Rui Peralta, Luanda
Hoje, nos tempos que percorremos, existe um sentimento generalizado de
irrealidade, quer acerca da Politica, quer sobre matéria económica. Muito do
que assumimos, de forma axiomática, já não cabe na nossa realidade. O mundo que
nos rodeia dá-nos a impressão que se dissolveu e que a realidade é disforme,
desconexa, surreal.
Algumas velhas palavras-de-ordem teimam em persistir mas já não são um guia
para a acção ou uma força-motriz. Esses “slogans” são tudo o que fica quando
tudo o resto já foi. No mundo que nos rodeia, a inovação, o surto empreendedor,
as revoluções da bioengenharia e da informação, as novas tecnologias e a
internacionalização da economia, representaram o fim de uma longa tendência
global em direcção a uma cultura da segurança social e do bem-estar que são
ainda nossos valores (e que são valores globais, válidos em todo o mundo). É
bom não esquecer (e saber) que a segurança social é uma invenção do surto
empreendedor do século XIX e foi criada porque existia um risco muito elevado
de insucesso social, originador de desemprego, pobreza e fome. E
descontentamento, claro. Mas foi em pleno surto empreendedor que os primeiros
esboços de uma política de bem-estar social foram aplicados.
Segurança do emprego, emprego para uma vida, emprego, são categorias analíticas
que já não se encontram configuradas na actual vida económico-social. As
oportunidades de carreira requerem cada vez mais e maiores competências, pois o
centro de gravidade deslocou-se e hoje o conhecimento é um instrumento de
trabalho, de qualquer trabalho. Então as oportunidades de carreira requerem
diplomas universitários? Algumas, nem todas. A maioria não, o que existe é
muito desemprego em gente com “canudo”, o que prova que, afinal, os diplomas
universitários não são um caminho certo e infalível que garante oportunidades
de carreira ou, quanto muito, um simples emprego. Mas uma coisa é certa: as
oportunidades de carreira exigem competências, saber-fazer, saber-aprender,
saber-falar, saber-escrever, saber-pensar. No mínimo.
Assim sendo a educação tornou-se um mecanismo de mobilidade social e assume um
lugar central nas novas dinâmicas do desenvolvimento. O problema é que nenhuma
instituição educativa (pública ou privada) tenta equipar os alunos com as
capacidades necessárias que lhes permitam assumir os riscos e as turbulências
dos actuais mercados de trabalho e olhar com firmeza para os novos desafios que
afligem a vida económico-social de todos os angolanos. Das nossas universidades
continuam a sair cidadãos que não estão capacitados para apresentar ideias,
oralmente e/ou por escrito, nem tampouco estão capacitados para trabalhar com
outros cidadãos, ou capacidade para moldar a sua carreira e orientar o seu
trabalho pessoal.
Numa economia-mundo onde o design de um produto é concebido num país, os
componentes desse produto são fabricados noutros países e a montagem final
encontra-se num terceiro país (muitas das vezes estes países encontram-se em
diferentes continentes) as contas (e as politicas macroeconómicas) têm de ser
diferentes. 90% das transacções financeiras da economia-mundo actual não têm
qualquer função económica em termos de produção. A economia monetária
internacional actual já não é uma máscara, um véu da realidade. É a própria
realidade á qual os bens e serviços estão subordinados.
Neste contexto, a reciprocidade (e não o proteccionismo ou o seu oposto, o
livre-cambismo) é a única relação comercial que evitará a estagnação e o papel
periférico e que permitirá que cada país desfruta do mesmo acesso ao mercado de
outro país. E a reciprocidade implica mecanismos de integração, permitindo às
economias mais pequenas obterem a entrada em mercados maiores, gerando produção
e vendas suficiente para se sustentarem a si próprias. Efectivamente existem
quatro “economias” dentro da economia, quatro variáveis interdependentes: a
economia da nação, a economia da região, a economia mundial de fluxos
monetários, crédito e investimento e a economia da empresa transnacional que
encara o mundo como um mercado único. Neste contexto dinâmico dos fluxos
monetários os Estados reagem, mais do que iniciam ou controlam, a
acontecimentos que ocorrem nos mercados de capitais globais. Os factores tradicionais
de produção – a terra e a mão-de-obra – já não asseguram vantagens competitivas
às nações (embora sejam imprescindíveis ás suas dinâmicas económicas internas,
á sua soberania económica e ao desenvolvimento dos seus níveis de consumo e das
estruturas do mercado interno).
A gestão tornou-se o grande factor de produção, tornou-se decisiva. Maximizar a
quota de mercado (e não maximizar o lucro) tornou-se indispensável para
qualquer economia soberana. O longo-prazo bem planeado, o médio-prazo bem
estruturado e o curto-prazo optimizado são factores de garantia da soberania
económica nacional. A capacidade do indivíduo e dos grupos têm de ser
autonomizadas. Ao governo compete estabelecer os procedimentos que regem essa
autonomia.
As novas realidades viraram as velhas teorias e práticas "de pernas para o
ar". Qualquer nova síntese económica do futuro tem de integrar a
macroeconomia monetária e autonomizar a forma como as empresas produzem e os
indivíduos consomem, além de analisar minuciosamente as dinâmicas do
empreendimento, da inovação e da criatividade. A nova realidade significa que
já não é possível controlar as “condições atmosféricas” económicas, ou seja, a
recessão, os ciclos de expansão, das taxas de poupança e do consumo, mas apenas
controlar “o clima” ou seja, optimizar, desburocratizar, evitar degenerações e
populismos. Há que educar a população activa para funcionar nos novos moldes da
economia-mundo.
No fundo, camaradas, temos de aplicar a medicina preventiva, em vez de promover
tentativas cegas com tratamentos a curto-prazo. Esse é o desafio primordial
para Angola e o seu trilho numa Nova Era de prosperidade e bem-estar social.
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