domingo, 15 de dezembro de 2013

Portugal: MAIS CORAGEM, MENOS SEBASTIÕES

 


Pedro Marques Lopes – Diário de Notícias, opinião
 
Vemos um à esquerda e outro à direita. Para tempos como os que passamos, um D. Sebastião era pouco. Arranjámos dois: António Costa e Rui Rio.
 
É provável que tanto um como o outro não gostem do que estão a fazer deles e que até convivam mal com este peso que lhes estão a atirar para os ombros. Mas que o clima está criado está, e não parece que tivesse sido artificialmente.
 
Não tenho rigorosamente dúvidas nenhumas de que o eleitorado tradicional do PS preferia ter António Costa como secretário-geral e que, se os votantes habituais no PSD pudessem escolher, Rui Rio seria provavelmente o eleito. Embora tenha mais dúvidas sobre a possível vitória do ex-presidente da Câmara do Porto.
 
Porém, há quem garanta que nem um nem outro ganharia eleições dentro do respectivo partido. Muito provavelmente os que o afirmam estão certos.
 
Não é novidade para ninguém: as máquinas partidárias tornaram--se centros de emprego, sem ideologia e com lógicas de funcionamento de mera sobrevivência interna e de obtenção do poder pelo poder. Já ninguém ignora os pagamentos de quotas em massa, as entradas inexplicáveis de novos militantes, os sindicatos de voto.
 
Parece claro que os partidos, sobretudo o PS e o PSD, são os maiores exemplos da crise de representatividade - problema que não se esgota, longe disso, nos partidos. Ou seja, só marginalmente representam os seus eleitores ou, pelo menos, seguem lógicas muitas vezes opostas a quem neles vota.
 
Estando tudo isto longe de ser novidade, convinha, antes de lhes assinar a certidão de óbito, perceber se os partidos ainda têm capacidade de se regenerar. Nem que seja, para de uma vez por todas, ficar claro que o que se propala está certo. É que quem os critica e afirma que já morreram esquece que Manuela Ferreira Leite ganhou a Passos Coelho e que Seguro não teve concorrente à altura - e esses, teoricamente, são os candidatos das máquinas. Alguém pode garantir que António Costa não ganharia a Seguro ou que Rio não bateria Passos? Ninguém o pode afirmar preto no branco. Aliás, ainda esta semana o socialista Manuel Pizarro ganhou a concelhia do Porto precisamente contra a chamada máquina partidária.
 
Com todos os seus defeitos, e que se têm avolumado com o tempo, é também aos partidos que devemos a democracia e as transformações notáveis na nossa comunidade. O constante discurso contra eles é muitas vezes merecido, mas outras tantas não medido. Afinal o que se quer? Acabar com eles? Substituí-los por que tipo de organizações? Mudá-los de que forma? Convém sempre lembrar que é muito por culpa nossa, pela forma como entendemos a nossa vida em comunidade, como também fomos pondo uma barreira entre nós e eles, que deixámos que os partidos chegassem ao estado em que estão.
 
É sobretudo fundamental que não comece a singrar o discurso dos homens providenciais. E que esses homens não se deixem embalar com canções de movimentos de patriotas que os queiram levar ao poder contra os partidos e o "sistema". Costa e Rio são democratas com provas mais que dadas e seriam os primeiros a denunciar essas vozes. Mas que estão reunidas as condições para que apareçam salvadores da pátria, lá isso estão.
 
Não sei se António Costa ou Rui Rio querem ser líderes dos partidos de que são militantes. Sei que são homens de partido. Sei que conhecem os deles como ninguém. E sei que são pessoas que percebem onde nos conduz o discurso contra os partidos e onde a degradação da imagem do PS e do PSD nos pode levar. Quem, melhor que eles, pode denunciar o seu mau funcionamento? Quem, melhor que eles, pode agir, judicialmente que seja, contra as irregularidades?
 
Agora, há algo que não podem fazer: querendo ser líderes, não concorrerem às lideranças dos seus partidos. E, sobretudo, não podem admitir que alguém diga que eles não concorrem porque sabem que perdem. É ofensivo. É dizer que já desistiram dos partidos, é dizer que a sua militância é um embuste, é dizer que estes senhores desistiram de acreditar numa democracia com partidos.
 
Numa democracia, a derrota e a vitória são a face da mesma moeda. Fundamental é lutar. Mostrar o caminho que se quer percorrer. Deixar claro a toda a gente que há alternativa.
 
Se Rio e Costa não tiverem a coragem de arriscar perder nos seus partidos, teremos pelo menos a certeza de que também não dariam bons líderes. Outros surgirão.
 

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