Mário
Motta, Lisboa
Mário Soares morreu. Foi a notícia de ontem que infelizmente já se esperava. Morreu após o Dia de Reis. Pudera, era republicano e não monárquico. Gentes de ares sorumbáticos, afivelando máscaras de tristeza, como em teatro, continuam a recordar Soares e a amizade que com ele repartiam. Algumas correspondentes à verdade e outras floreadas e nem tanto assim como dito. Prevalece a ficção de momentos e peripécias. A vil hipocrisia tem desde ontem motivo e espaço para desfilar e matraquear sobre o ex-Presidente da República e também ex-primeiro-ministro.
Não é este o momento para aqui no PG dissecarmos o cadáver de Mário Soares. Muito menos o "Mário fixe" em vida. Podemos e devemos dizer que lamentamos a sua morte mas também que compreendemos que já era tempo dele atingir a última etapa da sua vida. Morreu aos 92 anos, nada mau. A maioria dos portugueses não beneficia dessa benesse.
Podem pois argumentar que não foi um português qualquer. Pois não, até porque parte substancial dos portugueses foram uns cobardolas que se encolheram perante o ditador Salazar (depois Marcelo Caetano) e perante a PIDE. Mário Soares não, enfrentou-os a seu modo e pagou por isso com prisão política e degredo em São Tomé e Príncipe, seguindo-se o exílio, em França. Era um descarado anti-fascista. Um desbocado democrata. Escolheu ser social-democrata, a que deu o nome de socialista. De uns a outros pergunta o roto ao nu "porque não te vestes tu?"
A importância de Mário Soares foram as suas convições. Bom para Portugal e para os portugueses, mas podia ter sido muito melhor se ele não fosse um privilegiado de berço de ouro, um burguês. Burguesia que até se refletia deslumbrantemente nos fardamentos dos serviçais. À vista dos que frequentassem ou experimentassem bater à porta de sua casa, no Campo Grande, em Lisboa. Isso pode não ser mácula para uns e será para outros. Que dizer? Ele era assim. A sociedade igualitária de que ele falava quando chegou do exílio, após o 25 de Abril de 1974, era só para enganar. Conversa fiada. Para Soares, naquela cabeça, nos seus ideais e propósitos nunca existiu atingirmos tal igualdade. Existiu sim a existência de uns quantos ricos, outros assim-assim e os pobres. Os exploradores e os explorados foi sempre a sociedade que perseguiu e a que chamava democracia e socialismo. Pois.
Verdade que em alguns períodos mais ameaçados pela direita Soares aparecia mais à esquerda do centro a que sempre pertenceu. Devemos-lhe isso. Foi visível, por exemplo, com Cavaco e com Passos Coelho e Portas. Só que daí nunca passou.
Que descanse em paz. Merece. E um grande muito obrigado. Apesar de tudo foi bom para Portugal existir um homem assim. Pena que tenha só ficado por meio-caminho.
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