quinta-feira, 31 de agosto de 2023

GABÃO EM REVOLUÇÃO PACÍFICA DEPÔS FAMÍLIA BONGO E ASSUME O PODER

Quem é o general que "reformou" Bongo e assumiu o poder no Gabão?

União Africana condena "fortemente" situação no país que se tornou independente da França há 63 anos e é liderado há 55 pela mesma família. Presidente tinha sido reeleito no sábado.

O general Brice Olingui Nguema, líder da poderosa guarda presidencial do Gabão, anunciou ontem a "reforma" de Ali Bongo e assumiu o poder. Horas depois de a Comissão Nacional Eleitoral confirmar o terceiro mandato consecutivo do chefe de Estado, após a vitória eleitoral de sábado, os militares anularam o escrutínio e puseram Ali Bongo em prisão domiciliária. Nas ruas, a população aplaudiu a queda da família que governa há 55 anos o país, mas a União Africana condenou "fortemente" o golpe militar, tal como a França (antiga potência colonial).

Mas quem é o general Nguema? A primeira pista de que seria ele o novo homem forte do Gabão surgiu quando os membros da Guarda Republicana (a guarda presidencial) o ergueram em braços aos gritos de "Nguema presidente". Filho de um antigo oficial, Nguema entrou ainda novo para a guarda que atualmente lidera, tendo sido ajudante de campo de um antigo comandante. Após a morte em 2009 de Omar Bongo, pai do atual chefe de Estado, ocupou os cargos de adido militar nas embaixadas no Mali, Marrocos e Senegal.

Em 2018, regressou ao Gabão, assumindo a liderança dos serviços de informação da Guarda Republicana. Meses depois, passou a chefiar esta mesma força, procedendo à sua reforma e à incorporação de mais membros - são reconhecidos pelas boinas verdes. Segundo uma investigação jornalística de 2020 do Projeto de Denúncia de Crime Organizado e Corrupção, será também milionário, tendo comprado a dinheiro várias propriedades nos EUA em 2015 e 2018. Quando confrontado com estes casos, escudou-se no direito à privacidade.

Ontem, foi o rosto do golpe, apesar de não ter sido ele a ler o comunicado dos oficiais: "Nós, as forças de segurança e defesa reunidas no Comité para a Transição e Restauração das Instituições, em nome do povo do Gabão e enquanto garantes da proteção das instituições, decidimos defender a paz pondo fim ao atual regime." O general foi depois confirmado como presidente de transição.

Em declarações ao Le Monde, Nguema garantiu que Ali Bongo será tratado como outro qualquer cidadão gabonês e que "goza de todos os direitos" enquanto ex-chefe de Estado "reformado". Questionado pelo jornal francês sobre se o golpe tinha sido planeado ou precipitado pelas eleições - Ali Bongo foi declarado vencedor com 64% dos votos num escrutínio sem observadores internacionais -, o general alegou que o presidente não tinha direito a um terceiro mandato. E mencionou o acidente vascular cerebral (AVC) que ele sofreu em outubro de 2018, obrigando-o a passar dez meses no estrangeiro em recuperação.

"Vocês sabem que no Gabão há descontentamento e, além deste descontentamento, há a doença do chefe de Estado. Toda a gente fala sobre isso, mas ninguém assume a responsabilidade. Ele não tinha direito a um terceiro mandato, a Constituição foi violada. Por isso o exército decidiu virar a página, assumir as suas responsabilidades", disse o general Nguema ao Le Monde. Durante a convalescença de Ali Bongo, em janeiro de 2019, tinha havido uma primeira tentativa de golpe, resolvida no próprio dia.

O presidente, de 64 anos, chegou ao poder em 2009 após a morte do pai, que estava aos comandos do país rico em petróleo desde 1967 e amealhou ao longo dos anos uma fortuna considerável. O Gabão tinha declarado a independência de França apenas sete anos antes, mas com Omar no poder os laços com Paris foram reforçados a nível económico, político e militar. Um cenário que não se alterou com Ali.

A França mantém uma presença militar no Gabão, com pelo menos 370 soldados destacados em permanência, e este golpe representa outro revés para os seus interesses em África. Paris condenou ontem a tomada do poder pelos militares, dois dias após o presidente Emmanuel Macron ter lamentado a "epidemia de golpes" no continente.

Ali Bongo surgiu entretanto num vídeo partilhado nas redes sociais em que que apelava aos "amigos em todo o mundo" para que "fizessem barulho", revelando que tinha sido detido. O presidente encontra-se em prisão domiciliária, mas um dos seus filhos e conselheiro, Noureddin Bongo Valentin, foi detido por traição, desvio de fundos, corrupção e por falsificar a assinatura do pai. Outros próximos de Ali Bongo também foram detidos.

Além da União Africana e de França, que condenaram o golpe, os EUA disseram que a situação é "profundamente preocupante". As mesmas palavras foram usadas pela Rússia, enquanto a China apelou a "todos os lados" para que garantam a segurança de Ali Bongo. Portugal apelou "ao rápido restabelecimento da normalidade e da ordem constitucional no Gabão".

Sete golpes em três anos

Mali - 2020 e 2021
O país não passou por apenas um, mas por dois golpes militares nos últimos anos. O presidente Ibrahim Boubacar Keïta foi derrubado a 18 de agosto de 2020, com os líderes civis a caírem noutro golpe a 24 de maio de 2021, após terem afastado alguns soldados de cargos chave. O coronel Assimi Goïta promete eleições em fevereiro de 2024.

Guiné-Conacri - 2021
O presidente Alpha Condé foi preso a 5 de setembro de 2021. O poder ficou nas mãos do tenente-coronel Mamady Doumbouya, que prometeu devolvê-lo aos civis no final de 2024. Condé foi libertado da prisão domiciliária em abril de 2022.

Sudão - 2021
Dois anos após um golpe que derrubou o ditador Omar al-Bashir a 11 de abril de 2019, a tensão entre os dirigentes militares e os civis levou o líder das Forças Armadas, Abdel Fattah al-Burham, a fazer um novo golpe a 25 de outubro de 2021. Desde 15 de abril deste ano, as forças de Al-Burham estão em guerra com o ex-número dois, o líder dos paramilitares Mohamed Hamdan Dagalo. O conflito já resultou na morte de pelo menos cinco mil pessoas.

Burkina Faso - 2022 e 2022
Oito meses separaram os dois golpes do ano passado. Os militares liderados pelo tenente-coronel Paul-Henri Damiba prenderam o presidente Roch Marc Kaboré a 23 de janeiro de 2022 (seria autorizado a regressar a casa em abril). Mas Damiba não ficou muito tempo no poder. A 30 de setembro, o capitão Ibrahim Traoré afastou-o, sendo nomeado chefe de Estado da transição até às presidenciais, planeadas para julho de 2024.

Níger - julho de 2023
Membros da guarda presidencial de Mohamed Bazoum, liderados pelo general Abdourahamane Tiani, assumiram o poder a 26 de julho e mantêm o presidente detido. A Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que já tinha suspenso Mali, Guiné e Burkina Faso do grupo por causa dos golpes, aprovou o destacamento de uma força rápida para "restabelecer a ordem constitucional" no Níger, mas ainda se procura uma solução diplomática. O general Tiani propõe uma transição de três anos para devolver o poder aos civis.

Susana Salvador | Diário de Notícias

Imagens: 1 - Imagem de um vídeo onde os soldados carregam o general Nguema, após o golpe contra Ali Bongo. Foto Gabon 24 / AFP; 2 - O presidente Ali Bongo lançou um apelo aos "amigos" para que "façam barulho". © AFP

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