sexta-feira, 23 de junho de 2023

Angola | BANDOLEIROS EXIGEM O CONTRADITÓRIO – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Saúde não é o hospital e medicamentos, isso é o fim da cadeia. Saúde é com a governação local. Se os municípios tratarem da água potável, do saneamento básico, das condições de habitabilidade, da condição alimentar, da educação das pessoas, teoricamente os profissionais de saúde podem passar para o desemprego. 

Calma, não comecem a xingar-me. Isto foi dito por Bornito de Sousa, antigo Vice-Presidente da República. Um dos jovens que no seio do MPLA lutou pela mudança de regime. Não é um radical muito menos sonha com o fim do Estado, da família e dos deuses. Eu digo o mesmo mas de outra maneira. Esqueçam isso de inaugurarem hospitais em cada bairro. A aposta tem de ser nos cuidados primários. Se o Presidente da República inaugurar todos os dias um centro de saúde em cada quarteirão de cada bairro, basta um grande hospital no Norte, na Grande Luanda, no Centro e no Sul. 

A aposta nos cuidados primários reforçados com saúde oral e saúde materno-infantil fez de Cuba o país com melhor assistência do mundo. Angola pode seguir o mesmo caminho porque além de cana-doce também tem petróleo e outras matérias-primas valiosas que os nossos irmãos cubanos não têm.

Angola precisa de infinitamente mais escolas e muito menos mão-de-obra na política. Precisamos de uma boa rede de estradas e da sua manutenção. Como já provámos que nem capinamos as valetas, a solução é contratar empresas privadas para fazerem esse trabalho. E se for caso disso, o pagament6o é feito com a introdução de portagens.

Angola precisa de mais professores qualificados e remunerados com salários decentes. Nenhum país do mundo tem ensino de qualidade se em vez de salários derem esmolas aos professores de todos os graus de ensino. Há dinheiro para alcavalas, mordomias e gastos sumptuários. Mas não há disponibilidade orçamental para pagar decentemente aos professores. Mais uma greve à vista, ao nível do ensino superior público.

Angola tem de cuidar das camadas mais desfavorecidas da população. O Mundo Rural está ameaçado pela desertificação humana. Muitos municípios já mergulharam na morte social. Este problema só se resolve com políticas centradas no combate à pobreza, num plano geral de extensão rural como já aconteceu nos municípios do Bailundo e Andulo, antes da Independência Nacional. O assistencialismo, as esmolas do Kwenda, nada resolvem. Mas é esse o caminho que estamos a seguir no que diz respeito às políticas de protecção social nos grandes centros urbanos e no Mundo Rural. 

Os problemas de Angola têm raízes muito fundas. O Manifesto do MPLA, redigido em 1956, faz uma análise perfeita aos malefícios do colonialismo. E aponta caminhos. Em 1961, tudo mudou. Lisboa decidiu mesmo fazer de Angola uma “terra de brancos” e apostou tudo nessa política. Mas expandiu o ensino a todos os níveis. Pequenas vilas do interior passaram a ter escolas primárias e do ciclo preparatório. Algumas até o ensino liceal e técnico. E em 1962 chegaram as escolas superiores. A maioria negra aproveitou a oportunidade. Em 1968 a luta armada sofreu um fortíssimo impulso, graças a essa juventude instruída. 

A guerra destrói tudo, mesmo que paralelamente nasçam todos os dias grandes prédios, construam centenas de quilómetros de estradas asfaltadas, nasçam milhares de empresas agrícolas, comerciais e industriais. A guerra absorve todas essas riquezas e alimenta-se de vidas humanas, quase todas jovens. Foi assim desde 4 de Fevereiro/15 de Março de 1961. Em 25 de Abril de 1974 caiu o regime colonialista.

O cessar-fogo só aconteceu em Setembro. Negociações para a Independência Nacional, só em Janeiro de 1975. No primeiro aniversário do 25 de Abril a guerra regressou a Angola. Invasores estrangeiros puseram em marcha operações militares para impedir o 11 de Novembro de 1975. Guerra mais sangrenta do que nunca. Mais destruidora do que nunca. Durou até ao Acordo de Nova Iorque, que foi uma espécie de rendição do regime de Pretória.

A guerra continuou em força, a partir de Outubro de 1992 e só parou em 2002. O plano de longo prazo (até 2050) é muito bom. Mas tem um problema. É curto. Porque para remover os escombros da guerra, para refazer o que foi destruído, para cuidar das pessoas de acordo com o Programa do MPLA, lá para 2100 fica tudo resolvido. Criticar o Executivo sem ter em conta esta realidade é injusto. Mas o governo do MPLA não pode ignorar o seu programa eleitoral e trocar o socialismo democrático pelo neoliberalismo da Dona Vera e do Vilar Bicudo. 

O governo do MPLA tem de adoptar políticas sociais que respondam às necessidades básicas da maioria da população. Os que não têm trabalho certo, não têm salário digno, não têm habitação, não têm transportes públicos. Não têm cuidados primários de saúde nem acesso fácil à educação. O programa até 2050 precisa paralelamente de políticas que respondam às necessidades quotidianas. Provavelmente não temos massa crítica para isso. Nem nervo financeiro. Mas as populações, no mínimo, têm de saber que o governo está preocupado com os seus problemas e tem soluções de emergência para resolvê-los.

O secretariado executivo da UNITA atirou-se ao porta-voz da Polícia Nacional porque denunciou as acções terroristas dos seus dirigentes, à boleia das manifestações do passado sábado. A denúncia do oficial da polícia foi documentada com imagens de deputados e dirigentes do Galo Negro envolvidos em acções terroristas. É claro que as palavras do denunciante foram mais simpáticas e resumiram tudo a “desordem e arruaça”. Apesar da simpatia, os criminosos de guerra ficaram indignados!

Os criminosos de guerra que combateram ao lado dos colonialistas portugueses e dos racistas da África do Sul emitiram um comunicado onde dizem que a UNITA “é o partido fundador da Democracia em Angola”. Os assassinos dos cercos do Huambo ou do Cuito, os que mataram os seus próprios dirigentes com violência inaudita, os que queimaram mulheres nas fogueiras da Jamba dizem que respeitam os “marcos do Estado de Direito Democrático”. 

Os criminosos de guerra clamam por um “jornalismo credível e independente”. Acham que quem deu tempo de antena à Polícia Nacional tinha que cumprir o contraditório. As autoridades anunciam a prisão de um bandido. É preciso dar também a palavra ao preso! Acham que a Polícia Nacional tem de ser confrontada com os bandidos do Galo Negro. 

*Jornalista

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