Ricardo Cabral – Público, opinião
Ministra
das Finanças de um país com dívida de 128,7% do
PIB congratula-se ao anunciar, num evento partidário, que “temos
cofres cheios”.
De
facto, a almofada financeira do Estado – que Viriato Soromenho Marques,
eloquentemente, designa por “almofada
de pedra” – para a qual, note-se, não existe enquadramento
legal, somava, no
final de Janeiro de 2015, perto de 24 mil milhões de euros. Desse montante,
15,3 mil milhões de euros estavam depositados junto do Banco de Portugal. O
restante, de acordo com a imprensa, encontra-se depositado junto da banca
comercial.
A
Ministra das Finanças é adepta da disciplina orçamental e do “cumprir
as regras” europeias. Mas estará consciente de que, ao permitir a
constituição de uma almofada financeira de 24 mil milhões de euros, não está a
cumprir as regras – a lei e, em particular, o artigo 161º a Constituição Portuguesa
– que atribui tais competências, não ao Ministro das Finanças nem ao Governo,
mas à Assembleia da República?
E
quanto à disciplina orçamental, não saberá a Ministra que uma almofada
financeira sem regras pode propiciar (e já propiciou) o despesismo público?
Mesmo
às baixas taxas de juro actuais, a despesa com juros dessa almofada financeira
que, em média em 2014, foi de 21 mil milhões de euros, deverá ser de 500
milhões de euros em 2015, no melhor dos casos.
Sem
o “investimento” público no Novo Banco, a almofada financeira seria, em Janeiro
do corrente ano, de 28 mil milhões de euros, quando o Presidente da Agência de
Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (IGCP) afirmava, a 2 de Abril de 2014,
no Parlamento, que o valor previsto para a almofada financeira era de 7
mil milhões de euros mas que poderia “fazer sentido” que
atingisse os 10 mil milhões de euros em 2014. A almofada financeira esteve,
porém, sempre substancialmente acima desses montantes tendo sido, em média, de
21 mil milhões de euros em 2014[1]. Meros desvios de mais de 100% em relação
aos planos?
Quem
decide alterações de tal magnitude face aos planos anunciados perante a
Assembleia da República? Só o Ministro das Finanças e o IGCP? É que esse
dinheiro tem custos – despesas com juros e menos valias de operações de troca
de dívida –.
O
desvio na dimensão da almofada financeira em relação ao afirmado no Parlamento por
Moreira Rato (à data Presidente do IGCP), deverá custar aos cofres do
Estado em 2015, na melhor das hipóteses, cerca de 250 milhões de euros, a que
acrescem os prejuízos das operações de troca realizadas[2]. A dimensão das perdas registadas pelo
erário público, em 2014 e já em 2015, nestes dois tipos de operações
financeiras é muito significativa!
Não
está em causa a diligência, boa-fé e sentido de missão dos funcionários e
responsáveis do IGCP. Mas a competência para tomar tais decisões – nomeadamente
porque, como já acima referido, envolvem despesa pública[3] – cabe à Assembleia da República,
nos termos do artigo 161º da Constituição e devem ser enquadradas pela Lei
Quadro da Dívida Pública e pela Lei do Orçamento de Estado.
Se
as “opções financeiras” do IGCP estiverem erradas – e, à luz da evolução
das taxas de juro nos últimos quase 30 meses, todas as operações de troca de
dívida realizadas desde
3 de Outubro de 2012, bem como todas as emissões de dívida subjacentes ao
desvio na dimensão da almofada financeira parecem estar – sobre quem vai recair
a responsabilidade?
A
almofada financeira pode ser relevante em contexto de crise nos mercados, mas a
definição da sua dimensão não cabe nem ao IGCP nem ao Ministro das Finanças.
A
Ministra das Finanças deveria impor regras e controlo a este (actualmente muito
significativo) item da despesa pública – a despesa com juros da almofada
financeira e as menos valias das operações de gestão de dívida correspondentes
–, submetendo proposta(s) de lei(s) à aprovação da Assembleia da República.
Nessa
situação, a responsabilidade por despesa com juros da almofada financeira e
pelas eventuais menos valias deixaria de ser dos responsáveis do IGCP e/ou do
Ministro das Finanças e passaria a ser da Lei e da Assembleia da República…
como decorre da Constituição!
[1] Média mensal. Inclui cerca de 2 mil
milhões de euros que a Administração Central deposita directamente junto da
banca comercial e que por conseguinte não estarão sob a gestão do IGCP.
[2] Uma dessas operações de troca no valor
de 1,03 mil milhões de euros, realizada em Fevereiro de 2014, resultou, logo de
início, num acréscimo de despesa pública de 40 milhões de euros por ano até
Outubro de 2015. Essas menos valias agravaram-se com a descida das taxas de
juro que ocorreu desde essa data.
Outro
exemplo, a operação de pagamento antecipado de 6,5 mil milhões de euros de
dívida ao FMI, realizada em Março de 2015, também poderá vir a resultar em
prejuízos para o erário público muito significativos, se o euro se vier a
valorizar até à data da maturidade original dos empréstimos. Concretamente, se
o euro se valorizar para a taxa de câmbio registada há um ano atrás
(24.3.2014), as menos valias seriam de cerca de 870 milhões de euros.
[3] Com juros da almofada financeira e com
menos valias.
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