domingo, 27 de agosto de 2023

O Circo das Paixões Arrebatadas – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Os reis católicos de Espanha desencadearam uma perseguição impiedosa aos judeus e árabes no século XV. Muitos foram assassinados pelos esbirros reais. Os que puderam fugiram para Portugal. Entre esses expatriados estavam os meus antepassados que compraram ao rei D. Manuel o direito de couto nas campinas férteis de Ervededo. Como lá não entrava a justiça real, ali nasceu um lugar de apoio aos refugiados.

D. Manuel casou com uma filha dos reis católicos (Isabel a Sangrenta e Fernando o Frouxo), e estes imediatamente exigiram que o monarca português expulsasse judeus e árabes porque eram hereges. Como era gente de dinheiro e de ciência o rei português lançou uma campanha nessas comunidades para que se convertessem ao catolicismo. Foi assim que nasceram os “cristãos-novos”. Quem não se converteu foi morto. 

Face à fuga generalizada de judeus e árabes, D. Manuel mandou encerrar os portos porque eles só podiam fugir por mar. Em breve todos eram cristãos novos. Mas Fernando e Isabel insistiam na sua eliminação, mesmo depois de convertidos. Não sou capaz de descrever os massacres que aconteceram em Portugal. Leiam o que escreveu Damião de Góis, intelectual e historiador, sobre as mortandades em Lisboa:

“E por já nas ruas não acharem Cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até executavam os meninos e crianças de berço, fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as paredes. E não esqueciam de lhes saquear as casas e de roubar todo o ouro, prata e enxovais que achavam. E chegou-se a tal dissolução que até das igrejas arrancavam homens, mulheres, moços e moças inocentes, despegando-os dos Sacrários, e das imagens de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e de outros santos, a que o medo da morte os havia abraçado, e dali os arrancavam, matando-os e queimando-os fanaticamente sem temor de Deus”.

Logo a seguir aos massacres de Lisboa foi criada a Inquisição. Alguns cristãos-novos tornaram-se ainda mais fanáticos do que os “velhos”. Denunciavam até os próprios filhos aos esbirros do Santo Ofício, acusando-os de heresia, apostasia, blasfémia, feitiçaria, homossexualidade e outros “costumes desviantes”. Duvido que se tenha abatido maior tragédia sobre a Humanidade. Mas a Inquisição está de volta. Os cristãos-novos fanáticos estão aí, armados de paixões arrebatadas.

O futebol é uma paixão. Não me perguntem porque sou adepto do D’Agosto e até choro quando o meu clube perde. As paixões são como a Arte Moderna, não se explicam. Os meus heróis na infância eram o Santiago, treinador e guarda-redes do Clube Desportivo do Negage, o Sacristão, treinador e jogador do Grupo Desportivo de Ambaca, o Viriato, defesa central do Golungo Alto, o Cardeal, avançado do Dinizes, o Milo, feiticeiro do Futebol Clube do Uíge, o Miala, craque do Recreativo da capital do Congo Português.

Maradona foi treinador e seleccionador da Argentina. Aquilo correu mal e numa conferência de imprensa, o genial futebolista disse a um jornalista que o invectivou agarrado à ferramenta sexual: Coça-mos! Chupa-me! Coça-mos! Chupa-me! É a paixão do futebol. Ninguém se sentiu ofendido. O presidente da Federação Espanhola de Futebol fez o mesmo quando as futebolistas espanholas marcaram um golo às inglesas. Eufórico. Esfusiante. Dona Letícia pensou que era para ela mas foi agarrada pela dama de companhia antes que chegasse a vias de facto com o Rubiales. Nada de grave.

As futebolistas norte-americanas, habituadas a ganhar, perderam. As futebolistas suecas, habituadas a ganhar, perderam. As futebolistas inglesas, convencidas de que iam esmagar as espanholitas, perderam. Se uma dessas seleccões tivesse ganho o mundial de futebol feminino, se as futebolistas campeãs fossem beijadas, lambidas e apalpadas ninguém dizia nada. Os cristãos-novos estão de volta. A Inquisição está de volta. Estão a assassinar na praça pública o homem que criou a improvável equipa campeã mundial de futebol feminino. Só não vai para a fogueira porque a Jamba já não é o campo de extermínio criado pelos racistas de Pretória e o estado terrorista mais perigoso do mundo.

Os Media do ocidente alargado noticiaram com indisfarçável júbilo o atentado terrorista que matou Daria Dugina, de 29 anos, filha do filósofo russo Alexander Dugin. O mesmo aconteceu quando o “bloguer” russo Vladlen Tatarsky foi morto à bomba num café no centro histórico de São Petersburgo. Doutores de relações internacionais, politólogos, filhasdaputólogas, filhosdaputólogos e outros antropófagos de Portugal e de todo o ocidente alargado nem uma palavra de condenação do terrorismo. Apernas num canal francês, uma comentadora disse que aplaudir atentados terroristas pode legitimar o terrorismo, seja onde for.

O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, durante o seu espectáculo em Kiev, disse que a norte de Prigozhin “é irrelevante”. O herói das trincheiras ucranianas e dos pastéis de nata não pode desconhecer que a norte de um ser humano é sempre relevante. Muto mais para quem bate com a mão no peito e se ajoelha nos confessionários das igrejas. Já era cristão-novo da democracia. Agora é noviço do nazismo. Pobre Portugal, ainda ontem era esmagado pelos colonialistas e fascistas já recua para os tempos descritos por Damião de Góis.

O comandante João Fonseca, da SEDES marcelista, exultou com a morte de Prigozhin. Mais um nazi saudoso das fogueiras da Inquisição. Este disse na CNN Portugal que estava muito feliz “porque o inferno ficou mais cheio com a morte do russo”, vítima de um atentado terrorista, seja quem for o seu autor. Esse foi o tom em todos os Media portugueses. Sabiam que há milhares de aviões para derrubar à bomba? 

Hitler está reabilitado. Os nazis de Kiev são apontados pelos líderes do ocidente alargado como os defensores da liberdade e da democracia deles. Duvido que haja força humana que trave este movimento terrorista liderado pelos EUA, a União Europeia e a OTAN (ou NATO).

O circo das paixões arrebatadas vai acabar mal. O ocidente alargado impôs a censura aos Media. E Goebbels foi ultrapassado. Ele defendia que uma mentira repetida muitas vezes passava a ser verdade. Hoje uma mentira repetida até à náusea é jornalismo.

Em Angola também temos cristãos-novos. João Lourenço aceitou encarnar o papel do Tomás de Torquemada. E agora aguenta com os fanáticos inquisitoriais. A Luzia Moniz escreveu que o povo quer a destituição do Presidente da República. Alguém diga a essa cristã-nova, que encheu a pança durante anos à conta do MPLA, apenas isto: O povo elege ou destitui os deputados e o Presidente da República nas eleições. Em democracia é assim. A Luzia Moniz ainda esta no partido único. Ainda não aceita as eleições. Acha que são os seus amigos da UNITA que decidem quem pode exercer poder. Quem deve ser queimado nas fogueiras e quem deve receber dos diamantes de sangue.

Outro cristão-novo da UNITA é o maoista Filomeno Vieira Lopes. Afirmou ante o seu dono Adalberto da Costa Júnior: “Em nome dos militantes e dirigentes do Bloco Democrático apoiamos  subscrevemos plenamente a Acção de Destituição de João Lourenço, que todos os nossos deputados já subscreveram. Apoiamos essa acção porque a sua legitimidade política é fraca e quase nula, baseada numa fraude conhecida por todos”. Este cristão-novo ainda não percebeu que a UNITA perdeu as eleições há um ano e só pode governar se ganhar as próximas. A extrema-direita das fogueiras da Jamba está aí e ameaça as nossas vidas!

*Jornalista

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