sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

São Tomé e Príncipe. REFRESSO AO PASSADO



Adelino Cardoso Cassandra – Téla Nón, opinião

O MLSTP/PSD acabou de escolher o seu novo líder decorrente de um processo eleitoral intrigante. Não é normal um ato eleitoral, tido como um sinal de abertura do partido à sociedade, através de eleições diretas, transformar-se num processo com efeitos exatamente contrários aos pretendidos. É exatamente isto que o MLSTP/PSD conseguiu fazer, com este ato eleitoral para a presidência do referido partido.

O protocandidato Osvaldo Abreu desistiu da sua candidatura argumentando num longo texto, direta ou indiretamente, que o enquistamento político, organizativo e processual do partido em causa, autoflagelador e antidemocrático, impediu ou limitou as possibilidades de apresentação da sua candidatura ao cargo de presidente do referido partido.

A candidata Elsa Pinto, desistiu da sua candidatura argumentando, entre outras coisas, que o referido processo eleitoral era tudo menos transparente, democrático, sério e livre. Tivemos, por isso, um ato eleitoral que indiciava, inicialmente, a abertura do partido à sociedade mas que acabou com um único candidato como, aliás, acontece em partidos com tiques totalitários.

Quando tomei conhecimento, através de registos e fontes informativas diversas, sobre as peripécias e factos relacionados com todo o processo eleitoral que levou o senhor Aurélio Martins ao cargo do presidente do MLSTP/PSD lembrei-me de um episódio que aconteceu na minha adolescência em S.Tomé.

Eu tinha na altura, provavelmente, 13 ou 14 anos de idade. Estudava no liceu nacional e vivia na Quinta de Santo António, juntamente com uma grande quantidade de outros estudantes da ilha do Príncipe e de Angolares, zona Sul de S.Tomé.

No liceu, nas aulas de Língua Portuguesa, estávamos naquele contexto temporal concreto, a estudar as estruturas de um texto narrativo, o papel das personagens e, sobretudo, a caracterização das personagens através dos seus retratos físico e psicológico. Já vão ficar a saber, a razão da referência a este facto, mais abaixo.

Por coincidência, naquele mesmo contexto temporal, o MLSTP, sem o PSD, realizava uma autêntica reunião nacional, por todos os bairros, vilas e cidades do país, num processo que designaram, se não me engano, por “Processo de Ratificação” e que tinha como propósito a escolha de membros de todas as circunscrições, então criadas no país, para representação do referido partido. Exigia-se, entretanto, que as referidas pessoas, identificadas em primeiro lugar e posteriormente escolhidas nestas autênticas assembleias gerais, fossem idóneas, responsáveis, trabalhadoras e autênticos exemplos moral, cívico e político de representação partidária nos respetivos bairros, vilas e cidades, de todo o país, num processo de responsabilidade vertical de militância que garantisse a expressão e manifestação de um verdadeiro centralismo democrático sob princípios de uniformidade disciplinar, programática e organizacional.

Uma destas Assembleias foi realizada num terraço, perto de Água Arroz e da Quinta de Santo António, de que já não me recordo o nome, dirigido por um alto membro do referido partido, que também já não me recordo do nome, mas, que sei, desapareceu de cena política nas últimas duas décadas.

Por indicação partidária superior, a mobilização para a referida Assembleia, em todos os locais, foi total e precedida de invocação radiofónica, em forma de convocação ou apelos musicais repetitivos para a grandeza do momento. Era proibido faltar, com todas as consequências que isto poderia acarretar do ponto de vista pessoal ou mesmo familiar. Por isso mesmo, o Diretor do Lar de Estudantes obrigou-nos a participar na referida Assembleia.

Com o terraço completamente cheio, as pessoas, sob coordenação deste autêntico guru partidário, eram aconselhadas a se oferecem para a tarefa em causa, expondo-se, de forma isolada, num palco improvisado, às críticas e elogios da plateia, num autêntico processo penoso de tiro ao alvo, para no final da Assembleia ficarem a saber, sob patrocínio político popular da audiência, se estavam habilitadas para a tarefa de representação do partido no referido bairro ou circunscrição.

Foi neste contexto que um grande amigo e familiar meu, infelizmente já falecido, Maurício Gumba, (alcunha carinhosa como era conhecido entre nós) levantou a mão e, de forma humilde, pertinente e, até, inocente, questionou de forma educada ao guru partidário da referida Assembleia, de que forma poderíamos contribuir, individual e coletivamente, para o recrutamento de representantes partidário da respetiva zona se, de acordo com o modelo de organização adotado, não conhecíamos as “características psicológicas” das pessoas que se predispunham, voluntariamente, para o eventual exercício da referida causa, em Assembleia que se realizava naquele momento, de acordo, aliás, com as exigências políticas, morais e cívicas referenciadas.

Creio que, na altura, ele utilizou exatamente a expressão “características psicológicas” tendo em conta os conteúdos programáticos relacionados com a disciplina de Língua Portuguesa que, entretanto, nos era lecionado naquele contexto temporal concreto no liceu nacional, de que fiz referência anteriormente.

Para espanto meu e dos meus colegas, o guru do partido em causa, estrebuchou-se na cadeira, cerrou os dentes e, em tom ameaçador, desancou no meu amigo e em todos nós que fazíamos parte do grupo de supostos marginais, segundo as suas próprias palavras, referindo-se, posteriormente, em tom apaziguador para a referida Assembleia, que nós não sabíamos nada que estávamos a dizer, pois, para se conhecer as “características psicológicas” das pessoas eram necessários aparelhos sofisticados e outros meios de que o país, naquele momento, não tinha possibilidades para comprar.

Com 13 ou 14 anos de idade, achei incrédulo tudo aquilo, duvidei, por instantes, daquilo que me ensinavam na Escola e até hoje, tenho dúvidas se aquele gesto refletia a manifestação de pura ignorância ou era um expediente político desprezável para afirmação de autoridade perante uma Assembleia partidária e hostilização pública de miúdos ingénuos que foram obrigados a participar na mesma juntando-se-lhe um ato político deliberado de dividir para reinar. Este episódio marcou-me, ao ponto de nunca mais ter-me esquecido dele, já lá vão algumas décadas.

Infelizmente, depois de ter lido a longa dissertação do militante do MLSTP/PSD, Osvaldo Abreu, depois deste ter desistido de participar no referido ato eleitoral e ter, posteriormente, ouvido a declaração da militante do referido partido,

Elsa Pinto, discordando, ambos os protagonistas políticos, de toda a organização política e metodológica, vícios, fraudes e banho associado ao processo em causa, tive a sensação de que estávamos, neste momento, em presença de um regresso ao passado do MLSTP/PSD, com todas as consequências que isto pode acarretar ao referido partido. E isto ficou claro para mim porque, a própria Comissão Política do referido partido, ao caucionar o processo de realização do referido ato eleitoral, sem qualquer processo de averiguação profunda de irregularidades, reservas e acusações públicas proferidas por estes dois distintos militantes do referido partido, estava a contribuir para a legitimação deste regresso ao passado.

De facto, as declarações de Elsa Pinto e do Osvaldo Abreu, relacionadas com o recente ato eleitoral para a presidência do referido partido refletem, de forma impiedosa, tudo o que de mau eu presenciei naquela Assembleia partidária quando tinha os meus 13 ou 14 anos de idade, indiciando, de forma clara, um regresso do MLSTP/PSD ao facciosismo exacerbado, dissimulação, humilhação, autoritarismo, manipulação e divisão para reinar não falando, pois, em fraudes e banho.

Como é que o atual MLSTP, agora sem o PSD, sob a liderança de Aurélio Martins, pode criticar o ADI, a partir de agora, por questões relacionadas com o banho e fraude eleitoral, se destacados militantes do referido partido, criticaram a atual liderança, por práticas de vícios semelhantes ou piores, num contexto eleitoral interno, tendo como resposta a banalização de tais críticas por parte da própria Comissão Política do referido partido?

Não creio que nada de bom deva acontecer a este MLSTP nos próximos tempos, após a assunção deste regresso ao passado. O partido empobreceu programaticamente, reativou práticas e ações anacrónicas, típicas de um modelo de organização consagrado aos princípios de centralismo democrático que humilha, persegue e marginaliza aqueles que têm opiniões diferentes no seu seio e, ainda por cima, a liderança atual revela tiques denunciadores de uma conduta que já vi noutras paragens e não creio que no MLSTP/PSD faça algum sentido.

Aurélio Martins manifesta alguns tiques de intervenção política, discursiva e até metodológica, muito parecidos com a conduta de Patrice Trovoada. Creio mesmo, que são duas personagens muito parecidas, politicamente falando.

Tratando-se de algum mimetismo para colher os mesmo dividendos políticos que o Patrice Trovoada, aparentemente, colheu nos últimos tempos, presumo que a ousadia terá contornos de uma autêntica desgraça política para o Aurélio Martins e para o próprio MLSTP/PSD.

Em primeiro lugar, porque a cópia é sempre pior do que o original, o Aurélio Martins, com condições políticas diferentes, no MLSTP/PSD, fará sempre pior que o Patrice Trovoada no ADI. E não acredito que ele tenha condições, políticas ou pessoais, para moldar o partido em causa à sua imagem e ambições pessoais no silêncio dos seus mais ativos militantes.

Em segundo lugar, o MLSTP/PSD não é o ADI, nem de longe nem de perto. Se no ADI, Patrice Trovoada pode dar-se ao luxo de fazer o que faz, expondo o partido ao ridículo de quase ser confundido com a sua propriedade privada, sem qualquer clima, por pequeno que seja, de confrontação política, Aurélio Martins encontrará sempre resistência no MLSTP/PSD quando tentar dirigir o partido rumo a este paternalismo autofágico.

Também devo reconhecer que a personalização em excesso decorre, quase sempre, do colapso da estrutura organizativa de um partido quando lhe falta um conteúdo coletivo. E o MLSTP/PSD já manifesta este sintoma de colapso organizativo há algum tempo. Basta ver o espetáculo degradante, sem qualquer brilho programático, reflexão interna e debate de ideias que se transformou este seu último congresso.

Quem deve estar a rir desalmadamente é o Patrice Trovoada porque, nesta situação, ele terá todas as condições para permanecer como primeiro-ministro e, posteriormente, presidente da república, durante muito tempo, mesmo sem ter criado ainda as condições mínimas para a construção do seu Dubai. Disto não tenho dúvidas nenhumas, a não ser que qualquer coisa, vinda de dentro e de fora do MLSTP/PSD o possa transformar num verdadeiro partido alternativo ao atual ADI.

Nunca o país precisou, como agora, de reformas estruturais e escolha de um caminho responsável para o seu desenvolvimento e com agentes políticos bem preparados e capazes de responder as exigências deste propósito. Todavia, este é o momento que, contra todas as expetativas, nos oferecem banalidades e mediocridade. Ou seja, o sistema partidário, como eu sempre diagnosticara várias vezes, não está a cumprir convenientemente as suas obrigações e funções.

É difícil estarmos a adiar, sucessivamente, a criação de condições para a viabilidade material e social do país em detrimento da defesa de interesses pessoais de meia dúzia de pessoas. Basta ler o conteúdo do relatório deste ano da conferência nas Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento, sobre os países menos avançados, onde estamos incluídos, aparentemente como membros vitalícios, para se constatar os níveis de pobreza absoluta existente no país. Se isto continuar durante muito mais tempo, acredito que será o próprio regime democrático que estará em causa empurrando-nos para a busca de caminhos ou soluções não democráticas ou com custos irreparáveis para a coesão social e própria soberania nacional.

A escolha do país, já há algum tempo, por determinados agentes de crime internacional, como exemplo ideal para a sua transformação num hipotético centro de desenvolvimento de uma rede de tráfico de drogas e de outras manifestações de criminalidade começa a dar os seus frutos ao mesmo tempo que a vulnerabilidade do Estado aumenta todos os dias ao ritmo da degradação do sistema político-partidário. Nunca se apanhou tanta droga no aeroporto internacional de S.Tomé e Príncipe como nos últimos tempos nem nunca o país, no passado, se tinha confrontado com casos de criminalidade envolvendo armamento militar tão sofisticado.

Não é preciso nenhum outro ato político desencorajador para atração de investimentos estrangeiros no país como a multiplicação destas notícias nos últimos tempos e a resposta encontrada pelo Estado para diminuir a sua manifestação.

Perante um país a arder todos os dias, temos um governo que realiza festas em Londres; uma oposição que se reúne em congresso partidário para entoar “Vivas” ao MLSTP e ao MPLA e um povo que, nos intervalos destas festas, lambuza-se na pobreza extrema até a realização da próxima festa. De festa em festa estaremos reduzidos, no médio ou longo prazos, em fumo, cinzas e destruição.

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