André
Amaral, Expresso das Ilhas - entrevista
Domingos
Simões Pereira foi demitido do cargo de Primeiro-ministro da Guiné-Bissau sem
que o Presidente da República lhe tenha explicado os reais motivos da decisão.
Nesta entrevista ao Expresso das Ilhas, Simões Pereira diz que “aquilo que os
media sabem é aquilo que eu sei” e acusa José Mário Vaz de ter “uma vontade
desmedida de chamar a si todos os poderes”. Quanto às acusações de nepotismo e
corrupção, responde: “muita da gente que faz essa acusação tem sobre si
pendente um conjunto de acusações, algumas delas até com instrução judicial”.
Expresso
das Ilhas – Que expectativas tem para o futuro próximo?
Domingos
Simões Pereira - As expectativas mantêm-se inalteradas em relação àquelas que
tínhamos no período pós-eleições. O PAIGC é o partido mais votado e é a quem
incumbe nomear o governo. O Presidente demitiu o Governo mas tem de propor ao
PAIGC, de acordo com as suas estruturas, a formação de um novo Governo.
Tem-se
falado também no nome de Carlos Gomes Jr. como uma alternativa ao seu nome…
Estou
a ouvir isso pela primeira vez. Não quero comentar.
O
Dr. José Mário Vaz fez-lhe acusações de nepotismo e de corrupção. Como responde
a essas acusações?
Não
é por antecipação que nós conseguimos colar esse tipo de adjectivos às pessoas.
O percurso das pessoas é aquilo que temos objectivamente de aproveitar. Eu sou
servidor público há muito tempo, em várias instituições tanto de cariz nacional
como internacional e até hoje tenho recebido uma avaliação sempre positiva e
com alguns destaques até. No último ano, enquanto membro do governo, nós temos
um programa com o FMI, esse programa tem merecido uma avaliação continua por
parte do FMI, portanto não me parece que, mesmo para a opinião pública
nacional, eu tenha necessidade de grandes argumentações para as pessoas
perceberem que aquilo que se está a dizer não passa de uma manobra
completamente frustrada de me tentar juntar a uma escumalha à qual eu não
pertenço. Em contrapartida, muita da gente que faz essa acusação tem sobre si
pendente um conjunto de acusações, algumas delas até com instrução judicial, e
eu penso que deviam primar mais de assegurar à nação guineense alguma condição
moral para o exercício da função que de facto desempenham.
Timor
Leste já anunciou que ia cancelar toda a cooperação com a Guiné-Bissau. Acha
que o cenário pode vir a complicar-se ainda mais?
Esperemos
que não. Esperemos que o sentido de Estado e a responsabilidade de manter o
clima de paz e prosperidade leve as pessoas a ponderarem qualquer actuação. O
que nós esperamos é que o senhor Presidente da República, tendo chamado a si
esse conjunto de responsabilidades, esteja à altura de cumprir aquelas que são
as reais expectativas da população. Ele exerceu uma prerrogativa que lhe estava
adstrita e agora tem de restituir ao PAIGC a possibilidade de formar governo e
em que respeita aquilo que são as estruturas internas do partido. Se não o
fizer, se violar esses princípios constitucionais, aí sim estará a criar, de
facto, condições para alguma perturbação que nós não desejamos e que esperamos
que não volte a acontecer neste país.
José
Mário Vaz pode vir a ser expulso do partido?
José
Mário Vaz esticou, de facto, a corda toda. Porque a última reunião do Bureau
Político já tinha lançado o alerta no sentido de que se não respeita o partido
que patrocinou a sua candidatura, é o mínimo que nós entendemos que se deve
fazer. Retirar-lhe a confiança política e, ao fazê-lo, pôr em causa a condição
que levou a que o partido o apoiasse. A partir daí tudo é possível.
Como
se explica que, na Guiné-Bissau, os governos não cumpram os mandatos até ao
fim? Como explicar toda esta instabilidade governativa?
Eu
não quero explicar as situações antecedentes que não conheço e não acompanhei
com o devido conhecimento de causa. Estou a acompanhar este que se resume a uma
intenção inaceitável de partidarismo, de concentração de poderes, de não
respeitar as regras do jogo. O espaço de intervenção do Presidente da República
num regime semi-presidencial está bem definido, tal como está o do chefe do
governo e outras instâncias. Mesmo podendo admitir algumas dificuldades de
relacionamento pessoal, o respeito dessas regras e das leis deviam permitir que
as instituições do país funcionassem. O senhor Presidente da República tem dado
mostras de inconformismo daquilo que são os espaços reservados pela
Constituição e entende como forma de contornar isso fazer uso de uma prerrogativa
que não é. Invocar uma crise, como ele tenta fazer, não faz qualquer tipo de
sentido. O país nunca apresentou os indicadores que neste momento atingiu, tem
o apoio da comunidade internacional, o quadro é o mais favorável para as
reformas que o país precisa. Portanto a única compreensão possível para este
momento é, realmente, uma vontade desmedida de chamar a si todos os poderes.
Agora,
ele próprio, ao fazê-lo, tem consciência da incoerência que está a cometer? Por
isso adiciona outras acusações que não têm qualquer tipo de sentido, porque,
como já disse, ninguém alguma vez me apontou o dedo e eu próprio quando tive a
oportunidade de o questionar sobre se alguma das acusações que ele fazia era
dirigida a mim, ele confirmou que não tinha nada contra mim mas que eram sobre
alguns elementos do governo. Quando teve oportunidade de anunciar ao país as
razões por que ia demitir o governo sentiu que era necessário ter mais um
ingrediente. Acho que foi infeliz. Nós que servimos a estes níveis temos a
obrigação de sermos coerentes e de dizer a verdade e, neste caso, o senhor
Presidente da República faltou à verdade e o povo está consciente disso.
O
decreto de exoneração é tudo menos esclarecedor. O Presidente da República
chegou a apontar-lhe as verdadeiras razões para a demissão do Governo?
A
mim não. Estive a acompanhar todo este processo pelos media, e aquilo que os
media sabem é aquilo que eu sei. Não há mais nada.
José
Mário Vaz nunca o chamou para lhe explicar o porquê desta decisão?
Não.
Quando o Presidente da República começou a auscultação dos partidos políticos,
eu, na condição de presidente do PAIGC, também fui convidado. O Presidente
pediu que nós o ajudássemos a compreender e a ultrapassar a grave crise
política em que o país estaria mergulhado. E a nossa resposta foi exactamente
essa. Que a única entidade nacional que faz referência a uma crise é o
Presidente da República. Portanto, sendo ele o conhecedor das razões da crise e
dos factores causadores dessa crise ele teria de partilhar isso connosco antes
de nós podermos acompanhá-lo nessa análise, algo que nunca fez.
Teme
que a comunidade internacional possa agora retirar os apoios que tem concedido?
O
povo guineense e o país não merecem isso. Penso que não é o que vai acontecer.
A comunidade internacional tem acompanhado atentamente o evoluir da situação e
todos acreditamos que, apesar de termos perdido algum tempo, o Presidente vai
voltar à razão, vai devolver o poder legislativo ao PAIGC e vai-se comportar
criando condições para que esses apoios possam fluir a favor da Guiné-Bissau.
Que
esperanças para o futuro próximo?
Eu
acredito no futuro. Eu sei que este não é o melhor momento, mas este é um obstáculo
num percurso que está definido e ao qual o povo guineense aderiu. Vamos ser
capazes de o ultrapassar e continuar esta caminhada para a paz, a estabilidade
e para o desenvolvimento.
"A
prerrogativa do Presidente derrubar o governo que não elegeu é uma afronta à
República”
O
jornalista guineense e autor do blogue Ditadura do Consenso, António Aly Silva,
atribui à Assembleia Nacional da Guiné-Bissau grande parte da responsabilidade
pela actual situação de instabilidade no país. À Rádio Morabeza, o activista
assinalou que a Constituição da República deve ser mudada, tirando ao
Presidente da República a capacidade de derrubar o governo.
A
actual Constituição foi revista em 2006, mas para António Aly Silva precisa de
ser novamente alterada.
“Essa
prerrogativa do Presidente derrubar o governo que não elegeu é uma afronta à
República e à sua Constituição. Estamos em 2015 e nenhum deputado, quer antes,
quer depois da morte do Nino Vieira, tentou mudar a Constituição. Se ela fosse
mudada e tirada a prorrogativa ao Presidente, nada disso estaria a acontecer”,
afirmou à Rádio Morabeza.
O
jornalista considera que só o Parlamento deveria ter a competência de exonerar
o governo.
Aly
Silva afirma que, com a situação confusa que se vive no país, as pessoas ainda
não têm noção do que vai acontecer a seguir.
“Um
país que estava previsto crescer cinco por cento este ano é derrubado por um
Presidente da República. As consequências, ninguém sabe ainda”, desabafa.
A
destituição do governo surge na sequência das tensões e divergências entre os
dois responsáveis políticos sobre a forma de governar a Guiné-Bissau.
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