Folha 8 – 1 março
2014
O padre Raul Tati,
da diocese de Cabinda, que lançou esta semana, em Lisboa, um livro sobre a
Igreja do enclave, acusa os políticos portugueses de terem “abandonado os
cabindas” e só se preocupam com o território quando estão na oposição.
“No meu livro
retrato as diversas posições que os políticos portugueses tomaram e o que nós
vemos é que, durante todo este tempo, quando se está na oposição defende-se uma
coisa e quando se está no poder já não se lembra daquilo que se defendeu quando
se estava na oposição”, disse o autor do livro “Cabinda -- Percurso histórico
de uma igreja entre Deus e César 1975-2014”.
De acordo com o
sacerdote, o Governo angolano exerce um poder colonial sobre o território de
Cabinda desde a independência, acusando os sucessivos executivos de Lisboa de
“irresponsabilidade” pelo abandono em relação à questão, traindo o espírito e
a letra do Tratado de Simulambuco.
O documento foi
assinado entre Portugal e o rei de Cabinda em 1885 e que colocava o território
sob o estatuto de protectorado de Lisboa e que segundo os cabindas continua em
vigor.
“A tónica constante
dos portugueses é que a questão de Cabinda é uma questão interna de Angola e
que a questão da descolonização está concluída e não há mais nada a fazer”,
lembrou.
“Nós sabemos que
alguns políticos que hoje estão no poder em Portugal, como é o caso de Paulo
Portas, fez referências a Cabinda muito interessantes quando esteve na
oposição. Por isso, é que a gente diz: onde é que estará a coerência?”, criticou
o padre Raul Tati, referindo-se às posições dos políticos portugueses sobretudo
durante o período em que vários portugueses foram feitos reféns pelo FLEC, em
2001.
“Essa sempre foi a
tónica dos governos sucessivos de Portugal em relação a Angola, tirando talvez
o consulado de Mário Soares - que não tem muitas afinidades políticas com
governantes actuais do MPLA. Mas creio que quase todos os governos de Portugal
têm tido uma espécie de reverência excessiva em relação ao regime de Angola”,
sublinhou.
Raul Tati disse
ainda que ultimamente assiste-se a uma certa subserviência marcada por
acontecimentos económicos “que estão a falar muito mais alto”, e que fizeram
com que posições de compromisso fossem “esquecidas” ao longo dos anos.
O livro sobre a história
da Igreja em Cabinda trata os principais acontecimentos do território desde
1975 e que incluiu um documento da igreja, firmado por cinco sacerdotes
cabindas, que alertaram “Portugal e o mundo”, antes dos Acordos de Alvor
(assinado entre Portugal e os três movimentos de libertação angolanos em
Janeiro de 1975) para uma situação que se estava a tornar cada vez mais
dramática.
“Nesse documento
denunciavam que estava iminente em Cabinda um grande drama que era preciso
evitar. Um banho de sangue, a ocupação, e apelavam a razões históricas.
Reivindicavam também a legitimidade de Cabinda para uma descolonização à
parte, tendo em conta o Tratado de Simulambuco”, explicou o autor do livro.
O enclave de
Cabinda é palco desde a independência de Angola, em Novembro de 1975, de uma
luta pela independência, desencadeada ao longo dos anos por diferentes facções
cabindas, restando actualmente somente a FLEC de Nzita Tiago, que ainda
mantinha uma resistência armada residual à administração por parte de Luanda e
a que renunciou em Maio de 2013 em troca de autonomia.
Separada de Angola
pelo rio Congo, Cabinda possui significativos recursos naturais, em que as
reservas petrolíferas representam cerca de metade da produção diária de 1,8
milhões de barris de petróleo angolanas.
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