quarta-feira, 29 de novembro de 2023

CESSAR-FOGO DEFINITIVO. E RECONHECER A PALESTINA

Isabel Mendes Lopes * | Diário de Notícias | opinião

De uma prisão a céu aberto, Gaza passou a um inferno a céu aberto. Nas últimas sete semanas, o Governo de Netanyahu tem estado, à vista de todo o mundo, a cometer um massacre ao bombardear campos de refugiados, hospitais, ambulâncias, escolas das Nações Unidas, onde estão refugiadas milhares de pessoas. Impediu a entrada de mantimentos, água, combustível em Gaza, deixando as pessoas - incluindo crianças - sem ter o que comer ou beber e os feridos sem possibilidade de tratamento. Assistimos a uma deslocação forçada de milhares de pessoas para sul, sem nada nas mãos, nem local para onde ir e deixando para trás o que resta das suas casas, no que é o maior êxodo de palestinianos desde a Nakba de 1948, segundo Philippe Lazzarini, Alto-Comissário da Agência da ONU para Refugiados Palestinianos. E a destruição está a ser tão intensa, que não terão para onde voltar.

A pausa de quatro dias acordada para troca de reféns e prisioneiros é um alívio momentâneo e Yoav Gallant, ministro da Defesa israelita, já avisou que os ataques a Gaza continuarão por, pelo menos, mais dois meses. O que o Exército de Israel e o Governo de Israel estão a fazer vai muito para lá do "direito a defender-se". O ataque hediondo que o Hamas fez no dia 7 de outubro é imperdoável e um ato de puro terrorismo. Mas não existe culpa coletiva de um povo e até as guerras têm regras. Aquilo a que estamos a assistir desde 7 de outubro são crimes de guerra.

Não sabemos como Gaza vai recuperar destas últimas semanas. Mas sabemos qual é o primeiro passo: um cessar-fogo definitivo, acompanhado da entrada de ajuda humanitária e da libertação de reféns. Exigem-no milhões por todo o mundo, incluindo judeus e árabes.

O ódio só alimenta o ódio, numa espiral que só serve quem usa o ódio para ganhar poder em proveito próprio. E é isso que está a acontecer: os extremistas de ambos os lados alimentam-se, afastando qualquer hipótese de paz naquela região. Por isso, o Governo de Israel ignora há anos as resoluções da ONU sobre o cerco a Gaza e a ocupação dos colonatos na Cisjordânia e, por isso, foi tão rápido a tentar enfraquecer António Guterres quando lembrou a história trágica daquela região. É preciso parar a espiral do ódio, fortalecer a ONU e garantir uma solução política, que permita a israelitas e palestinianos viverem em paz e sem muros, numa solução de dois Estados.

Mas, para uma solução de dois estados, é preciso que ambos sejam reconhecidos. Portugal tem tardado a reconhecer a Palestina. É agora o momento de o fazer e de, com Espanha, puxar a União Europeia para que também o faça.

A solução política não pode ser feita sobre escombros. Jorge Moreira da Silva, o subsecretário-geral da ONU, chocado com o nível de destruição, com mais de metade das casas e das escolas desaparecidas, alertou que Gaza recuou 20% no Índice de Desenvolvimento Humano. A paz exige a reconstrução urgente de Gaza e a comunidade internacional tem de mobilizar recursos para reconstruir as infraestruturas, os hospitais, as escolas, as casas que estão a ser dizimados, com a Autoridade Nacional Palestiniana e com o povo palestiniano. Já os escombros do trauma serão bem mais difíceis de reconstruir, num povo oprimido há décadas e que vive agora um sofrimento coletivo imenso que se prolongará durante gerações. Vai ser preciso um esforço coletivo global para garantir que palestinianos e israelitas possam viver livres e em paz. Mas nada começa sem um cessar-fogo definitivo.

* N.º 2 da lista de candidatos a deputados pelo Livre em Lisboa em 2022

Sem comentários:

Mais lidas da semana