segunda-feira, 14 de maio de 2018

Tomar partido pela paz


Manuel Carvalho da Silva | Jornal de Notícias | opinião

Num passado recente, na construção da versão "ocidental" sobre o caso do espião Skripal e das medidas que a propósito dele foram desencadeadas, bem como na justificação e execução dos bombardeamentos sobre a Síria, Trump surgiu, em particular pela mão de Theresa May e de Emmanuel Macron, como o credível parceiro e chefe do "Ocidente". Entretanto, esta semana, as principais potências europeias da NATO (a Grã-Bretanha e a França) e por extensão a própria União Europeia (UE), abandonaram a condição de parceiros de Trump face à vergonhosa posição norte-americana sobre os acordos nucleares com o Irão. No imediato, colocaram-se ao lado do Irão fazendo críticas suaves ao inqualificável Trump. Estes desacordos transatlânticos são raros, mas já aconteceram no passado. Mas o que o passado nos ensina é que a posição norte-americana, em regra, acaba por prevalecer. Desta vez será diferente? Provavelmente não.

A posição dos Estados Unidos da América (EUA) transmitida por Trump, os episódios que a antecederam e as alianças em que se suporta mostram que: i) Trump não é de forma alguma um acaso esquisito na vida política dos EUA e a sua eleição deve-se muito mais à concretização de uma estratégia urdida pelos belicistas e pelos muito ricos daquele país do que a qualquer influência da geoestratégia de Putin; ii) nestes perigosos jogos de guerra, o sofrimento das pessoas é brutalmente ignorado e a destruição dos países até é vista como oportunidade de negócios futuros; iii) os EUA fazem, sem rebuço, alianças com grupos terroristas, com bandidos ou regimes políticos que em relação a direitos humanos estão ainda na idade medieval, como é o caso da Arábia Saudita; iv) Israel está numa das fases mais agressivas de desenvolvimento de terrorismo de Estado em que ciclicamente se coloca; v) Macron não trouxe nada de novo e positivo à política europeia e mundial; vi) a unidade da UE é cada vez mais uma miragem e o rumo que este importante projeto coletivo prossegue, em vez de ajudar a travar decadências e retrocessos que vêm do outro lado do Atlântico, atrela-se a eles; vii) as verdades a que temos direito nos grandes meios de informação no nosso país, como na UE, são cada vez mais parciais.

Perante estes factos e num contexto mundial muito delicado, o que se pode perspetivar quanto aos envolvimentos em que os países e cidadãos europeus se vão ver enredados? Se a "Europa" mantiver a sua posição contra a decisão de Trump, as sanções norte-americanas contra o Irão tornar-se-ão sanções contra todas as empresas europeias com interesses nesse país. Uma análise custo-benefício, que ponha na balança o que as empresas ganham no Irão contra o que perderiam nos EUA, pode levá-las a encorajar os seus governos a arrepiarem caminho e a balancear para o lado de Trump. O caminho para este reacerto de posição perceciona-se nas entrelinhas do discurso de dirigentes europeus e alguns já encetaram a tarefa de procurar convencer o Irão a rever (ou "alargar") o acordo nuclear, em termos que o Irão não quer ou não pode aceitar. A recusa da revisão por parte do Irão - país que também tem os seus setores radicais e defensores do belicismo - poderá então servir de pretexto para as potências "europeias" acompanharem Trump no abandono do acordo.

Será que os povos e países europeus estão inevitavelmente condenados à escolha entre os EUA e o Irão, entre os EUA e a Rússia ou outra qualquer potência? Não. Há que dizer bem alto que a escolha que se nos coloca é entre caminhos de guerra e sofrimento, ou caminhos de paz com relações de respeito recíproco entre países e povos.

Nós, portugueses, também não estamos livres de nos vermos arrastados como país membro da NATO e da União Europeia para uma aventura militar provocada por Trump e por Netanyahu. Não seria a primeira vez que seríamos pressionados a tomar partido e a vermo-nos envolvidos numa guerra que não é nossa. Porque devemos fazer tudo para que isso não aconteça, impõe-se a consciencialização e a mobilização dos portugueses e dos cidadãos de todos os países. Em circunstâncias como estas que estamos a viver, o partido certo é o da paz.

*Investigador e professor universitário

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