Cândido Bessa –
Jornal de Angola
O programa de
rendimento mínimo, que se traduz na transferência directa de recursos para
pessoas em situação de risco e de extrema pobreza, começa a ser aplicado em
breve. Em entrevista ao Jornal de Angola, o economista Manuel Nunes Júnior
afirma que esta e outras acções vão contribuir para a transformação da vida dos
beneficiários e seus familiares.
Ao mesmo tempo que
realça os avanços registados nos mais variados sectores, mostra como o
crescimento económico está a contribuir para a melhoria da vida da população e
sublinha que é preciso primeiro criar riqueza para que a mesma possa ser depois
distribuída.
Jornal de Angola - Como avalia a estratégia de combate à pobreza em Angola?
Manuel Nunes Júnior - Os avanços são significativos. O número de angolanos
a viver abaixo da linha de pobreza, com menos de 2 dólares por dia, de acordo
com o Banco Mundial, baixou de 68 por cento, em 2002, para 36,6 por cento, em
2009, de acordo com dados do Inquérito sobre o bem-estar da população (IBEP)
realizado pelo Ministério do Planeamento em associação com o PNUD em 2008 e
2009. O Censo da População, a realizar-se no próximo mês, vai actualizar estes
dados. Todos os Governos preocupados com o bem-estar dos seus povos preocupam-se
com os problemas relacionados com a pobreza e em especial com a pobreza
extrema.
JA - Que outros números indicam esta evolução positiva?
MNJ - A esperança de vida à nascença também evoluiu de maneira
significativa, tendo passado de 45 anos, em 2002, para 52 anos em 2013. O
objectivo é atingir uma esperança de vida à nascença de 55 anos, em 2017. O
Índice do Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador importante do nível de
vida usado pela Nações Unidas e que condensa factores como os níveis de saúde,
de educação e dos rendimentos auferidos pela população, evoluiu de 0.375 em
2000 para 0.508 em 2012. De 2000 a 2012 Angola fez parte de um grupo de
14 países que mais cresceram no mundo neste domínio e que tiveram um
crescimento do IDH superior a dois por cento. O objectivo é continuar a
diminuir os níveis de pobreza extrema no país de modo a não ultrapassar 28 por
cento da população em 2017.
JA - Quais são os motores desta evolução?
MNJ - Estes sucessos são resultado de medidas acertadas do ponto de vista
económico, político e social adoptadas pelo Executivo liderado pelo Presidente
José Eduardo dos Santos. Angola obteve três factores fundamentais de
competitividade global, a económica, com a adopção, em 1989, do modelo de
economia de mercado, que permitiu o desenvolvimento da iniciativa dos cidadãos
nacionais na vida empresarial e no processo de criação de riqueza pessoal e
social, a competitividade política, com a institucionalização, em 1991, do
sistema multipartidário, que permitiu a competição política entre os partidos
políticos no sentido da tomada do poder político. O terceiro factor é a paz, em
2002, que é o maior bem público dos angolanos, sem o qual todo o processo de
criação de riqueza nacional fica inviabilizado.
JA - Mas ainda se põe a questão da divisão desta riqueza?
MNJ - Não se pode distribuir o que não existe. Está provado que não há
desenvolvimento económico sem crescimento económico. É preciso primeiro criar
riqueza para que a mesma possa ser depois distribuída. Nos últimos cinco anos,
a economia angolana cresceu a uma taxa média anual de 9,2 por cento ao ano. Se
considerarmos apenas a economia não petrolífera, vemos que a taxa média de
crescimento foi de 12 por cento, do que resulta que a produção da economia não
petrolífera quase duplicou nos últimos cinco anos. A riqueza produzida em
Angola medida pelo Produto Interno Bruto cresceu imenso, tendo saído de 544 mil
milhões de kwanzas, em 2002, para 11.019,1 mil milhões em 2012. A partir de
2006, o sector não petrolífero passou a exibir taxas de crescimento superiores
aos do sector petrolífero, o que é um indicador importante do sentido positivo
que está a seguir o processo de diversificação da economia. O sector não
petrolífero é que o mais emprego cria e o aumento dos níveis de emprego é a
melhor forma de combater a pobreza.
JA - Que outros indicadores existem?
MNJ - Podemos apontar a queda da inflação. Quando muito alta, actua como
um imposto sobre aqueles que detêm activos em cash, como acontece com a
população de rendimentos mais baixos, diminuindo o poder de compra dos seus
salários e contribuindo para agravar os índices de pobreza. Em 2002, a taxa de
inflação anual foi de 105 por cento, tendo baixado para 9,02 por cento em 2012
e para 7,4 por cento em 2013. Para os próximos três anos prevêem-se taxas de
inflação que não ultrapassam os sete por cento. É um grande progresso para um
país que já apresentou taxas de inflação de três mil por cento em 1996.
JA - Que valor atribui à educação neste processo?
MNJ - A educação é a chave das transformações económicas e sociais de
Angola. É também uma forte componente da justiça social e de inclusão social,
já que confere aos cidadãos, independentemente da sua origem, uma possibilidade
de futura ascensão na sociedade. Por isso deve ser considerada a base de todo o
progresso do país. Em 2002 o número de alunos nos níveis de ensino anterior à
Universidade era de cerca de 2,5 milhões. Em 2012 e 2013 este número passou
para 7,2 milhões. O efectivo escolar quase triplicou num espaço de 12
anos. No ensino superior, o número de estudantes passou de 13.861, em 2002,
para 200 mil em 2012 e 2013. Um aumento de quase 14 vezes num espaço de 12
anos. Um grande esforço deve agora ser desenvolvido no sentido do aumento da
qualidade da educação a todos os níveis. Esta é a principal tarefa que deve ser
desenvolvida com rigor e firmeza nos próximos anos.
JA - Estes avanços também são notados na saúde?
MNJ - Com certeza. Podemos aqui destacar a descentralização da gestão dos
serviços de saúde a nível municipal, que tem permitido um maior foco das
administrações e equipas de saúde municipais na melhoria da gestão da saúde e
do funcionamento dos serviços. O resultado tem sido o aumento do acesso
universal das populações a cuidados integrados de saúde no nível primário de
atenção. O Programa Nacional de Habitação também prossegue o seu ritmo normal,
com a construção de novas centralidades em várias regiões do país, a promoção
da autoconstrução dirigida e a edificação de casas sociais. Até 2017 haverá um
aumento significativo do número de habitações no país, o que terá um efeito
positivo nos preços deste bem e na facilidade de acesso ao mesmo por parte dos
cidadãos nacionais.
JA - Que outros sectores evoluíram desde a obtenção da paz?
MNJ - As políticas económicas só fazem sentido se contribuírem para o
aumento do bem-estar das populações. Os três factores a que me referi
garantiram a estabilidade política do país, o reforço da democracia e tornaram
o sistema económico mais dinâmico e mais abrangente, já que a economia de
mercado permite que os cidadãos, na base do seu talento e do mérito pessoal,
criem riqueza pessoal e social. Também explicam os sucessos que o país tem
alcançado e continuam a ser fundamentais para fazer face aos desafios que temos
pela frente.
JA - Como diminuir a dependência económica?
MNJ - Precisamos de continuar a crescer na base de uma aceleração do
processo de diversificação da economia nacional em curso no país. Temos de
continuar a diminuir a grande dependência da economia angolana do sector
petrolífero, porque a melhor forma de distribuir o rendimento nacional é o
aumento do número de empregos e da atribuição de salários justos e dignos aos
trabalhadores. O sector petrolífero, embora constitua mais de 45 por cento do
PIB, mais de 70 por cento das receitas tributárias do país e mais de 90 por
cento das exportações, é um sector intensivo em mão-de-obra e, por isso, cria
muito poucos postos de trabalho. Por esta razão, para que o objectivo do
aumento do emprego seja alcançado uma atenção especial deve ser dada aos
programas relativos à diversificação da economia nacional, o que levará ao
aumento dos rendimentos dos cidadãos e, por conseguinte, à melhoria da
qualidade de vida e de bem-estar dos angolanos.
JA - Em que bases assenta o processo de diversificação?
MNJ - Está assente em sete clusters, alimentação e agro-indústria,
geologia e minas, petróleo e gás natural, habitação, turismo, água e energia e
transporte e logística. Estes clusters estruturantes vão ser implementados
através de programas dirigidos e que serão integrados por programas
aceleradores do desenvolvimento nos vários domínios. As cadeias produtivas
destes clusters vão abranger todos os sectores da vida produtiva do país
distribuídos por todo o território nacional, de modo a que os seus benefícios
sejam sentidos por todos os angolanos.
JA - Esta é a solução?
MNJ - Sim, porque este processo leva a um aumento significativo da
produção interna, sobretudo no domínio da alimentação e da agro-indústria, à
diminuição das importações e ao aumento das exportações. A reabilitação das
infra-estruturas produtivas e sociais desempenha um importante papel neste
esforço de aumento da produção interna.
JA - Como está este processo?
MNJ - De 2002 até ao presente foram reabilitados e asfaltados cerca de 12
mil quilómetros de estradas, fazendo com que mais de 80 por cento das capitais
de província estejam ligadas entre si por estradas de alcatrão. A circulação de
pessoas e bens tornou-se mais fácil, mais eficiente, mais rápida e, sobretudo mais
segura. Tudo isso tem implicações positivas nos níveis de produtividade e de
competitividade da economia. Os caminhos-de-ferro de Luanda e de Moçamedes
foram completamente reabilitados e modernizados. A linha férrea do CFB está
concluída até a fronteira com a RDC. Os trabalhos finais nos últimos
quilómetros da linha devem estar concluídos no final do primeiro semestre.
Foram ainda reabilitados e modernizados vários portos e aeroportos,
prevendo-se para este ano o inicio da construção do novo porto de águas
profundas de Cabinda e a preparação dos projectos dos novos portos da Barra do
Dande e de Porto Amboim.
JA - Que outros projectos e programas existem?
MNJ - Estão a ser feitos investimentos significativos para aumentar a
produção de energia, com recurso à recuperação e construção de novas centrais
hidroeléctricas e termoeléctricas, para gerar uma capacidade adicional de 5.000
megawats que farão com que a partir de 2016 o abastecimento de energia
eléctrica melhore significativamente no país e que a partir de 2017 os
principais problemas do sector estejam resolvidos. O mesmo em relação à água
onde os investimentos em curso permitirão sair de um nível de cobertura global
actual de cerca de 59 por cento da população para aproximadamente 85 por cento
em 2017. O programa “Água para todos” tem sido desenvolvido com sucesso,
beneficiando já cerca de 5 milhões de pessoas com água potável. Até ao ano de
2017, o programa vai assegurar o consumo de água potável a pelo menos 80 por
cento da população rural.
JA - Põe-se a questão de transformar o crescimento económico em
desenvolvimento…
MNJ - Todas estas acções contribuirão para que a sociedade angolana seja
alicerçada em instituições cada vez mais inclusivas do ponto de vista político,
económico e social. Nesta fase em que estamos a edificar a economia social de
mercado e de modo a minimizar as desigualdades, precisamos ter instituições
económicas e sociais cada vez mais inclusivas, porque tornam os mercados mais
inclusivos, criam condições iguais para todos e dão às pessoas a possibilidade
e a oportunidade de, no decurso das suas vidas, tirarem o maior proveito dos
seus talentos. Contribuem para a sua felicidade pessoal e para a felicidade de
toda a sociedade. Os angolanos podem estar certos de que se estão a criar as
condições para que cada cidadão encontre na sociedade um espaço de
oportunidades iguais em que possa evidenciar o seu talento e por mérito próprio
prosperar em qualquer domínio da vida.
JA - Qual o impacto destes programas no meio rural?
MNJ - Além deste esforço global enquadrado no âmbito da implementação do
Plano de Desenvolvimento do país, há ainda a destacar o Programa Municipal
integrado de Desenvolvimento rural e de Combate à pobreza iniciado em 2010. Com
isso foi possível a introdução em todos os municípios do país de bens e
serviços sociais básicos nos sectores da educação, da saúde, da água, da
energia e do saneamento básico. Foi possível a modernização da administração
pública local e o fortalecimento das capacidades produtivas das comunidades
rurais.
JA - Quais os desafios para os próximos anos?
MNJ - O foco do programa vai ser na consolidação das conquistas alcançadas
e na implementação de um programa de rendimento mínimo (transferência
directa de recursos) para pessoas em situação de risco e de extrema
pobreza, associado ao cumprimento de acções de contrapartida que contribuam
para a transformação da vida dos beneficiários e dos seus familiares. Com vista
a apoiar as explorações agrícolas familiares está em curso desde 2005 o Programa
de Extensão e Desenvolvimento Rural (PEDR), cujo número de famílias assistidas
variou de 618.859, em 2005 e 2006, para 2.346.772 famílias de camponeses em
2011 e 2012. O maior impacto deste programa reside no facto de ter conseguido
estabilizar a carência em meios de produção que existia no país para atender os
três milhões de deslocados que estavam a ser assentados nas zonas de origem,
após a conquista da paz em 2002. A preparação de terras evoluiu de 2.495.579
hectares em 2005 e 2006 para 4.255.977 hectares em 2011 e 2012.
Foto: João Gomes
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