Isabel
Moreira* - Público, opinião
Não
há ética de convicção, mas ética de colaboração
Nesta
data, não há ser pensante que não saiba que o Governo faz por não saber governar
de acordo com a Constituição (CRP). De orçamento em orçamento, Passos, rodeado
de constitucionalistas dispostos a afogarem a sua integridade científica – como
Poiares Maduro –, fez por ignorar a jurisprudência do Tribunal Constitucional
(TC). Todos os chumbos foram os esperados e, no que não foram, a causa de algum
espanto foi os acórdãos pecarem por defeito na penalização do executivo.
A
mensagem infantil e derrotada à partida – um alemão explicaria bem isto ao
Governo – de que o TC inviabiliza a ação de quem governa foi acolhida com a
inteligência que sobra ao povo e que falta ao Governo: é este último e não o TC
que inviabiliza uma governação nos limites da legalidade. Mais: é o Governo que
quer movimentar-se fora da lei. Assente em declarações terroristas como a da
necessidade de “escrutinar melhor os juízes” que, imagine-se, não cumpriram com
as expetativas de quem os escolheu, provavelmente assente numa lógica de
avença, a verdade da mensagem é só uma: aconteça o que acontecer, a política do
Governo será sempre cortar salários e pensões.
Este
é o ponto que justifica ouvirmos Poiares Maduro a ver uma aclaração num
indeferimento da aclaração e, pior, no sentido de se extrair do acórdão do TC
um tratamento discriminatório relativamente a subsídios de férias. Poiares
Maduro é desautorizado pouco depois pelo Conselho de Ministros e ainda está em
funções, isto é, na sua função de servir o poder deitando ao lixo a formação
académica em tempos respeitada.
As
manobras de ataque ao TC, insisto, são apenas a afirmação de que serão sempre
os mesmos os alvos da austeridade.
Como
esse ataque sistemático é, já sabemos, inconstitucional, nada como pedir ao
cúmplice do ataque que entre em campo.
Temos,
pois, Cavaco. O Governo que não sabe, diz, governar dentro da lei, pede ao PR
que este trate de acionar a fiscalização preventiva dos diplomas para que
fiquem claras as tais das “orientações políticas” do guarda da CRP.
É
bem pensado. Cavaco, bem assessorado, e sabendo ainda melhor do que a minha
vizinha das inconstitucionalidades que remontam a 2012, nada fez de relevante
quanto ao poder que tem de se dirigir ao TC, poder que tem, precisamente,
porque lhe compete “fazer cumprir a Constituição”. Foram 17 Deputados do PS
(desacompanhados violentamente da sua direção) e todo o BE que marcaram
presença. O TC foi claro e Cavaco lamentou o tempo perdido. Aquilo “doeu” a
quem poderia ter arrumado o ultraje do saque de dois subsídios numa
fiscalização preventiva (competência exclusiva do PR) mas terá doído mais a
quem penou um ano com o saque inconstitucional.
A
“dor”, acompanhada da leitura fácil do acórdão, também não moveu Cavaco no ano
seguinte, perante um corte, aos mesmos, de um subsídio. Sabia que era
inconstitucional, tanto que pediu a fiscalização sucessiva, mas aliviou o
Governo do susto de acionar preventivamente tanta dor e tanta convicção.
Quanto
aos cortes de salários de 2014, que violavam todas as premissas fixadas pelo TC
quanto à matéria em 2011, em 2012 e em 2013, Cavaco leu “475 euros”, essa nova
base de imposto extraordinário criada para milionários, deve ter sentido aquela
dor, mas lembrou-se do seu conceito histórico de “cooperação institucional”.
Por isso, mais uma vez, nada fez. Felizmente, toda a oposição e Provedor de
Justiça trataram do assunto, mas sucessivamente, porque é esse o poder/dever
que a CRP nos confere.
Pode
dizer-se que Cavaco fez alguma coisa em matéria de pensões. Pois fez. Às vezes.
Por acaso nada fez quanto às pensões de sobrevivência atacadas no último
orçamento em normas chumbadas pelo TC.
Este
é o regular funcionamento de Cavaco. Não há ética de convicção, mas ética de
colaboração.
Por
isso, quando agora o Governo pede a Cavaco para suscitar a fiscalização
preventiva de diplomas para se saber das orientações do TC apelidadas de
“políticas”, o Governo assume que não quer governar de acordo com a CRP,
fingindo que não sabe – nem escutando assessores, Secretários de Estado e Ministros
peritos em direito constitucional –, e envolve, naturalmente com acordo prévio,
o PR.
Fica
então aquele órgão de soberania sediado em Belém destinado a requerer a
fiscalização preventiva de diplomas, não por ter a convicção de que os mesmos
sejam inconstitucionais, mas para colaborar com o Governo na sua convicção de
que o peso do incumprimento, o peso da violação do direito e da separação de
poderes, deve ser colocado no TC.
Pior:
o ónus.
*Deputada
do PS
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