domingo, 9 de março de 2014

Angola - Cabinda: RAUL TATI ACUSA POLÍTICOS PORTUGUESES



Folha 8 – 1 março 2014

O padre Raul Tati, da dio­cese de Cabinda, que lan­çou esta semana, em Lisboa, um livro sobre a Igreja do enclave, acusa os políti­cos portugueses de terem “abandonado os cabindas” e só se preocupam com o território quando estão na oposição.

“No meu livro retrato as diversas posições que os políticos portugueses to­maram e o que nós vemos é que, durante todo este tempo, quando se está na oposição defende-se uma coisa e quando se está no poder já não se lembra daquilo que se defendeu quando se estava na oposi­ção”, disse o autor do livro “Cabinda -- Percurso his­tórico de uma igreja entre Deus e César 1975-2014”.

De acordo com o sacer­dote, o Governo angolano exerce um poder colo­nial sobre o território de Cabinda desde a inde­pendência, acusando os sucessivos executivos de Lisboa de “irresponsabili­dade” pelo abandono em relação à questão, traindo o espírito e a letra do Tra­tado de Simulambuco.

O documento foi assina­do entre Portugal e o rei de Cabinda em 1885 e que colocava o território sob o estatuto de protectorado de Lisboa e que segundo os cabindas continua em vigor.

“A tónica constante dos portugueses é que a ques­tão de Cabinda é uma questão interna de Angola e que a questão da desco­lonização está concluída e não há mais nada a fazer”, lembrou.

“Nós sabemos que alguns políticos que hoje estão no poder em Portugal, como é o caso de Paulo Portas, fez referências a Cabinda muito interessantes quan­do esteve na oposição. Por isso, é que a gente diz: onde é que estará a coerência?”, criticou o padre Raul Tati, referindo-se às posições dos políticos portugueses sobretudo durante o pe­ríodo em que vários portu­gueses foram feitos reféns pelo FLEC, em 2001.

“Essa sempre foi a tónica dos governos sucessivos de Portugal em relação a Angola, tirando talvez o consulado de Mário Soares - que não tem muitas afini­dades políticas com gover­nantes actuais do MPLA. Mas creio que quase todos os governos de Portugal têm tido uma espécie de reverência excessiva em relação ao regime de An­gola”, sublinhou.

Raul Tati disse ainda que ultimamente assiste-se a uma certa subserviência marcada por acontecimen­tos económicos “que estão a falar muito mais alto”, e que fizeram com que posi­ções de compromisso fos­sem “esquecidas” ao longo dos anos.

O livro sobre a história da Igreja em Cabinda trata os principais acontecimentos do território desde 1975 e que incluiu um documen­to da igreja, firmado por cinco sacerdotes cabindas, que alertaram “Portugal e o mundo”, antes dos Acor­dos de Alvor (assinado entre Portugal e os três movimentos de libertação angolanos em Janeiro de 1975) para uma situação que se estava a tornar cada vez mais dramática.

“Nesse documento denun­ciavam que estava iminen­te em Cabinda um grande drama que era preciso evi­tar. Um banho de sangue, a ocupação, e apelavam a razões históricas. Reivindi­cavam também a legitimi­dade de Cabinda para uma descolonização à parte, tendo em conta o Tratado de Simulambuco”, expli­cou o autor do livro.

O enclave de Cabinda é palco desde a indepen­dência de Angola, em No­vembro de 1975, de uma luta pela independência, desencadeada ao longo dos anos por diferentes facções cabindas, restando actual­mente somente a FLEC de Nzita Tiago, que ainda mantinha uma resistência armada residual à adminis­tração por parte de Luanda e a que renunciou em Maio de 2013 em troca de auto­nomia.

Separada de Angola pelo rio Congo, Cabinda possui significativos recursos na­turais, em que as reservas petrolíferas representam cerca de metade da produ­ção diária de 1,8 milhões de barris de petróleo angola­nas.

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