quinta-feira, 7 de setembro de 2023

“O resto é silêncio”

Cristina Figueiredo, editora de política da SIC | Expresso (curto)

Tomei de empréstimo o título deste Curto a William Shakespeare, mais concretamente às derradeiras palavras de Hamlet antes de morrer. O autor de “Muito Barulho por Nada” também escreveu que “é melhor ser rei do teu silêncio do que escravo das tuas palavras”. E estou certa que ao longo da sua extensa obra encontraria muitas mais citações apropriadas à peça de teatro em que tantas vezes se transforma a política nacional. Lembrei-me destas a propósito das últimas da querela institucional (ou será pessoal?) entre Belém e S. Bento e do silêncio bastante ruidoso de António Costa na reunião de terça-feira do Conselho de Estado.

As notícias sobre a reunião davam conta de que o primeiro-ministro se tinha mantido calado porque, sabendo de antemão (por anúncio, aliás público, do próprio) que o Presidente levaria a intervenção escrita “há muito”, entendera que essa era a melhor resposta a dar a Marcelo Rebelo de Sousa, deixando-o “a falar sozinho”, como escreveu o Expresso. Ao início da tarde, um Costa sem o sorriso da véspera (o tal que os portugueses que encontra na rua lhe pedem que nunca perca) mostrou-se bastante agastado com as “fugas seletivas de informação” senão mesmo “mentiras” que saem do Conselho de Estado e garantiu que “não há qualquer diferendo com o Presidente da República”. Não ficou claro se falava desta reunião (descrita nos orgãos de comunicação social como tendo decorrido num clima inicialmente tenso) ou da de julho (detalhadamente descrita nas páginas dos jornais, pelo menos na parte relativa às críticas que vários conselheiros teceram à condução do país pelo Governo). Mas pouco depois veio Marcelo dar a sua interpretação: confessando-se “melindrado” com as versões que lera na imprensa do silêncio do PM, disse ter considerado que este veio "desmentir notícias de hoje segundo as quais o seu silêncio era contra o Presidente da República". Quanto à alegada quebra de sigilo sobre as reuniões do Conselho de Estado remeteu a queixa de Costa para "um problema que lida da consciência dos senhores conselheiros", limitando-se a admitir "que haja quem se sinta ofendido" com os relatos tornados públicos.

A última palavra (do dia) ficou para o primeiro-ministro. Entre “ser ou não ser” morto em combate (figurativamente, claro!) António Costa foi ontem à noite a Évora, abrir a Academia Socialista (a Universidade de Verão do PS, que também serve como rentrée ao partido) e dar a quem o ouviu uma lição sobre “resistência, resiliência e paciência”. Não era suposto, segundo o orador, ser um comício partidário - até porque, e volto a citar o orador, “a política não pode ser um exercício de números mediáticos” - mas pelo rosário de promessas cumpridas e a proclamação de outras tantas a cumprir daqui até ao final da legislatura, foi exatamente isso: o secretário-geral do PS (estava sem gravata) deu uma clara ajuda ao primeiro-ministro (e um “safanão” nas ambições de protagonismo de Luís Montenegro) e anunciou uma descida do IRS em 2 mil milhões até 2027, a isenção do IRS para os jovens no primeiro ano de emprego (e desagravamento de 75% a 25% nos quatro anos seguintes), a devolução das propinas da universidade por cada ano a trabalhar no país, além de passes gratuitos para os sub-23 já a partir de janeiro.

Porque “é com otimistas irritantes que o país anda para a frente”, concluiu o auto-proclamado “fazedor”, dirigindo-se aos “comentadores” - e em primeiro lugar aquele que um dia lhe chamou “otimista irritante”. Como diria Hamlet: “algo está podre no reino da Dinamarca”.

OUTRAS NOTÍCIAS, CÁ DENTRO…

Terá sido um dos temas em cima da mesa do Conselho de Estado de terça-feira, mas ontem mesmo Marcelo Rebelo de Sousa afirmava não ter intenção de voltar tão cedo ao assunto; e eis que a TAP regressou às manchetes dos jornais. Agora com a confirmação de algo que há muito se sabia ir acontecer: a ex-CEO da empresa, Christine Ourmières-Widener, anunciou que vai processar o Estado português, exigindo uma indemnização de 5,9 milhões de euros.

O Governo volta a reunir-se esta quinta-feira com os sindicatos médicos para apresentação final do diploma sobre a generalização das Unidades de Saúde Familiar modelo B e a dedicação plena dos médicos, que António Costa disse ontem que será aprovado no Conselho de Ministros de dia 14. A reunião estava inicialmente agendada para o dia 11 de setembro.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, inauguram hoje, às 18h00, o Percurso Ribeirinho de Loures, junto à ponte pedonal sobre o Rio Trancão (a tal que a Câmara de Lisboa quis batizar com o nome de D. Manuel Clemente, o que este acabou por recusar após o clamor público que se gerou). António Costa não estará presente, apesar de ontem à noite ter reivindicado a autoria da ideia de devolver a frente ribeirinha aos munícipes de Loures há já mais de 30 anos, quando foi candidato (derrotado) à presidência da autarquia.

Ainda o ano parlamentar não recomeçou e já André Ventura anunciou uma moção de censura ao Governo de António Costa. É a segunda que o Chega apresenta (isto porque só pode apresentar uma por sessão legislativa), a terceira que o XXIII Governo enfrenta (o IL também apresentou uma na sessão passada). E só está em funções há um ano e meio.

O Hospital oftalmológico São João, em Jerusalém, foi o vencedor da edição deste ano do Prémio Champalimaud de Visão, no valor de 1 milhão de euros. O hospital atua na Palestina, território onde há dez vezes mais casos de cegueira e deficiência visual do que em qualquer país europeu.

…E LÁ FORA

Nas últimas da guerra da Ucrânia, a notícia de que 17 pessoas morreram e 32 ficaram feridas num bombardeamento russo a um mercado da cidade de Kostiantynivka, no leste da Ucrânia. Entretanto, o secretário de Estado norte-americano, Anthony Blinken, de novo em visita a Kiev (onde também se encontra a primeira-ministra da Dinamarca), anunciou o reforço da ajuda à Ucrânia em mais mil milhões de dólares.

No dia em que o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que “o colapso climático começou”, o Banco Central Europeu concluiu que é melhor mesmo acelerar a transição climática, sob pena de, ao atual ritmo, aumentarem os riscos e os custos para a economia e o sistema financeiro. Talvez esta, mais do que os fenómenos meteorológicos extremos que todos os dias se verificam por todo o mundo, seja uma “motivação” eficaz para apressar a mudança.

“You must remember this, a kiss is just a kiss” (“lembra-te disto, um beijo é apenas um beijo”), cantava Dooley Wilson, o pianista Sam no filme, de 1942, Casablanca. Ontem, a jogadora da seleção espanhola de futebol femininino Jenni Hermoso formalizou a queixa contra Luis Rubiales, o presidente da Federação espanhola de Futebol que lhe pregou um beijo na boca nas celebrações da vitória do campeonato do mundo. Não, Sam: há beijos que não são “apenas um beijo”.

Nem sei bem como classificar, mas o primeiro adjetivo que me ocorreu foi “assustadora”, a notícia conhecida esta quarta-feira de que um conjunto de investigadores do Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, criou “algo” semelhante a um embrião humano com 14 dias, com recurso a células estaminais, sem utilizar espermatozóides, óvulos ou útero.

Dezoito anos depois, os Rolling Stones têm um novo álbum de originais. “Hackney Diamonds” só sai a 20 de outubro mas foi apresentado ontem em Londres num evento de 30 minutos presidido pelo apresentador norte-americano Jimmy Fallon e a que a Blitz assistiu e reproduz aqui. O primeiro vídeo (“Angry”), com a inconfundível sonoridade da banda, e o impactante protagonismo da atriz Sydney Sweeney também foi revelado.

FRASES

“É normal o PM estar calado no Conselho de Estado? Ele que o diga. É ele que o pode dizer. Eu acho que não é normal”

Luís Montenegro, presidente do PSD

“Não sou dado a amuos”

António Costa, primeiro-ministro

“Não há nenhum diferendo com o Presidente da República”
idem

“Eu tinha perguntado ao senhor primeiro-ministro, antes do Conselho, se tencionava usar da palavra. Ele disse-me que não e, portanto, tendo-me dito que não, eu naturalmente passei à minha intervenção"
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

"Eu tinha lido essas notícias [de que o silêncio do PM no Conselho de Estado era por desagrado com o PR], tinha ficado estupefacto com elas, mas percebo que ele tenha esclarecido que não se tratava disso"

idem

PODCASTS (sugestões da equipa multimédia do Expresso)

O azeite pode tornar-se um produto de luxo? O preço começa a tornar-se proibitivo para muitas famílias. Oiça este episódio de Money Money Money com Mariana Matos, secretária geral da Casa do Azeite

Pedro Madureira e a futura fronteira entre Portugal e Espanha: “Há sobreposição da extensão das plataformas de Canárias e Madeira". Oiça o podcast o Futuro do futuro, esta semana com o responsável científico da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC)

O salário de metade dos portugueses não chega para as despesas regulares. A situação é “preocupante” por toda a Europa, mas Portugal está em destaque. Oiça aqui o episódio do Economia dia a dia, podcast diário do Expresso

O QUE ANDO A LER E A VER

Só cheguei agora a Valérie Perrin e “A breve vida das flores”, que já outros autores do Curto aqui referiram. O livro, editado em português pela Editorial Presença em fevereiro de 2022, já vendeu três dezenas de milhar de cópias, está há meses no top de vendas e, lendo-o, percebe-se bem porquê. A história de Violette Toussaint, guarda de cemitério, vem dar-nos uma outra perspetiva desses locais de que ninguém gosta e muitos (senão todos) quase sempre só visitamos por maus motivos. A morte anda de par com a vida mas nem por isso a conseguimos encarar com naturalidade nem é tema que abordamos voluntariamente. E, no entanto, acabamos por o fazer com este livro, que nos agarra logo às primeiras páginas e que cumpre essa função mágica da literatura que é levar-nos pela mão, sem que demos por isso, para outras outras paragens, outras vidas, outros pensamentos tantas vezes tão longe dos nossos. Li-o, porque estava de férias e pude dispor desse tempo, em 48 horas. No final, escrevi a quem me o tinha recomendado: “Que livro tão, mas tão bonito”. Pode não ser profundo como crítica literária mas é fiel ao que senti.

E volto a Shakespeare: estreia na próxima quarta-feira (e fica em cena até 24), no teatro S.Luiz, em Lisboa, A Tempestade, encenada (por António Pires) pela primeira vez em Portugal com a obra do compositor Jean Sibelius. Uma co-produção Teatro do Bairro, Companhia de Teatro de Braga, Theatro Circo, Kyiv National Operetta’s Theatre e São Luiz Teatro Municipal. Lá estarei, assim inaugurando a temporada teatral.

O Curto fica por aqui neste 7 de setembro, 401 anos após D. Pedro IV ter proclamado a Independência do Brasil, com o célebre grito nas margens do rio Ipiranga. É por isso feriado nacional em terras de Vera Cruz. Por aqui, não é feriado: a informação está em constante atualização nos sites do Expresso e da SIC Notícias. Tenha um dia bom.

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