sábado, 12 de agosto de 2023

Angola | Carros de Luxo na Recolha de Lixo – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Turismo em Angola fica à porta do progresso desde a época colonial. Até à Independência Nacional existiam 57 unidades hoteleiras dignas desse nome, concentradas em Cabinda, Luanda, Lubango, Namibe, Huambo, Benguela e Lobito. Em Cabinda existia o Grande Hotel Maiombe. Na capital o destaque ia para o Grande Hotel Universo, o Continental, o Panorama, o Costa do Sol e o novíssimo Trópico. No Huambo, o Ruacaná. No Lobito o Términus. Em Benguela o Mombaka. No Lubango o Grande Hotel da Huíla (o melhor dos melhores) e no Namibe o Hotel Turismo. Excelentes hotéis em qualquer parte do mundo. 

Com tão poucas unidades era impossível fazer da indústria da paz o “petróleo” da colónia como hoje diz ser (com toda a razão) o administrador do Lubango. A guerra colonial não permitia veleidades turísticas. Assim apenas existiam cerca de 4.000 camas das quais metade na capital angolana.

Depois da Independência Nacional o panorama mudou, para muito pior. As grandes unidades hoteleiras e similares foram abandonadas pelos proprietários. O Estado não preservou esses equipamentos e em 1977 praticamente já não existiam hotéis em condições. No ano de 1978 o Estado criou empresas hoteleiras. Nas províncias “Emprahotel” e em Luanda a “Anghotel”. Houve uma tentativa falhada de reabilitar as grandes unidades hoteleiras herdadas do colonialismo. 

A partir de 1984 o Estado começou a formar quadros para a indústria hoteleira. Grande aposta! Ao mesmo tempo nasceu o complexo hoteleiro da Vila Alice com 50 quartos. Uma vitória! Em 1989 Angola entrou na Organização Mundial do Turismo. Mais um marco importante. O Acordo de Bicesse permitiu o investimento em força, no sector da hotelaria e turismo. Dinheiro atirado ao lixo. Os sicários da UNITA perderam as eleições,  viraram as armas contra a democracia e partiram tudo.

Angola registou no ano passado a entrada de 220.000 turistas estrangeiros. Muito ou pouco? Espanha é o quarto país mais visitado no mundo. Recebeu no ano passado 83 milhões de turistas. Só Madrid registou dez milhões. Portugal tem 1800 hotéis de uma a cinco estrelas, 43 pousadas e 153 hotéis-apartamentos.  Recebeu no ano passado 22,3 milhões de turistas estrangeiros. 

Em tempo de paz a empresa “Organizações Ritz” abriu hotéis onde antes não existia uma só cama. Importante? A unidade da Cela (Waku Kungo) permitiu à Empresa Edições Novembro organizar acções de formação para os seus jornalistas do Centro, Leste e Sul. Fizemos lá várias sessões ao longo de dois anos. Todos no Ritz da Cela, que fornecia alimentação e alojamento de alto nível. Formação em exercício, lá onde estavam os profissionais.

Mais tarde fomos para o Huambo. Mais um hotel Ritz permitiu juntar na capital do Planalto Central dezenas de jornalistas em várias sessões ao longo de três anos. A empresa levou a formação às províncias. Depois destes investimentos arrojados, surgiram um pouco por todo o país unidades hoteleiras de elevado nível. Foi neste quadro que nasceram as redes hoteleiras IKA e UI criadas pelo empresário Carlos São Vicente. A senhora que trata da extorsão de activos calcula que os hotéis apreendidos valem cerca de 500 milhões de dólares. 

Sabem o que está a acontecer? Este “petróleo” para a economia angolana está a ser barbaramente destruído. Atirado para o lixo. Com a desculpa de que é preciso evitar a degradação das unidades apreendidas, algumas de cinco estrelas, estão a transformá-las em repartições públicas. Certo ou errado? Uma unidade hoteleira exige altíssimos investimentos em mobiliário, equipamentos e pessoal qualificado que Carlos São Vicente fazia questão que fosse nacional e devidamente treinado antes da abertura de cada hotel. 

A senhora da extorsão de activos está a vender viaturas de luxo apreendidas. Se o Estado usasse esses automóveis na recolha de lixo nos municípios era menos grave do que transformar hotéis mobilados, equipados e dotados com quadros altamente qualificados, em repartições públicas. Esse crime já foi cometido em dez hotéis da rede IKA e oito da rede IU. Outros estão a apodrecer e foram saqueados. 

Querem ainda mais grave? Mbanza Congo é Património da Humanidade. O empresário Carlos São Vicente construiu lá unidades hoteleiras para desenvolver o Turismo Cultural. O empresário Jorge Nunes, dirigente da associação angolana de hotelaria, diz que os hotéis apreendidos “estão a ser mal geridos por uma equipa do Estado sem preparação para gerir numa componente empresarial e tirar retorno comercial. Se calhar, estamos a fazer com que venham a perder qualidade e interesse da parte do público, simplesmente por falta de métodos de gestão apropriados para o efeito”.

Os hotéis apreendidos ao empresário Carlos São Vicente em Mbanza Congo representam um investimento entre 30 e 75 milhões de dólares. Jorge Nunes diz que o caso da capital da província do Zaire é “um caso crítico porque  Mbanza Congo é Património Mundial mas não tem uma unidade hoteleira onde os turistas possam ficar condignamente. Mesmo assim, a Procuradoria-Geral da República não quis saber e converteu os hotéis em espaços de uso para serviços públicos”. Puseram um Lexus a recolher lixo no Catinton.

 Ramiro Barreira, líder da Associação dos Hotéis e Resorts de Angola (AHRA) informa que a IKA e IU são cadeias hoteleiras importantíssimas “para a promoção e desenvolvimento do turismo em Angola, uma vez que a sua construção obedeceu a padrões internacionais, há conexões entre as dependências, como quartos, cozinha e restaurantes. Portanto, não dão para servir como escritórios”.

O Estado através da PGR comete graves crimes económicos que prejudicam altamente o Estado. E assim, de desgraça em desgraça estamos a regressar ao tempo anterior à Independência Nacional. A Feira dos Municípios no Lubango está a ser um êxito. Mas a cidade não tem uma só cama para receber turistas! Está tudo ocupado. 

A cadeia de Viana espera o Procurador-Geral da República e a sua especialista em extorsão de activos.

*Jornalista

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