PEDRO SOUSA CARVALHO – Público,
opinião
O Governo quer
baixar as indemnizações por despedimento ilegal. Até os patrões coram de
vergonha.
É caso para dizer
que o Governo quer mascarar o despedimento ilegal de despedimento por justa
causa. Ao que consta, na próxima avaliação da troika, o Governo de Passos
Coelho vai propor em sede de Concertação Social uma diminuição do valor das
indemnizações pagas pelos patrões nos casos dos despedimentos que os tribunais
consideram ilegais.
Hoje em dia, quando
um trabalhador é despedido de uma forma ilícita, se o tribunal lhe der razão, e
se esse trabalhador não quiser ser reintegrado na empresa, tem então direito a
receber uma indemnização que pode variar entre 15 a 45 dias de salário por cada
ano de trabalho, com o valor mínimo equivalente a três salários. No caso das
microempresas, o valor pode variar entre 30 a 60 dias, com um mínimo de
seis meses.
O Governo e o FMI
argumentam que com a redução das compensações dos despedimentos com justa causa
até um mínimo de 12 dias (seja por despedimento colectivo, extinção de postos
de trabalho ou outras causas objectivas) abriu-se um gap face àquilo
que se paga no caso dos despedimentos ilegais.
E é para
desincentivar que os trabalhadores que se sintam lesados recorram à Justiça que
o Governo quer embaratecer os despedimentos, mesmo que esses sejam feitos à
margem da lei. E é preciso ter em atenção que as empresas consideradas culpadas
também são obrigadas a pagar os chamados "salários intercalares", ou
seja, o valor da remuneração que é devida ao trabalhador desde o momento em que
é despedido até ao momento em que o tribunal toma uma decisão final.
Qual é lógica do
Governo? É a lógica do vale tudo. Em nome de flexibilização do mercado laboral,
o Governo suaviza o castigo a aplicar às empresas prevaricadoras, de forma a
que os trabalhadores que se sintam injustiçados não tenham nenhum
incentivo para recorrer aos tribunais. É como se agora a ministra da
Justiça, Paula Teixeira da Cruz, para não entupir os tribunais, decidisse
aliviar as penas previstas no Código Penal, de forma a dissuadir os queixosos
de apresentar queixas. Se me assaltam a casa, e se sei à partida que o larápio
só se arrisca a levar meia dúzia de dias de cadeia, então não tenho grande
incentivo para apresentar uma queixa.
Em relação ao
Código do Trabalho, Passos Coelho nunca escondeu ao que vinha. Ainda antes de
ser Governo, o PSD tinha um projecto de revisão da Constituição que previa
alterar o Artigo 53.º e trocar o conceito de "despedimento sem justa
causa" pelo "despedimento sem razão atendível". Com a recusa do
PS em mexer na Constituição, o projecto de Paulo Teixeira Pinto não saiu da
gaveta, mas o Governo não desistiu. E insistiu. E conseguiu. Mas como não
conseguiu mudar a Constituição pela porta da frente, tenta agora pela porta dos
fundos. Embaratecer e facilitar o despedimento ilegal é a mesma coisa que
esvaziar o conceito de justa causa na lei fundamental.
Mas se este
projecto do Governo avançar ainda terá de passar pelo crivo do Tribunal
Constitucional. E o passado recente mostra que os juízes do Palácio Ratton são
bastante zelosos em relação a essas duas palavras (justa e causa), que ainda
dão bastante dignidade à Constituição. Recentemente o TC utilizou o argumento
da proibição do despedimento sem justa causa para travar a liberalização do
conceito do despedimento por extinção de posto de trabalho e do despedimento
por inadaptação.
Os patrões,
supostamente os que mais vão beneficiar com esta descida das indemnizações por
despedimento ilegal, disseram que esta medida está longe de ser prioritária e
que é um erro o Governo entrar por esse caminho. Até os patrões coram de
vergonha perante tamanha generosidade por parte do Governo.
É preciso ver que
as alterações ao Código do Trabalho em vigor desde Agosto de 2012 já
embarateceram, e de que maneira, os custos de trabalho para as empresas
portuguesas: suspensão de normas da contratação colectiva, cortes das férias e
nos feriados, horas extraordinárias mais baratas, bancos de horas, descida das
indemnizações, lay-off simplificado e um sem-número de alterações à
lei que quase transformaram o Código do Trabalho num código de barras de
supermercado.
É verdade que as
empresas precisam de baixar os custos para ser competitivas. Mas há-de haver
algures um limite. Até porque, em média, os custos laborais representam apenas
30% dos custos operacionais das empresas. E o custo da energia? E o custo de
acesso aos portos? Mas aí olobby é capaz de ser demasiado poderoso.
E todas estas
medidas, com o objectivo de reduzir os custos laborais, partem do princípio de
que o mercado de bens e serviços está a enfrentar apenas um problema do lado da
oferta. Mas a realidade é que as empresas também estão a lidar com um choque do
lado da procura, sobretudo interna.
E o mais
preocupante nesta quase obsessão do Governo e da troika em
flexibilizar o mercado laboral é que estão a fazê-lo com um exagero que
ultrapassa a lógica dos custos empresariais e já entra no campo do delírio, ou,
pior, da ideologia.
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