. O conto fala de uma Alemanha – ainda e sempre “pálida mãe”, como na poesia de Brecht – ansiosa por deixar de ser “entre as nações, achincalhada ou temida”. Lúcida nos seus juízos e devotada à Europa, mas entravada pelo nacionalismo dos países vizinhos, com a França à cabeça. Nas páginas do Guardian, o ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, corroborou essa narrativa ficcional: “Não queremos uma Europa alemã. Não pedimos aos outros que sejam como nós”.
 
Ora os alemães são muito determinados, bastante mais do que dizem. E mostram-no com o ímpeto de quem defende não apenas doutrinas económicas, mas visões morais solenes (a dívida como culpa). Wolfgang Schäuble convida os parceiros a não usarem estereótipos nacionais; mas o seu raciocínio, minimizador, está também a tornar-se um estereótipo, que a realidade desmente todos os dias. A expectativa passiva do voto alemão sela um poder hegemónico considerado imutável, sem alternativa: tal como as políticas de austeridade impostas por Berlim, falando em nome de todos os povos da União Europeia.
 
Soberania ilusória dos Estados
 
As mentes mais lúcidas são intelectuais de língua alemã – os filósofos Jürgen Habermas e Ulrich Beck, o escritor Robert Menasse, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Joschka Fischer. Desde o início da crise, têm denunciado a grave regressão nacionalista do seu país. Dos partidos políticos, apenas os Verdes fazem um diagnóstico independente. Joschka Fischer, que é um dos seus dirigentes, acusa o Governo de ter despertado, ao fim de mais de 60 anos, a velha preocupação pela “questão alemã”. Angela Merkel é suspeita de querer voltar a uma Europa de Estados soberanos: a mesma Europa baseada no equilíbrio entre poderes concorrentes que se defrontaram nas guerras dos séculos passados e contra os quais foi erguido, na década de 1950, o baluarte da Comunidade Europeia.
 
Não são suspeitas infundadas. Lentamente, a chefe do Governo abandonou o europeísmo que professava em fevereiro de 2012 e, para já, fechou as portas que tinha entreaberto. Sentiu crescer em torno de si os neo-nacionalistas (o novo partido Alternativa para a Alemanha (AFD) tanto recolhe votos à esquerda como à direita) e adaptou-se rapidamente à situação. Os seus discursos, como os seus atos, “são desprovidos de qualquer núcleo normativo”, lamenta Jürgen Habermas. Daí ter-se aliado ao Reino Unido, quando [o primeiro-ministro britânico] David Cameron vetou qualquer aumento no orçamento da Comunidade: conjuntamente, negaram políticas europeias de combate à austeridade sobre os países.
 
No dia 13 de agosto, na televisão alemã, a chanceler como que se livrou de um fardo: “A Europa deve coordenar-se melhor, mas considero que nem tudo deve ser feito em Bruxelas. Deve ser encarada a hipótese de devolver algumas atribuições aos Estados. Discutiremos isso a seguir às eleições”.
 
Para o escritor austríaco Robert Menasse, as raízes do mal que assola o euro são mais políticas e democráticas do que económicas: residem no poder que os Estados estão a recuperar – uma reconquista que não é de hoje, mas que vem desde a adoção do Tratado de Lisboa, em 2007, em vez de uma constituição federal. Foi a partir dessa data que os Estados – conselhos de ministros, cimeiras de chefes de Estado e de Governo – começaram a recuperar o controlo, alegando uma soberania ilusória, mas não menos altiva, que vai corroendo o poder das instituições supranacionais.
 
Falhas de arquitetura do euro
 
As falhas de arquitetura do euro são bem conhecidas: decorrem da falta de união política e económica. Ora, estamos a responder a esses problemas aumentando-os, em vez de os reduzirmos.
 
Numa Europa em que os Estados são novamente senhores, é inevitável que seja a maior potência económica a assumir o comando. Papel a que a Alemanha se entrega não sem malícia, ao ponto de Ulrich Beck recordar o modelo de Maquiavel, quando descreve o império acidentalmente instituído por Berlim: “Tal como Maquiavel, Angela Merkel aproveitou a oportunidade que se lhe apresentou – a crise – e alterou a relação de forças na Europa”. A União deixa de ser comunidade quando os países “devedores-pecadores” [em alemão, “dívida” e “pecado” são a mesma palavra] são humilhados, envolvidos pela designação “periferia Sul da Europa”. Aí reside a explicação para o desaparecimento de qualquer “núcleo normativo” e para a volatilidade das posições alemãs: sobre os poderes a restituir às capitais, sobre uma federação europeia ou sobre a união bancária, inicialmente desejada e depois rejeitada para melhor proteger os interesses dos bancos alemães. Deixemos de novo a palavra a Ulrich Beck: “O príncipe, disse Maquiavel, só se deve ater ao discurso político da véspera, se, hoje, ele lhe trouxer vantagens”.
 
As veleidades isolacionistas do AFD aceleram esta regressão. Se o partido entrar para o Parlamento, o país vai mudar de cara, mas sem se colocar à margem da Europa, como fez o Reino Unido: a Constituição prescreve-lhe a Europa (artigo 23, revisto em 1992); mas a Europa desejada não é federal.
 
O último lugar-comum tem a ver com a memória. Na Alemanha, a política da memória tem lacunas singulares. Lembramo-nos da inflação em Weimar, mas não da deflação e austeridade adotadas nos anos 1930-1932, pelo chanceler Brüning, que assegurou o sucesso eleitoral de Adolfo Hitler. Lembramo-nos do nacional-socialismo, mas não do que aconteceu em seguida: a redução da dívida alemã, generosamente concedida em 1953 por 65 Estados (entre os quais a Grécia). Mesmo o mito da Alemanha que aprende com a História fica parcialmente prejudicado se não se quiser dividir a Europa entre centro e “favelas”: entre santos e pecadores que ainda por cima “se coordenam”, esquecendo-se pelo caminho da solidariedade da “comunidade”, que em tempos lhe foi dada e que com demasiada displicência abandonou.
 
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