Carvalho da Silva –
Jornal de Notícias, opinião
Está mais que
comprovado o fracasso e a injustiça da receita da austeridade e do
empobrecimento. Mas este capitalismo neoliberal europeu e português que nos
desgoverna não tem, nem deseja ter, qualquer outra alternativa. Insiste,
propositadamente, na construção de diagnósticos viciados, para atingir os
objetivos pré-definidos por que se move: quebrar anseios de progresso e
desenvolvimento dos povos, fazer regredir a sociedade para aumentar a riqueza
desmedida, alimentar a ganância, a vida ostensiva e o poder dos muito ricos e
seus acólitos.
Há milhares e
milhares de portugueses que trabalham pelo custo de ir para o trabalho ou pouco
mais. E milhares de jovens, incluindo licenciados, que pagam para trabalhar, na
esperança de fazer currículo, ou de um qualquer contrato no futuro. O país
despovoa-se e envelhece porque são destruídas atividades económicas e
estruturas de serviços, porque o desemprego e os reduzidos salários obrigam à
emigração.
Entretanto, a saga
dos baixos salários continua. A diretora do FMI, Christine Lagarde, disse esta
semana que não se deve "cortar sempre nos salários", mas não tem
outra recomendação que não seja "reduzir o custo global da mão de
obra". O que significa isto? Facilitar os despedimentos, eliminar a
contratação coletiva e dimensões de dignidade no trabalho, cortar nos direitos
dos trabalhadores no ativo para que não sejam "mau exemplo" para os
jovens totalmente desprotegidos.
Aí está o
capitalismo caminhando para a ressurreição da escravatura. Agora uma
escravatura escondida sob a aparência de um contrato livremente celebrado entre
duas partes. Se uma delas - o trabalhador - não conseguir obter no mercado um
salário que garanta a sua sobrevivência e da família, pode sempre socorrer-se
das "cantinas sociais" e das obras de caridade que o capital alimenta
com umas migalhas do grande banquete em que se encontra.
Até a palavra
desenvolvimento está a desaparecer dos discursos oficiais. Lagarde, a troika,
os nossos governantes, os dirigentes do PSD e do CDS só falam de crescimento.
Crescimento para quem, se há destruição e abaixamento da qualidade do emprego,
redução de salários, diminuição da proteção social e de direitos fundamentais?
Passos e Portas
dizem não apostar em modelos de baixos salários mas, desde que chegaram ao
Governo, lançaram uma catadupa de medidas que diminuem os salários e os
rendimentos do trabalho, que agravam o desemprego. Não há melhoria de salários
com relações laborais determinadas pelo poder unilateral do patrão, com
elevadas taxas de desemprego, a juventude sem direito a trabalho digno, ou sem atualização
obrigatória dos salários mínimos.
O calçado português
- que arrancou para a sua modernização, designadamente porque há mais de 20
anos se fez uma grande campanha contra o trabalho infantil - é agora o mais
caro no mercado a seguir ao italiano. Com que salários? Qual o futuro do setor,
no seu conjunto, se não existe uma atualização salarial justa e regular?
Propagandeiam-se
medidas de apoio à natalidade, mas não passarão de exercício de encanar a perna
à rã se não houver uma significativa melhoria na retribuição do trabalho,
combate ao desemprego e à precariedade laboral!
No Caderno do
Observatório "Quanto é que os salários teriam de descer para tornar a
economia portuguesa competitiva?" 1, de João Ramos de Almeida e José
Castro Caldas, é denunciada a mentira constantemente repetida de que os
salários cresceram mais que a produtividade - "entre 1996 e 2007, em
termos reais, os salários cresceram 11% e a produtividade 15%" - é
demonstrado que "o endividamento externo não resultou de um crescimento desmesurado
dos salários, mas de 1) uma valorização cambial artificial...; 2) da expansão
do setor de bens não transacionáveis...; 3) do acesso a um financiamento
abundante e a baixos custos, proveniente de economias superavitárias".
Pode acrescentar-se ainda: da abertura do espaço económico europeu a
importações baratas vindas de Leste e do Leste distante.
Não se massacre
mais quem trabalha!
1 Os Cadernos do
Observatório são publicados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas do
Centro de Estudos Sociais da Univ. Coimbra. O 1.º número está disponível em
www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt/.
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