Manuel Carvalho da Silva | Jornal
de Notícias | opinião
Num passado recente, na
construção da versão "ocidental" sobre o caso do espião Skripal e das
medidas que a propósito dele foram desencadeadas, bem como na justificação e
execução dos bombardeamentos sobre a Síria, Trump surgiu, em particular pela
mão de Theresa May e de Emmanuel Macron, como o credível parceiro e chefe do
"Ocidente". Entretanto, esta semana, as principais potências
europeias da NATO (a Grã-Bretanha e a França) e por extensão a própria União
Europeia (UE), abandonaram a condição de parceiros de Trump face à vergonhosa
posição norte-americana sobre os acordos nucleares com o Irão. No imediato,
colocaram-se ao lado do Irão fazendo críticas suaves ao inqualificável Trump.
Estes desacordos transatlânticos são raros, mas já aconteceram no passado. Mas
o que o passado nos ensina é que a posição norte-americana, em regra, acaba por
prevalecer. Desta vez será diferente? Provavelmente não.
A posição dos Estados Unidos da
América (EUA) transmitida por Trump, os episódios que a antecederam e as
alianças em que se suporta mostram que: i) Trump não é de forma alguma um acaso
esquisito na vida política dos EUA e a sua eleição deve-se muito mais à
concretização de uma estratégia urdida pelos belicistas e pelos muito ricos
daquele país do que a qualquer influência da geoestratégia de Putin; ii) nestes
perigosos jogos de guerra, o sofrimento das pessoas é brutalmente ignorado e a
destruição dos países até é vista como oportunidade de negócios futuros; iii)
os EUA fazem, sem rebuço, alianças com grupos terroristas, com bandidos ou
regimes políticos que em relação a direitos humanos estão ainda na idade
medieval, como é o caso da Arábia Saudita; iv) Israel está numa das fases mais
agressivas de desenvolvimento de terrorismo de Estado em que ciclicamente se
coloca; v) Macron não trouxe nada de novo e positivo à política europeia e
mundial; vi) a unidade da UE é cada vez mais uma miragem e o rumo que este
importante projeto coletivo prossegue, em vez de ajudar a travar decadências e
retrocessos que vêm do outro lado do Atlântico, atrela-se a eles; vii) as
verdades a que temos direito nos grandes meios de informação no nosso país,
como na UE, são cada vez mais parciais.
Perante estes factos e num
contexto mundial muito delicado, o que se pode perspetivar quanto aos envolvimentos
em que os países e cidadãos europeus se vão ver enredados? Se a
"Europa" mantiver a sua posição contra a decisão de Trump, as sanções
norte-americanas contra o Irão tornar-se-ão sanções contra todas as empresas
europeias com interesses nesse país. Uma análise custo-benefício, que ponha na
balança o que as empresas ganham no Irão contra o que perderiam nos EUA, pode
levá-las a encorajar os seus governos a arrepiarem caminho e a balancear para o
lado de Trump. O caminho para este reacerto de posição perceciona-se nas
entrelinhas do discurso de dirigentes europeus e alguns já encetaram a tarefa
de procurar convencer o Irão a rever (ou "alargar") o acordo nuclear,
em termos que o Irão não quer ou não pode aceitar. A recusa da revisão por parte
do Irão - país que também tem os seus setores radicais e defensores do
belicismo - poderá então servir de pretexto para as potências
"europeias" acompanharem Trump no abandono do acordo.
Será que os povos e países
europeus estão inevitavelmente condenados à escolha entre os EUA e o Irão,
entre os EUA e a Rússia ou outra qualquer potência? Não. Há que dizer bem alto
que a escolha que se nos coloca é entre caminhos de guerra e sofrimento, ou caminhos
de paz com relações de respeito recíproco entre países e povos.
Nós, portugueses, também não
estamos livres de nos vermos arrastados como país membro da NATO e da União
Europeia para uma aventura militar provocada por Trump e por Netanyahu. Não
seria a primeira vez que seríamos pressionados a tomar partido e a vermo-nos envolvidos
numa guerra que não é nossa. Porque devemos fazer tudo para que isso não
aconteça, impõe-se a consciencialização e a mobilização dos portugueses e dos
cidadãos de todos os países. Em circunstâncias como estas que estamos a viver,
o partido certo é o da paz.
*Investigador e professor
universitário
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