Martinho Júnior, Luanda
1
– Perante uma série de entidades convidadas, entre elas o MPLA, a Organização
da Mulher Angolana, a Organização dos Pioneiros Angolanos, a Associação de
Amizade Angola – Cuba, a Associação Tchiweka de Documentação, a Liga Angolana
de Amizade e Solidariedade com os Povos(LASP) e a Associação
da Comunidade dos Cubanos Residentes em Angola, a Embaixada de Cuba em Luanda
pela primeira vez deu a conhecer o programa das principais actividades de
homenagem e recordação de datas históricas previsto para o corrente ano de
2016.
Em
anos anteriores e praticamente desde a sua instalação há pouco mais de 40 anos
que a Embaixada de Cuba vinha assinalando marcos históricos comuns a Cuba e
Angola, traços da epopeia de libertação de África do colonialismo e do “apartheid”,
mas é a primeira vez que é feito um programa conforme os termos do presente,
algo que de facto se fazia sentir como necessário, tendo em conta que as
actividades são preenchidas em diversos locais históricos no imenso espaço
angolano e haver sempre muitos angolanos desejosos de participar.
O
programa para 2016 será aberto na Província do Kwanza Sul e encerrado na mesma
Província:
-
Homenagem aos heróis da Batalha do Sumbe, em Março;
-
Homenagem aos heróis da Batalha do Cuito Cuanavale, em Março;
-
Celebração do 26 de Julho, Dia da Rebeldia Nacional de Cuba (assalto ao quartel
Moncada);
-
Homenagem aos heróis da Batalha de Cangamba, em Agosto;
-
Aniversário do Comandante em Chefe, com exposição fotográfica “Fidel é
Fidel”, por ocasião do 90º aniversário do Comandante em Chefe, em Agosto;
-
Celebração do 41º aniversário do estabelecimento das relações diplomáticas
entre Angola e Cuba (com caminhada pela Marginal de Luanda), em Novembro;
-
Acto no Hengo, Ebo, por ocasião do 41º aniversário da morte do Comandante Raúl
Diaz Arguelles, em Dezembro.
2
– O programa salienta alguns marcos comuns, mas é evidente que não haverá mês
algum sem que haja muito e muito mais para se lembrar, se tivermos em
consideração que particularmente desde a epopeia da Operação Carlota que no meu
entender se prolonga até aos nossos dias por via dos esforços na luta contra o
subdesenvolvimento em Angola, (principalmente no que à educação, à saúde e à
construção diz respeito), há imensas realizações e pequenas-grandes vitórias
que são referências para os dois povos irmãos.
O
exemplo do internacionalismo e da solidariedade cubana, foi por outro lado e
além do mais alentador para que da parte não só dos países socialistas, mas
também de outros países da Europa (incluindo Portugal) e de África, nas décadas
de setenta e oitenta, muitos outros viessem dar o seu contributo inestimável a
Angola, nos momentos mais decisivos do parto e da afirmação da independência.
3
– Inclui o programa deste ano para Março uma Homenagem aos heróis da Batalha do
Sumbe que ocorreu a 24/25 de Março de 1984.
Os
batalhões 517, 513, 360 e duas colunas regionais das FALA fortemente armados
atacaram então a capital Provincial, vindo a encontrar resistência em torno do
Palácio do Governo Provincial (tomado o resto da cidade) por parte de militares
e civis angolanos e cubanos (este pertencentes às brigadas civis que compunham
contingentes vocacionados para a educação e a construção, além duns poucos
assessores cubanos do MINSE).
Por
parte daqueles que defendiam o Sumbe em fidelidade à República Popular de
Angola, morreram 97 combatentes, entre eles 7 internacionalistas civis cubanos.
Junto
à Catedral do Sumbe está erguido um singelo monumento em homenagem aos
defensores, onde se realizam todos os anos as cerimónias de homenagem que
juntam angolanos e cubanos.
Os
batalhões 517, 513, 360 e duas colunas regionais derivaram após terem sido
rechaçados, em direcção aos Dembos, onde viriam a sofrer copiosa derrota por
parte das unidades das FAPLA e da LCB do MINSE, cujo comando havia sido
instalado na barragem das Mabubas, próximo de Caxito.
Acantonados
na antiga fazenda Raínha Santa, pertencente à família de Amílcar Augusto de
Oliveira Dias (detido, julgado e condenado no processo 105/83 por tráfico
ilícito de diamantes), entre os rios Quiúlo, Gangueje e Menoege afluentes da
margem direita do Zenza, as forças invasoras seriam derrotadas, destacando-se o
camarada Tuaxicana que na Iª luta de libertação fora comandante do Destacamento
Deolinda da Zona C da Iª Região Militar do MPLA e um dos membros das colunas
que o MPLA providenciara em socorro dassa Região.
O
camarada Tuaxicana morreu durante os combates, numa altura em que estava
integrado nas forças da Luta Contra Bandidos do MINSE, sob comando do camarada
capitão Kito…
O
plano desses batalhões das FALA correspondia a operações secretas dos
organismos de inteligência ao serviço do “apartheid” (BOSS/NIS), que
infiltraram previamente em Angola o Amílcar Augusto de Oliveira Dias com o fito
de reactivar nos locais da fazenda Raínha Santa o sistema de apoio e de
logística das forças invasoras que na rota para os Dembos haviam atacado
previamente o Sumbe.
Detectado
em Luanda ele acabaria por ser detido no âmbito do processo 105/83…
Muitos
dos combatentes das FAPLA e do LCB que participaram nos combates encontram-se
ainda vivos, inclusive o camarada capitão Kito e todos eles fazem parte do que
tenho referido como“MPLA das catacumbas”…
O
camarada capitão Kito, tal como o camarada capitão António Carlos morto em
combate no Huambo a 9 de Julho de 1984, tornaram-se militantes do MPLA em
Assembleias presididas pelo camarada Lúcio Lara, durante o Movimento de
Rectificação no âmbito da organização do MPLA – Partido do Trabalho…
4
– Para que se tenha a noção da polarização do campo português em relação a
Angola o rapto dos cooperantes portugueses no Sumbe, a 24 de Março de 1984 é
esclarecedor.
A
professora portuguesa Dora Martins da Fonte e seu esposo António Luis Correia,
que davam aulas no Instituto Nacional de Petróleo no âmbito da Cooperação
Portuguesa, foram raptados a 24 de Março de 1984, durante a noite do ataque ao
Sumbe e levados sob escolta armada para a Jamba.
A
camarada Dora Fonte escreveu a propósito o livro “O Rapto”, uma autêntica
radiografia da tenebrosa organização às ordens de Savimbi, um dos “freedom
fighters” da era de Ronald Reagan, tal qual os “contras” na
Nicarágua e dos “mujahidin” como Bin Laden no Afeganistão…
Sobre
seu livro escrevi no Facebook: "Li o livro e acho que ele acaba por
ser um testemunho do carácter do Savimbi e de sua organização, uma contribuição
para uma verdadeira radiografia duma sangrenta sequela que revertia da
monstruosidade do colonialismo e do apartheid e um dia se dispôs a dominar em
Angola, ainda que se tivesse de somalizar Angola!... A Dora Fonte faz cair por
terra a imagem de freedom fighter criada por Ronald Reagan, assim como todo o
tipo de propaganda que envolvia e de que se servia o monstro, tal como seus
apoiantes e promotores, d'aquém e d'além mar!”…
5
– Creio que aqueles que foram raptados no Sumbe a 24 de Março de 1984, foram
deliberadamente votados ao ostracismo por parte das autoridades portuguesas,
que não se importaram com o prolongamento avulso do seu sofrimento e cativeiro,
acabando por colaborar na lavagem de imagem de Savimbi em relação aos
acontecimentos:
-
Primeiro a Embaixada portuguesa em Luanda não os terá avisado como lhe competia
dos riscos que corria o Sumbe em ser atacado, muito embora os serviços de
inteligência portugueses da época tivessem bons relacionamentos com os
similares ao serviço do “apartheid” (pode-se constatar a título de
exemplo a “Operação Kubango” que teve seu curso de contrapropaganda
no Expresso, em Agosto de 1982: o Adido Militar Sul Africano em Lisboa,
Comodoro Jacobus Everhardus Luouw viria a ser condecorado mais tarde pelo
Presidente Cavaco Silva)…
-
Segundo o tempo de espera na Jamba até serem finalmente libertados e a cortina
de fumo em termos de contra propaganda no sentido de desresponsabilizar Savimbi
pelo rapto, tiveram fortes cumplicidades portuguesas, tanto a nível
governamental, quanto a nível do Partido Socialista Português (com o clã Soares
à cabeça)…
-
Terceiro, o marido da actual Eurodeputada do Partido Socialista Português, Ana
Maria Rosa Martins Gomes (Ana Gomes), António Manuel Canastreiro Franco (que
viria a ser Cônsul-Geral de Portugal em Luanda entre 29 de Março de 1986 e 20
de Julho de 1990) era Secretário do Conselho de Estado, por despacho do
Presidente da República, em 10 de Maio de 1983 e até 29 de Março de 1986,
enquanto ela mesmo era (entre 1 de Julho de 1982 e 28 de Fevereiro de 1986)
Consultora Diplomática do Presidente Ramalho Eanes!... “felizes
coincidências” que garantiriam um futuro acasalamento entre ambos!...
Nos
anos de 1983 a 1991, os países ocidentais apoiavam Pretória e Portugal não era
excepção, cuidando por o fazer de forma tão encoberta quanto o possível.
Algumas
Embaixadas dos países da NATO possuíam “estafetas diplomáticas” que
de Luanda se dirigiam a Maputo e aí, com ou sem Acordo de NKomati (que foi
assinado em Março de 1984), trocavam de passaporte diplomático para seguir de
Maputo para Pretória, a fim de fazerem os discretos enlaces de conveniência…
Muitas
malas diplomáticas de representações de países da NATO em Luanda (e a de
Portugal em Benguela), passavam por Pretória!...
6
– Logo a seguir ao ataque de 24 e 25 de Março de 1984 ao Sumbe, cumpri com a
missão de no âmbito do rescaldo contribuir para elaborar os novos planos de
defesa da capital do Kwanza Sul, junto do camarada capitão Carlos Silva (que
passaria a ser Delegado Provincial do MINSE), tirando partido das quotas de
nível mais elevadas no local, onde se instalariam forças-tarefa com armamento e
dispositivos apropriados.
Enquanto
os angolanos e os cubanos se empenhavam na luta pela causa angolana contra o“apartheid” e
suas sequelas ao nível de Savimbi, uma parte importante das autoridades
portuguesas e de outros países da NATO com Embaixadas abertas em Luanda por via
dos seus serviços de inteligência operavam na sombra a favor de Savimbi e dos
Botha!
Não
foi de estranhar que o choque neo liberal instrumentalizando Savimbi por via da “guerra
dos diamantes de sangue” (integrando os dispositivos da “Iª Guerra
Mundial Afrivcana”) fosse preparado desde 1986...
A
24 de Março de 1986 o MINSE seria severamente “reestruturado” (preparando-se
o fim do Partido do Trabalho e o fim das gloriosas FAPLA) e os oficiais que
fizeram o enfrentamento ao tráfico ilícito de diamantes, onde apareceram tantos
sinais de actividade de serviços de inteligência da NATO, do “apartheid” e
dos sionistas de Israel em Angola, foram detidos, acusados, julgados e
condenados a prisão maior (processo 76/86), sob a alucinante acusação de “golpe
de estado sem efusão de sangue”, um “golpe” cujo chefe jamais viria a
ser conhecido, até hoje!...
Por
ainda “feliz coincidência” António Manuel Canastreiro Franco viria a
ser Cônsul-Geral de Portugal em Luanda entre 29 de Março de 1986 e 20 de Julho
de 1990 e de seguida adjunto do Chefe da Missão Temporária de Portugal junto
das Estruturas do Processo de Paz em
Angola
e do representante junto da Comissão Conjunta Político-Militar, em 21 de Agosto
de 1991…
Instalado
o choque neo liberal entre 1992 e 2002, a terapia de choque por via neo liberal
em Angola seguiu-se e ainda está em curso com “novos contornos” que
em relação à antítese da manipulação passam também pela Eurodeputada do Partido
Socialista Português que dá pelo nome de Ana Maria Rosa Martins Gomes (Ana
Gomes)… explorando o êxito num “mano a mano” com estirpes como a de
Rafael Marques de Morais, um mercenário ao serviço do National Endowment for
Democacy!...
O “arquivo
Mitrokhin” tem a partir de Luanda um reverso e por isso a saga comum
Angola – Cuba, dois povos, duas nações e dois estados tão empenhados na paz e
tão irmanados nos seus destinos libertários face aos impactos neo liberais,
merece especial relevância na celebração deste 25 de Março de 2016 no Sumbe!
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