Pedro Marques Lopes
– Diário de Notícias, opinião
Há tiques muito
mais irritantes e bem mais graves, mas dos que sobraram do período
pós-Revolução há um que me encanita particularmente: aquele que manda os
dirigentes partidários, nas noites eleitorais, realçar o civismo dos
portugueses e salientar a normalidade com que decorreram as eleições. Digamos
que a normalidade democrática, pelo menos no que diz respeito a eleições, já
não tem dois anos.
Na noite de 29 de
Setembro, porém, ninguém terá o descaramento de dizer que este processo
eleitoral decorreu sem problemas. Foram precisos quase quarenta anos de
democracia e outros tantos de campanhas eleitorais e eleições para que
assistíssemos a tanta irregularidade. De facto, os nossos políticos não
precisam de populistas demagogos, de crises económicas, de campanhas negras,
para destruir o prestígio de toda a classe. Eles dão muitíssimo bem conta desse
recado.
Começamos na
vigarice da lei que institui o eterno autarca, que perpetua a promiscuidade
entre público e privado nas autarquias, que endeusa o clientelismo, que promove
a não renovação da classe política. A lei também conhecida como da limitação
dos mandatos. Se houvesse o mínimo de decência mudava-se ao menos o nome do
diploma: o que de facto a lei, pelos vistos, impõe é a ilimitação de mandatos,
é o presidente de câmara profissional, é o que faz doze anos em Oeiras, mais
doze em Sintra, mais doze em Lisboa, o que traz as suas pessoas de confiança
(fornecedores, colaboradores, assessores) de concelho em concelho sem que estas
precisem sequer de mudar de casa. Repito o que já aqui escrevi: estamos perante
uma vigarice sem nome promovida pelo PSD e pelo PS. O PCP, ao menos, foi
coerente. Bem sabemos que os comunistas nunca foram adeptos da limitação de
mandatos de espécie nenhuma, destes e doutros, e nunca disfarçaram. Já a forma
como o PSD e o PS nos aldrabaram dizendo que estavam a fazer uma lei para
renovar a classe política foi chocante. Disseram-nos uma coisa e puseram outra
na letra da lei. Não há maior falta de respeito pelos cidadãos.
Depois, no que à
normalidade democrática diz respeito, temos também este absoluto disparate de
ser praticamente impossível promover debates televisivos ou radiofónicos e,
mais importante ainda, não se poder fazer, de facto, a cobertura da campanha
eleitoral. O absurdo de se obrigar a fazer reportagem com o mesmo tempo de
antena duma acção de campanha dum candidato do PS ou do PNR ou forçar a debates
entre todos os candidatos dum dado concelho fala por si.
Só quem não percebe
que tratar de forma igual o que é diferente é a maior fonte de desigualdade é
que pode apoiar semelhante aberração. É penoso ter de lembrar que esta espécie
de campanha eleitoral clandestina ajuda apenas os que já estão no poder, os candidatos
com mais disponibilidades financeiras, os que dispõem de mais notoriedade. Mas
as consequências mais grave são a falta de escrutínio e o aumento da abstenção.
Situações como ofertas a eleitores, organismos públicos, autarquias, a promover
candidatos e a financiar directa ou indirectamente campanhas, com muito mais
dificuldade chegarão ao conhecimento público. E, claro está, a falta de
informação, sobretudo nos grandes centros urbanos, levará a um aumento certo da
abstenção.
No que diz respeito
às notícias da campanha, parece claro que a CNE está a fazer uma interpretação
que é um ataque à liberdade editorial dos meios de comunicação social, senão
mesmo um ataque à própria liberdade de imprensa. E essa interpretação jamais
poderia ser legítima. Mas a verdade é que alguém devia ter previsto que era
muito provável que viessem a existir problemas? Não eram já conhecidas estas
possíveis interpretações das leis? Claro que sim. O que fizeram os
legisladores? Rigorosamente nada. Num país em que se legisla por tudo e mais
alguma coisa achou-se melhor deixar à interpretação dos tribunais e da CNE o
que teria de ser absolutamente claro, sobretudo numa matéria tão importante
como a cobertura duma campanha eleitoral.
Numa época em que a
confiança dos portugueses nos políticos anda literalmente pelas ruas da
amargura, de crise política e económica, nada como batotices e comportamentos
negligentes para ajudar a desprestigiar ainda mais a nossa classe política e a
nossa democracia.
Quem pensa que
estamos livres dum populista, dum demagogo, mesmo dum candidato a ditador, que
pense duas vezes. Estamos a criar o ambiente ideal para o seu aparecimento.
Tudo o que tem acontecido nesta pré-campanha é só mais uma pequena contribuição.
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