Martinho Júnior,
Luanda
1 – Há vinte anos
ocorreu o genocídio no Ruanda e de então para cá a imensa região dos Grandes
Lagos jamais conheceu o calar das armas.
Coloco as coisas
nestes termos, pois em África a doença crónica do encadeado de conflitos, de
que Angola conseguiu sair há doze anos, não teve fim e a factura arrasta-se
muito para além das largas dezenas de milhões de vítimas directas e indirectas,
entre mortos, feridos, deslocados, doentes e pobres em estado de desnutrição e
sem abrigo!
Nestas condições
não há forma de dar luta ao subdesenvolvimento histórico e crónico, apesar do
escândalo geológico, um pote de riquezas naturais que tanta cobiça atraem.
É também impossível
encontrarem-se soluções humanas em profundidade, perante o espectro de
desigualdades que se foram acentuando nas sociedades-alvo, desigualdades essas
que premeiam os senhores da guerra e penalizam a ondulante multidão
traumatizada, que se move entorpecida, andrajosa e esquálida de labirinto em
labirinto, quantas vezes à completa mercê duma “ajuda externa” que é parte dos
grandes negócios sobre as riquezas naturais que a cerca!...
…Saqueiam-se as
riquezas naturais, da pior maneira possível, para depois surgirem com a
proverbial caridadezinha ocidental, a distribuir migalhas para os infelizes!...
Milhões de pessoas
que sobrevivem na agricultura de subsistência, apesar da abundância de água e
de terra arável no coração físico-geográfico de África, um coração matriz de
Grandes Lagos e de rios fabulosos como o Congo e o Nilo, ao ficarem à mercê dos
senhores da guerra tornam-se párias que nem se conseguem fixar, muito menos
sobreviver em função das suas escassas possibilidades e limitações de carácter
antropológico, económico, social e psicológico!
Os estados dessa
região tornam-se vulneráveis, falidos, impotentes de domarem o pântano e as
elites sócio-políticas alimentam rivalidades em relação ao poder e ao
contra-poder, num eterno círculo vicioso que as potências atiçam, encantadas
pelos frutíferos lucros que obtêm!... lucram muito mais com a alimentação desse
encadeado de conflitos em África, que aqueles que se dedicam à especulação como
George Soros!
As fronteiras
desfazem-se, novas entidades surgem e há sempre explicações que se usam e
explicações que se escondem, no emaranhado das divisões étnicas e religiosas,
que promovem becos dos quais se torna muito difícil encontrar saída.
Se não fosse por
mais nada, a aristocracia financeira mundial e aquilo que ela projecta por via
de suas oligarquias e elites agenciadas, milhões de vezes teria de ser
condenada, tantas vezes quanto o escandaloso número de vítimas que têm
provocado e não pára de crescer, numa região que poderia ser um dos paraísos da
Terra, de Angola ao Sudão!
2 – Este quadro é
sombrio para África e os angolanos têm a possibilidade de avaliar isso a partir
de sua própria experiência histórica: há doze anos que se calaram as armas em
Angola, num país que, tal como seus vizinhos, sofria o encadeado de conflitos,
de tensões e de guerras (Iª Guerra Mundial Africana”), que sofria do mesmo
pântano que ressurgiu após o final do que foi considerado de “Guerra Fria” por
via do capitalismo neo liberal…
Às guerras justas
da luta de libertação nacional e africana, o capitalismo neo liberal impôs a
Angola a guerra injusta da usura sobre as riquezas naturais, a fim de melhor
instalar e adequar os seus próprios interesses!...
… E os angolanos
têm toda a legitimidade histórica para contribuírem no sentido de se superar
esse pântano que o encadeado de guerras, que começaram há mais de vinte anos,
faz prevalecer no fulcro físico-geográfico decisivo dos Grandes Lagos, adiando
o futuro de todo o continente!
Se antes havia sido
legítimo o movimento de libertação em África, bem como a luta contra o
colonialismo, contra o “apartheid” e contra as suas sequelas, é também legítima
a luta que dá sequência a essa vocação de liberdade na luta contra o
subdesenvolvimento crónico, assumindo a paz, o aprofundamento da democracia e a
lógica com sentido de vida… secando o pântano a que África parece estar
condenada, à mercê dos poderosos que tutelam a globalização e de seus agentes
locais!...
O pântano foi
gerado pelas disputas geo-estratégicas entre as potências ocidentais: os
Estados Unidos, ciosos de sua hegemonia, fazem prevalecer os seus interesses
sobre as renitentes e hipócritas potências coloniais, que não têm outra
alternativa senão subordinarem-se, tornando-se por seu turno, instrumentos
agenciados (e cada vez mais dóceis) dessa hegemonia!
Em relação aos
Grandes Lagos, à Bélgica sucedeu-se a França e à França sucederam os Estados
Unidos, com seu cortejo de agentes locais que agora polvilham os cenários desde
Angola ao Sudão: foi assim que, sucessivamente, se foi incrementando o poder de
entidades de carácter nazi-fascista, capazes até de usarem eleições para melhor
se mascararem e esconderem!
3 – A criação do
AFRICOM, um instrumento de ingerência, de manipulação, de guerra psicológica,
de formatação antropológica, sociológica e psicológica, tão poderoso que
subalterniza a própria NATO, é o corolário da geo-estratégia do império,
aglutinando os agenciados europeus e locais: potências ocidentais e regimes
africanos surgidos de rebeliões cujo carácter é contra-reolucionário, dada a
natureza étnica e religiosa de seus argumentos ideológicos e sócio-políticos, “normalmente”
insensíveis até ao sofrimento humano que desencadearam, em relação ao qual
monta os cenários de sua conveniência e de seu interesse.
Da realidade
terrível para os povos, esses regimes montam o surrealismo imaginário de
feição, para continuarem a justificar a morte!
O poder em países
como o Uganda e o Ruanda, é um poder de carisma nazi-fascista que eclodiu muito
antes dos actuais fenómenos por que passa a Europa, tão evidentes agora no caso
da Ucrânia, como no caso das políticas da ditadura financeira por via do Euro,
sob o rótulo depressivo de “austeridade”!
Os nazi-fascistas
constituem a fauna dilecta que alimenta o poder putrefacto no pântano africano,
por que surgiram de rebeliões contra-revolucionárias e sob a directa tutela do
império.
É circunstância
agravante para aqueles que abusam da manipulação (pseudo)-democrática com que
se vestem, uma fórmula cínica que se tem alimentado da guerra e do sangue de dezenas
de milhões de seres humanos!...
… É circunstância
atenuante para aqueles mais lúcidos, que face ao infortúnio crónico de África,
procuram secar o pântano assumindo as mais justas aspirações de liberdade, de
aprofundamento de democracia e de justiça social, preocupando-se em dar
sequência às lutas do movimento de libertação em África!
Neste momento,
marcando os vinte anos após o genocídio do Ruanda, o Presidente Paul Kagame
acusa a França de ter participado nesse genocídio, em pé de igualdade com as FAR
e as milícia dos hútus, para esconder suas próprias responsabilidades, mas
sobretudo para esconder as responsabilidades daqueles que, ao serviço do
protagonismo hegemónico do império, deram oportunidade à sua ascensão ao poder
no seu país e o instrumentalizam nas invasões dos países vizinhos, uma
instrumentalização que parece não ter fim!
A paz pan-africana
tem de fazer o diagnóstico correcto, sob os pontos de vista antropológico,
sócio-político e psicológico, desses seres nazi-fascistas tão desprezíveis quão
comprovadamente criminosos, ao nível dos mais asquerosos rebeldes do Uganda,
dos Kivus, ou do Ruanda, para que alguma vez seja assumida, ainda que como uma
fugaz esperança num futuro melhor!... e não se deixar intoxicar ou confundir
por declarações que são produto de ingerências, manipulações e mentiras sem
fim, contra os interesses essenciais de África em prol dum tão possível quão
legítimo renascimento!
Uma das “armas”
preferidas pelos instrumentos do império em África e noutras partes do mundo, é
a visão etno-centrista dos acontecimentos, a base para estabelecerem os
critérios maniqueístas que desembocam nas ideologias nazi-fascistas e isso
continua a acontecer no Ruanda sob a direcção de Paul Kagame!
Outra dificuldade
básica para a construção da paz reside no facto de haver muitos que se arvoram
hoje em juízes, ou reitores de razão, ou simultaneamente árbitros, quando suas
mãos estão tão sujas ao longo de décadas… e por isso são tão susceptíveis de
mentira quanto de poder arrogante e discricionário!
É evidente que esta
minha interpretação não é uma declaração de guerra, mas sim uma justa
declaração de consciência humana, daqueles que se identificam com a lógica com
sentido de vida, honrando as dezenas de milhões de vítimas que, cortejo após
cortejo, continuam a desfilar e a sucumbir, de forma tão terrível quão
dramática, nos imensos ermos africanos, ao sabor dos caprichosos saqueadores
dum império que foi criado às custas de genocídio, do racismo, dum egoísmo sem
limites e utilizando as regras dum poder unipolar construído desde que foi
desencadeada a tão malparada Revolução Industrial!
Mapa:
A Região dos
Grandes Lagos e as afectações colaterais, de Angola ao Sudão.
A consultar
Martinho Júnior (parte do roteiro africano desde 2010):
. Zip Zip – 06 –
RDC – KIVUS – A barbárie continua –
. Zip Zip – 26 –
Amani Leo – 50 anos depois –
. Zip Zip – 34 – O
AFRICOM no coração de África –
. Zip Zip – 38 –
Mercenários, até quando? – I –
. Zip Zip – 39 –
Mercenários, até quando? – II –
. Zip Zip – 41 – 50
anos mais de sofrimento e barbárie de sangue – I –
. Zip Zip – 42 – 50
anos mais de sofrimento e barbárie de sangue – II –
. Zip Zip – 43 –
Patrice Lumumba e a fragilidade do movimento de libertação no Congo –
. Zip Zip – 44 – O
Che no leste do Congo em 1965 –
. Zip Zip – 45 – Os
mercenários da administração Johnson no Congo –
. Zip Zip – 46 – A
administração republicana de Dwight D. Eisenwor, o “projecto Wizard” e o
assassinato de Patrice Lumumba –
. Zip Zip – 47 – As
armadilhas da aristocracia financeira mundial no Congo e o interregno do
consulado Kennedy –
. Zip Zip – 48 – Os
Estados Unidos assumem-se como potência neo colonizadora do Congo –
. Zip Zip – 49 – Um
corpo inerte à espera de Maurice – I –
. Zip Zip – 50 – Um
corpo inerte à espera de Maurice – II –
. A NATO sempre
presente em África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/11/nato-sempre-presente-em-africa.html
. O “arco de crise”
em direcção a África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/o-arco-de-crise-em-direccao-africa.html
. Rapidinhas do
Martinho – 16 – OTAN – O crime “mais-que-parfeito” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/05/rapidinhas-do-martinho-16.html
. Rapidinhas do
Martinho – 28 – A “Conferência do Pentágono para África” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/08/rapidinhas-do-martinho-28.html
. Rapidinhas do
Martinho – 34 – Riscos acrescidos para África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/08/rapidinhas-do-martinho-34.html
. Rapidinhas do
Martinho – 36 – Salvar a paz em África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/08/rapidinhas-do-martinho-36.html
. Rapidinhas do
Martinho – 42 – As novas grilhetas de África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/09/rapidinhas-do-martinho-42.html
. Rapidinhas do
Martinho – 45 – SADC pode tornar-se “numa outra África?” – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/09/rapidinhas-do-martinho-45.html
. Rapidinhas do
Martinho – 48 (I) – Explorando o êxito – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-48-i.html
. Rapidinhas do
Martinho – 48 (II) – Explorando o êxito – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-48-ii.html
. Rapidinhas do
Martinho – 48 (III) – Explorando o êxito – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-48-iii.html
. Rapidinhas do
Martinho – 49 – Resgatar África – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/10/rapidinhas-do-martinho-49.html
. Rapidinhas do
Martinho – 60 – Esqueceram-se que a Terra é nossa mãe – http://paginaglobal.blogspot.com/2011/11/rapidinhas-do-martinho-60.html
. O fardo da
hegemonia – http://tudoparaminhacuba.wordpress.com/2012/10/05/o-fardo-da-hegemonia/
. Jogos africanos
do neo colonialismo norte americano em África – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/05/jogos-africanos-do-neocolonialismo.html
. Che 45 anos
depois – http://paginaglobal.blogspot.com/p/blog-page.html
. Estende-se o “arco
de crise” em África – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/03/estende-se-o-arco-de-crise-em-africa.html
. Garantir o saque
– http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/04/garantir-o-saque.html
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