Tomás Vasques – jornal i, opinião
Na Europa, o
património das dez pessoas mais ricas é superior ao total das medidas de
estímulo à economia aplicadas entre 2008 e 2010
É cada vez mais
evidente que vivemos num mundo totalmente - totalitariamente - comandado pelos
poderosos, pelos donos do dinheiro. Um mundo em que, mesmo na Europa, um palco
privilegiado de tantas lutas e revoluções pela Liberdade, conceitos como
Democracia, Igualdade, Fraternidade ou Solidariedade estão a ser atirados para
o sótão das velharias ou para museus de "arte antiga".
O relatório da
organização humanitária Oxfam, divulgado uns dias antes do conclave de Davos -
esse santuário dos "ricaços da neve", para onde, anualmente, o
"poder político" se encaminha, como cordeiro, a esmolar atenções e
investimentos - dá-nos uma nítida fotografia da tragédia. Os números são tão
devastadores como qualquer cenário das piores atrocidades de guerra: oitenta e
cinco pessoas detém uma riqueza igual à da metade mais pobre da população
mundial - 3,5 mil milhões de pessoas; 1% das pessoas com maior património detém
o equivalente a 65 vezes a riqueza da metade mais pobre da população mundial.
Na Europa, o património das dez pessoas mais ricas é superior ao total das
medidas de estímulo à economia aplicadas entre 2008 e 2010. Esta concentração
da riqueza nas mãos de uns quantos não parou de aumentar nas últimas três
décadas. E vai continuar, inevitavelmente.
É para encher ainda
mais este mealheiro dos "mercados" que os Estados têm de gastar menos
em saúde, educação e segurança social e sugar com impostos e reduções de
salários e pensões de reforma quem trabalha ou quem passou a vida a trabalhar.
Tudo em nome da "ordem natural das coisas". E, se nos portamos mal,
"eles" ameaçam-nos com o aumento dos juros da dívida, com mais
austeridade, com maior pobreza e muitos outros sacrifícios.
Este
"maravilhoso mundo novo", comandado pelos "mercados", com a
cumplicidade de governos "soberanos", tem suporte ideológico, entre
nós, nos dois partidos da coligação que nos governam, numa dúzia de blogues
alimentados pelo ressabiamento "anti- -socialista" de uns quantos
"iluminados" neoliberais e pelas "juventudes" partidárias
do CDS-PP e do PSD. Já não há vergonha. Dois exemplos: os "jovens" do
partido de Paulo Portas propõem a redução dos anos de ensino obrigatório. Para
eles não faz sentido que o Estado "gaste tanto dinheiro" em educação
com gente que, para ganhar quatrocentos ou quinhentos euros por mês, saber ler,
escrever e contar é suficiente. Por sua vez, os "jovens" do PSD
querem referendar os direitos das pessoas, sobretudo os direitos das minorias,
procurando fazer da Democracia um jogo dos poderosos. Assistimos, impávidos e
serenos, quase sem pestanejar, a uma ofensiva ideológica da Direita muito
semelhante à que assistimos em 1974-75, durante o PREC. Só que de sentido
contrário. E não há esquerda, não há pensamento de esquerda, não há praxis de
esquerda, não há nada que trave esta enxurrada.
PS - Reuniu-se em
Havana, nos últimos dias de Janeiro, a Comunidade dos Estados Latino-Americanos
e do Caribe, uma organização regional impulsionada por Hugo Chávez, em 2011, em
oposição à Organização de Estados Americanos. O êxito para o governo cubano foi
total. Participaram 31 delegações de Estado das 33 possíveis, caso inédito de
participação; pela primeira vez, desde 1959, um secretário--geral da OEA pisou
solo cubano; nenhum dos participantes se referiu nos seus discursos a direitos
humanos; só duas delegações, a chilena e a da Costa Rica, agendaram encontros
com oposicionistas ao regime castrista. Há dez anos era impensável o que se
passou há dias. Esta clara vitória diplomática dos irmãos Castro não resulta de
mudanças no regime de Havana, nem do aperto de mão de Obama a Raúl Castro, na
África do Sul. É, antes de tudo, a compreensão (e uma clara tomada de posição)
de todos os governos da América Latina: actualmente, os perigos para a
Democracia e para os povos da região vêm dos "mercados" e não do
regime cubano.
Jurista, escreve à
segunda-feira
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