segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Angola e a Guerra à Civil -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

No dia 4 de Fevereiro de 1961 começou em Angola a Luta Armada de Libertação Nacional sob a bandeira do MPLA. No dia 15 de Março aconteceu a Grande Insurreição no Norte sob a bandeira da UPA mais tarde FNLA. Os colonialistas diziam que enfrentavam acções de terroristas. As grandes potências ocidentais puseram-se ao lado do ditador Salazar, vítima do “terrorismo” em Angola, Guiné e Moçambique. As tropas de ocupação eram reforçadas todos os anos com jovens angolanos chamados a cumprir o serviço militar obrigatório. Ninguém chamou a essa luta armada uma guerra civil.

Entre o dia 25 de Abril de 1974 e 11 de Novembro de 1975 os angolanos tiveram de combater contra os invasores estrangeiros que queriam impedir a Independência Nacional. A norte, as forças armadas do Zaire (República Democrática do Congo) invadiram Angola. Matilhas de mercenários invadiram Angola. O Exército de Libertação de Portugal (ELP), comandado pelo coronel Gilberto Santos e Castro invadiu Angola. Oficiais da CIA invadiram Angola, Unidades das forças armadas da África do Sul (artilharia pesada invadiram o Norte de Angola.

Pela via costeira (Nzeto/Ambriz/Libongos) as forças invasoras chegaram a Caxito e depois instalaram o seu comando no Morro da Cal. O objectivo da invasão militar era impedir que o MPLA proclamasse a Independência Nacional no dia 11 de Novembro de Novembro de 1975. Pela via do interior, os invasores foram travados entre Samba Caju e o Lucala. Não passaram! Com as tropas invasoras vinham angolanos que pertenciam à FNLA e ao seu braço armado, o Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA). A esta invasão de tropas estrangeiras, a propaganda do ocidente alargado chamou guerra civil!

Portugal defendeu os interesses das grandes potências ocidentais durante a guerra colonial. Por isso não podia ser uma guerra civil, ainda que as tropas ocupantes tivessem angolanos. Em 1974 já eram muitos milhares entre soldados, sargentes e oficiais formados e treinados nas escolas militares da colónia. A segunda Guerra de Libertação Nacional já passou a “guerra civil” porque eram todos contra o MPLA. Até a UNITA, que só foi reconhecida como movimento de libertação quando já nada havia para libertar, em Dezembro de 1974.

As grandes potências ocidentais foram derrotadas nas Grandes Batalhas do Ntó, Kifangondo, Luena e Ebo (já depois do 11 de Novembro de 1975). Estrondosamente derrotadas pelo Povo Angolano em armas, sob a bandeira do MPLA. Não desistiram de meter a patorra em Angola. E se no norte perderam a FNLA, no sul serviram-se da UNITA e do Esquadrão Chipenda para derrubar o governo e submeter a República Popular de Angola. As tropas da África do Sul invadiram Angola. Ocuparam vastas regiões no Sul e Sudeste de Angola. Bombardearam as províncias do Cunene, Huíla e Cuando Cubango. Fizeram Gaza em Angola mas numa faixa gigantesca. Mas mataram muito mais angolanos e refugiados namibianos.

O regime racista de Pretória foi sancionado pela comunidade internacional. Tornou-se um estado pária por ter o racismo como política de Estado. Mas como aceitou invadir e ocupar militarmente vastas zonas de Angola, os EUA apoiaram com dinheiro, armamento e apoio político! Por isso tiveram de propalar que em Angola existia uma guerra civil! Porque os invasores traziam no bolso os sicários da UNITA. Empunhavam a bandeira do Galo Negro. França e Alemanha fizeram o mesmo. O Treino Unido nem se fala. Até o Portugal de Abril se pós do lado do apartheid! Um tal Cavaco da Silva apoiou Pretória até onde foi preciso!

Os invasores estrangeiros exibiam os sicários da UNITA. Fizeram da Jamba o quartel da guerra à civil. Savimbi e o alto comando da África do Sul racista aproveitaram os apoios e instalaram no acampamento militar um supermercado para negócios da droga, diamantes e marfim. As guerras à civil são assim. 

O governo da África do Sul invadiu, ocupou, bombardeou Angola. As forças especiais sul-africanas organizaram operações para destruir instalações petrolíferas no Lobito, Luanda e Cabinda. Era preciso destruir a economia para o Governo da República Popular de Angola não ter formas de financiar a guerra. Que a propaganda ocidental chama “guerra civil”. 

A invasão dos sul-africanos correu mal. Os primeiros pregos no caixão do regime de apartheid foram pregados na Cahama. Depois em todo o território da Huíla e Cunene. O caixão ficou pronto no Triângulo do Tumpo, à vista do Cuito Cuanavale. O regime racista de Pretória ali morreu e foi empacotado num belo caixão construído tábua a tábua, pelo Povo Heroico e Generoso. Tudo acabou com a assinatura da rendição nos Acordos de Nova Iorque. A guerra à civil terminou. Mas na mesa de negociações só se sentaram Angola, Cuba e África do Sul. Ninguém viu lá os sicários da UNITA. Os faxineiros dos racistas ficaram na fossa.

O Presidente José Eduardo dos Santos percebeu que deixar a UNITA órfã do regime de apartheid era perigoso. A História ensina-nos que as forças de aluguer disparam por dinheiro. Qualquer dono punha Savmbi a disparar contra o Povo Angolano, como sempre fez. E assim chegámos a Bicesse. Foi assinado um acordo de paz. A UNITA finalmente libertou-se de um passado ignominioso. Savimbi colocou-se ao serviço das forças colonialistas em 1967. Limpou essa mancha. 

Savimbi em 1974 colocou-se ao lado dos independentistas brancos. Todos se lembram dos “slogans” na época: UNITA É o Movimento dos Brancos! Savimbi É o Muata da Paz! Foram todos derrotados na II Guerra de Libertação Nacional. Com Bicesse essa traição ficou limpa. 

Savimbi alugou as armas ao regime de apartheid de Pretória. Andou a encobrir os matadores do Povo Angolano. E matou. Ajudou estrangeiros a destruir e destruiu Angola. Com o Acordo de Bicesse esses crimes horrendos foram esquecidos. Ficou limpo. Os angolanos saíram vitoriosos da Guerra pela Soberania Nacional e a Integridade Territorial. Não foi uma guerra à civil. Foi uma guerra sangrenta que custou a vida a muitos milhares de angolanos.

Em 1992, decorreram as primeiras eleições multipartidárias em Angola. O MPLA ganhou estrondosamente. A UNITA assinou um acordo no qual se comprometeu a respeitar os resultados eleitorais. Mas antes comprometeu-se a desarmar as suas tropas de aluguer. Respeitar o acordado. Promover a paz. Face à derrota eleitoral, Savimbi rasgou o acordo. Organizou uma quadrilha altamente perigosa e armada até aos dentes. Em Luanda ficaram os deputados eleitos da UNITA. Depois os ministros, secretários de Estado, embaixadores, governadores, administradores municipais. Em nome do Acordo de Bicesse e do Protocolo de Lusaka. 

O quadrilheiro Savimbi e seu bando puseram-se contra a lei. Enfrentaram o Estado de armas na mão. Destruíram equipamentos sociais, unidades económicas, instituições públicas. Face a tão graves acções de banditismo foi preciso lançar uma operação policial para repor a lei e a ordem pública. Como os bandidos estavam armados, foi necessário o apoio das Forças Armadas Angolanas. Operação Kissonde. O criminoso Savimbi sentiu o longo braço da lei numa mata do Lucusse. A quadrilha desfez-se. 

A paz regressou, até hoje. Mas entre finais de 1992 e Fevereiro de 2002 não houve uma guerra civil. Existia uma quadrilha armada que tentou destruir o regime democrático. Morto e chefe da quadrilha, a maior parte dos quadrilheiros foi acolhida de braços abertos. Alguns são generais. Outros deputados. Também empresários. Uma minoria entrou no banditismo contra Angola, em 1967. Uma fatia maior escolheu a via quadrilheira em 1974. A grande maioria vendeu-se ao regime racista de Pretória. Ajudantes às ordens dos invasores estrangeiros.

O Presidente da República não pode nunca dizer que em Angola houve uma guerra entre filhos da mesma Pátria. Se entende que a política externa de Angola deve passar pela submissão ao estado terrorista mais perigoso do mundo, tem poder para isso. Mas não tem o direito de assumir a propaganda dos invasores estrangeiros. Em Angola nunca houve uma guerra civil. Os angolanos lutaram de armas na mão contra invasores estrangeiros. Os angolanos que se colocaram do lado errado da História só têm que mostrar agora que estão do lado certo. O Presidente da República também. 

* Jornalista

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