José Cabrita
Saraiva – Sol, opinião
Não gosto de falar
de cor, mas tenho a ideia de que, na época dos lucros fabulosos, os bancos
distribuíam prémios no valor de milhões de euros. Os seus administradores
mantinham um estilo de vida condicente com essa riqueza súbita e obscena.
Porém, quando os bancos precisaram da ajuda do Estado, tiveram de ser os
contribuintes a pagar a factura...
Os números variam:
em tempos, disse-se que o buraco do BPN custou 4 mil milhões de euros aos
portugueses, mas notícias mais recentes apontam para cerca de 6 mil milhões. Em
qualquer dos casos, para o cidadão comum, são valores difíceis de conceber.
No fundo desta
espécie de buraco negro onde o dinheiro ia desaparecendo, deste sorvedouro
insaciável de recursos, havia no entanto qualquer coisa que continuava a brilhar.
Refiro-me às obras eminentemente líricas do catalão Joan Miró - pintor de
sonhos, de imagens infantis e de estrelas - que o destino trouxe até Portugal.
Não posso
pronunciar-me sobre a qualidade das 85 pinturas e desenhos, pois durante a sua
passagem por cá estiveram sempre fechadas a sete chaves e, antes da sua saída
para Londres, nenhuma alma caridosa tomou a iniciativa de organizar uma
exposição e trazê-las à luz do dia. Mas parece-me evidente que, no meio dos
activos tóxicos da Sociedade Lusa de Negócios, eram talvez a única coisa que
mantinha intacta a inocência.
Para todos aqueles
que contribuíram para tapar o buraco e acreditaram que as pinturas podiam ficar
em Portugal, nasceu a esperança de que qualquer coisa de positivo podia
resultar do escândalo. Uma espécie de final feliz para um episódio negro dos
nossos tempos. Mas essa pequena retribuição, que custaria apenas uns 'trocos'
em comparação com as quantias assustadoras que já foram gastas, foi-lhes
negada, e as obras enviadas para leilão.
Portugal já tem,
recorde-se, uma triste tradição de perdas trágicas. O terramoto de 1755 reduziu
a cinzas a colecção de pintura do Paço da Ribeira, onde, ao que se diz, havia
50 obras do grande pintor veneziano Ticiano Vecellio. Apenas umas dezenas de anos
mais tarde, as invasões francesas delapidaram o património das nossas igrejas e
conventos. Já no século XX, artistas modernos de primeira água como Marc
Chagall e Max Ernst passaram por Lisboa, mas sem aqui deixarem vestígios da sua
presença. E, mais recentemente, o Estado Português recusou recuperar, por um
preço quase simbólico, a sumptuosa baixela de prata que foi oferecida ao duque
de Wellington por ter expulsado as tropas de Napoleão. Já para não falar do
célebre diamante de D. José roubado na Holanda...
Agora que o leilão
da Christie's foi suspenso, é-nos oferecida uma segunda oportunidade para
evitarmos que esta tradição de perdas e prejuízos ganhe um novo capítulo.
Não a desperdicemos.
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