ALEXANDRE MARTINS - Público
Presidente
da Guiné-Bissau deu posse a Baciro Djá como chefe de Governo, numa tentativa de
solução rápida para uma crise que ninguém sabe como vai acabar. Militares
continuam à margem.
Quando
a Guiné-Bissau parecia ter finalmente encontrado o caminho da estabilidade
política, virando as costas a décadas de golpes de Estado e ameaças várias, o
fantasma da instabilidade voltou a pairar sobre o país na última semana. Depois
de ter demitido o primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, o Presidente da
República, José Mário Vaz, deu posse nesta sexta-feira a um novo chefe de
governo, no que aparenta ser uma rápida solução para uma crise política; na
verdade, é apenas o início de algo que ninguém sabe como vai acabar.
A
decisão do Presidente, anunciada a 12 de Agosto, criou uma situação peculiar na
Guiné-Bissau: o chefe de Estado, o primeiro-ministro demitido e o recém-empossado
chefe de governo, Baciro Djá, são todos do Partido Africano da Independência da
Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que está em maioria no Parlamento, mas a queda do
executivo até agora liderado por Domingos Simões Pereira é condenada pela
generalidade do partido — um dos membros do comité central, Fernando Saldanha,
disse à agência AFP que está em curso um “golpe de Estado constitucional” e que
“nem o partido, nem o povo da Guiné-Bissau aceitarão a nomeação de Baciro Djá”.
Mas
o facto é que Baciro Djá assumiu oficialmente a função de primeiro-ministro
nesta sexta-feira, numa cerimónia em que o Presidente da República afirmou que
“foram cumpridas todas as formalidades constitucionalmente prescritas”, numa
resposta aos que o acusam de ter passado por cima da Constituição. José Mário
Vaz disse que a sua decisão foi tomada após “a análise dos resultados
eleitorais, bem como a audição das forças políticas representadas na Assembleia
Nacional Popular”.
No
discurso proferido na cerimónia de tomada de posse, o Presidente guineense
confirmou a incompatibilidade com o anterior primeiro-ministro, pouco mais de
um ano depois de ambos terem chegado ao poder nas primeiras eleições após o
golpe militar de Abril de 2012, que derrubou o governo de Carlos Gomes Júnior.
“Quando
há pouco mais de um ano dei posse ao primeiro-ministro do governo anterior, não
contava que a evolução dos acontecimentos nos obrigaria a nomear, hoje, um novo
chefe de Governo. Mas a dinâmica da condução dos assuntos do Estado impõe a
tomada de decisões, nem sempre agradáveis, em nome dos mais sagrados interesses
e aspirações legítimos do nosso povo”, disse José Mário Vaz, numa declaração
que é também um reconhecimento do desagrado com que a sua decisão foi recebida
em vários sectores da sociedade guineense.
Mensagem
para fora
Para o Presidente, o afastamento de Domingos Simões Pereira não constitui nenhum problema constitucional, já que o novo primeiro-ministro pertence ao PAIGC, partido que venceu as legislativas no ano passado. Na cerimónia de tomada de posse, José Mário Vaz fez também uma referência indirecta ao que o separava do rumo político do anterior governo, sublinhando que Baciro Djá foi director nacional da campanha eleitoral do PAIGC: “Portanto, o dr. Baciro Djá, que percorreu o país de lés-a-lés durante essa campanha, é um conhecedor profundo das promessas eleitorais do partido e do seu então candidato presidencial.”
O
novo primeiro-ministro prometeu promover “um diálogo franco, honesto e sincero
para busca de soluções, concertadas e duradouras, para a Guiné-Bissau, quer
para ultrapassar a crise em curso, assim como para a governação do país”.
José
Mário Vaz e Baciro Djá deixaram também uma mensagem para fora do país, em
particular para os Estados que prometeram ajudar a Guiné-Bissau com cerca de
mil milhões de euros numa conferência internacional de doadores que decorreu há
apenas cinco meses, em Bruxelas — Portugal foi um dos participantes e
comprometeu-se com um programa de cooperação no valor de 40 milhões de euros.
Os
agradecimentos à comunidade internacional por “todo o apoio que tem prestado ao
país” tem como objectivo assegurar o resto do mundo que a Guiné-Bissau não
corre o risco de resvalar novamente para um período de grave convulsão
política, mas a realidade tem-se encarregado de pôr reticências às garantias do
Presidente e do novo primeiro-ministro.
Em
declarações ao PÚBLICO, o antigo Presidente de Timor Leste e ex-representante
das Nações Unidas na Guiné-Bissau, José Ramos-Horta, disse que o país “resvala
por um trilho perigoso”, e que a responsabilidade é de José Mário
Vaz. “Tem que haver preços a serem pagos: a comunidade internacional não
pode encarar esta situação de ânimo leve e dar seu aval, isto é, reconhecimento
de facto, a um governo saído de uma arbitrariedade do Presidente da República”, disse
Ramos-Horta.
Num
depoimento enviado ao PÚBLICO por email, António Soares Lopes, perito do
Programa de Apoio aos Actores Não Estatais, diz que está em curso um “golpe
palaciano”, sendo evidente “a deriva em que entrou este país, que muitos
acreditavam ter reencontrado o rumo certo, o caminho da recuperação económica e
da concórdia nacional”.
“Adivinham-se
dias difíceis. Fazendo uma leitura das posições manifestadas pela sociedade
civil, sindicatos, partidos políticos, Assembleia Nacional Popular, pode-se
concluir que se caminha a passos largos para uma desobediência civil e a
consequente paralisação do país”, considera António Soares Lopes.
Discordância
geral
Também o jornalista Sabino Santos, chefe de redacção do jornal Última Hora, diz que se percebe “de imediato que mais de 90% de guineenses são contra a posição do Presidente da República”. “Dos cerca de 40 partidos políticos existentes, apenas um, o Centro Democrático, de Impossa Ié, admitiu que o Presidente da República acertou. De resto, todas as movimentações estão a ser feitas com vista a alterar essa decisão”, disse ao PÚBLICO o jornalista, referindo-se em particular a uma acção judicial promovida por uma aliança liderada pelo ex-director da Liga Guineense dos Direitos Humanos, Luís Vaz Martins.
“O
sentimento existente é que José Mário Vaz abusou dos poderes e tirou Domingos
Simões Pereira. A aliança, para além de pretender fazer o Presidente da
República recuar na decisão, prometeu lutar até que este seja destituído do
poder, porque é uma ameaça à paz”, afirma Sabino Soares.
“O
que mais joga contra o Presidente da República nessa nomeação é que, há dois
meses, o demitido primeiro-ministro denunciou que Baciro Djá, enquanto ministro
da Presidência do Conselho de Ministros, era a figura que armava intrigas entre
o primeiro-ministro e o Presidente da República. Foi por isso que os militantes
do partido o criticaram fortemente na reunião do comité central. Em virtude
dessas críticas, apresentou o seu pedido de demissão a Domingos Simões Pereira
alegando o relacionamento insanável entre eles. O PAIGC, por sua vez,
suspendeu-o das funções de terceiro vice-presidente, e o facto de ter sido
nomeado pelo Presidente da República sem que a suspensão fosse levantada também
pesa, não obstante ele ter recorrido da suspensão”, explicou ao PÚBLICO o chefe
de redacção do Última Hora.
Para
o professor Fodé Abulai Mané, da Faculdade de Direito de Bissau, a actual crise
política deve-se à “pretensão do Presidente da República de instaurar um
regímen presidencialista”, mas considera que o risco de um novo golpe militar é
reduzido. Com “o distanciamento das forças militares do conflito e a
concentração da maioria esmagadora da população no lado contra [o Presidente],
o risco de conflito violento, pelo menos neste momento, é reduzido. Mas existe
alguma potencialidade de haver alguns conflitos, porque o próprio
primeiro-ministro nomeado é conhecido pela utilização de argumentos tribais e
religiosos nas suas acções políticas”, acusa o especialista num email enviado
ao PÚBLICO.
Por
agora, a principal dor de cabeça é perceber como vão as instituições, a
sociedade civil e a comunidade internacional reagir a um novo governo que terá
“poucas chances de chegar ao fim do seu mandato e seria, por isso,
necessariamente transitório”, disse ao PÚBLICO o sociólogo e investigador
Miguel de Barros, numa referência à falta de apoio tanto no PAIGC como nos
restantes partidos com assento parlamentar, que aprovaram duas moções de
confiança ao anterior primeiro-ministro, e ambas por unanimidade. Com
Joana Gorjão Henriques
Na
foto: Baciro Djá foi ministro da Presidência do Conselho de Ministros.
Demitiu-se por divergências com Domingos Simões Pereira, a quem acaba por
suceder no cargo de primeiro-ministro AFP PHOTO / SIA KAMBOU
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