Vivendo há mais de 30 anos na
Itália, Mickey dos Santos Rebelo perdeu a cidadania moçambicana ao ser expulsa
do país, após a independência. Ficou quase 20 anos sem voltar a Maputo e
continua sem passaporte moçambicano.
Mickey Rebelo dos Santos -
sobrinha de dois fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO),
Marcelino dos Santos e Jorge Rebelo - foi expulsa do país após um periodo
passado num campo de reeducação.
A jovem burguesa não jurou
fidelidade à FRELIMO.
"Eu fui expulsa de
Moçambique depois de ter estado no campo de Matutuíne, que era um campo de
reeducação militarizado para jovens. Eu era a favor da FRELIMO, mas tinha 18
anos, usava jeans, era uma pessoa livre, burguesa, não tinha feito nada de mal,
se não o fato de apresentar-me, não como uma comunista – neste momento
lembramos que Moçambique chamava-se República Popular de Moçambique –, ou seja,
eu com o Mao Tsé-Tung [líder comunista e revolucionário chinês] não
tinha nada a ver," recorda.
"Eu não queria vestir
chinês. Eu queria jeans, Beatles e Rolling Stones, eu era isso. Então, não foi
justo. Mas eu percebo porque isso aconteceu," avalia.
Naquele período não havia
perdão para quem contrariasse os ideais do novo Governo independente. Nem mesmo
para uma sobrinha dos fundadores do partido no poder em
Moçambique desde 1975.
"Não importa que tu és
sobrinha de, neste caso, dois [políticos] muito importantes, que eram o
Marcelino dos Santos e o Jorge Rebelo. Tu também vais para a
reeducação," avalia.
"Apanhei um choque, porque
vinha de uma classe burguesa. Não tenho vergonha de
dizer," considera.
"Tinha uma boa cultura e a
prova é que ainda estou aqui e nunca traí o meu país. Nunca fiz política contra
Moçambique, continuava a amar o meu país como amo hoje," diz.
Duas décadas sem ir
"a casa"
Sem passaporte, Mickey ficou
quase 20 anos impossibilitada de regressar ao seu país.
"Eu perdi a nacionalidade.
Eu tenho que readquirir a nacionalidade, que é um processo diferente de quem
perdeu só porque foi embora. Eu fui expulsa e, naquele momento, perdi a
cidadania," explica.
"Depois, soube que tinha
sido a minha avó que tinha dado o ultimato ao Marcelino dos Santos e disse:
'Olha, tu encontras a minha neta ou eu vou te bater'. E o Marcelino, que amava
profundamente a sua mãe, pôs-se à minha procura e conseguiu encontrar-me. Depois
que eu estive com o Marcelino, ele disse-me: 'Podes entrar em
Moçambique," recorda.
"Então eu fiz a minha
primeira visita a Moçambique. Uma emoção enorme porque é a tua terra. Quando
chegas, sentes o cheiro da terra, da chuva, as pessoas, o amor, a comida," diz.
Relação com a oposição e
expectativas para o futuro
Mickey conserva uma estima pelo
líder histórico da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), Afonso Dhlakama,
e lamenta a morte do líder da oposição.
"Entre os meus
planos havia esse de ir cumprimentá-lo e agradecer-lhe, porque de todas as
maneiras não pode haver uma democracia sem uma oposição," revela.
"Acho que o Dhlakama fez
muito por Moçambique e era importante a sua imagem," considera.
"Com a FRELIMO, fiquei
bastante desiludida pelo o que aconteceu com o passado Governo. Há muitas
coisas que não foram esclarecidas. Chissano, acho que fez um bom trabalho. Mas
depois dele, acho que houve um desastre. Não foi bom. Moçambique foi-se muito
abaixo," avalia.
Mickey espera poder entrar em seu
país, não mais como uma estrangeira.
"O problema do passaporte é
um problema de coração, não é um problema de necessidade de ter um passaporte.
É triste que tenho que estar duas horas à espera porque sou estrangeira, não? Eu
não sou estrangeira, eu sou moçambicana," conclui.
Rafael Belincanta (Roma) |
Deutsche Welle
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