segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Não quero viver esta História -- Raquel Moleiro, aterrorizada, no Curto do Expresso

Raquel Moleiro, jornalista | Expresso (curto)

Bom dia

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Por estes dias sinto-me como se o livro de História do Secundário tivesse ganhado vida, ou tivéssemos todos sido sugados para o seu interior, tipo Jumanji, e acordássemos num tempo longínquo em que há uma guerra na Europa e um genocídio a acontecer, em que se pode invadir um país independente por mais terra e poder, em que a resposta a um ataque bárbaro justifica tudo sem olhar a vítimas, regras ou direitos humanos. O mundo assiste dividido em alianças egoístas, sem que os esforços diplomáticos consigam pouco mais que nada, na Ucrânia como em Gaza. Num e noutro território morre-se. Muito. De ambos os lados da barricada.

Amanhã, completa um mês que ocorreu o ataque terrorista do Hamas a Israel, que fez 1400 vítimas e mais de 200 reféns. A retaliação, imediata, terá já causado a morte a 9770 pessoas na Faixa de Gaza, das quais 4800 crianças e 2550 mulheres, divulgou ontem o Ministério da Saúde palestiniano.

Da incursão terrestre das forças israelitas, iniciada a 27 de outubro, só se conhece o balanço militar: já terão chegado a Gaza, a principal cidade do estreito território de 365 quilómetros quadrados, e conduzido ataques a 2500 “alvos terroristas”. Prédios, túneis, campos de refugiados, ambulâncias, hospitais. Não há lugares sagrados. E não vão parar. “As Forças de Defesa de Israel (IDF) vão atacar os líderes do Hamas onde quer que estejam. Somos um país que cumpre o direito internacional mas estamos a lidar com uma organização assassina que cometeu um massacre”, justificou o porta-voz Daniel Hagari, mostrando provas de esconderijos e zonas de lançamento de mísseis em instalações hospitalares.

Quando a noite se pôs, as linhas telefónicas e de Internet foram novamente cortadas em Gaza, pela terceira vez desde o início do conflito. Segundo o jornal Haaretz, o objetivo é cercar a cidade em 24 horas. Quando estiver a ler este Expresso Curto faltarão cerca de 12 horas para o objetivo. Depois começa o combate rua a rua, nos prédios e nas redes de túneis. Os militares garantem ter cortado a cidade em dois e que ataques significativos estão em curso.

Pouco depois do apagão tiveram início intensos bombardeamentos a norte, que de tão fortes se sentiram no extremo sul. Aí, desde sábado, o Egito mantém fechada a fronteira de Rafah a novas saídas de cidadãos estrangeiros e feridos. De acordo com a ONU, há 1,5 milhões de pessoas deslocadas internamente na Faixa de Gaza. Mais de 710 mil pessoas estão abrigadas em 149 instalações geridas pelas Nações Unidas, 122 mil refugiadas em hospitais, igrejas e edifícios públicos e 110 mil pessoas em 89 escolas.

Ontem, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken esteve na Cisjordânia com o Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, que garantiu estar preparado para assumir o controlo de Gaza após uma eventual derrota militar do Hamas, a que se seguiu uma visita surpresa a Bagdad. Esta segunda-feira está na Turquia para se encontrar com o seu homólogo Hakan Fidan, ao mesmo tempo que o secretário-geral da NATO se reúne com o rei Abdullah II da Jordânia, um dia depois do monarca receber, em Amã, seis ministros dos Negócios Estrangeiros de países árabes que vão coordenar posições em relação à guerra.

Mas a resolução do conflito não estará próxima. “Não haverá cessar-fogo sem o regresso dos nossos reféns, dizemos isto tanto aos nossos inimigos como aos nossos amigos. Continuaremos até os derrotarmos”, garante o presidente de Israel, Benjamin Netanyahu. “A ansiedade dos israelitas palpa-se e sente-se nas vozes, nas conversas, nos silêncios em frente aos memoriais. O país está em guerra e na guerra há morte e um inimigo que não desarma. E que terá de ser, segundo a ideologia militar deste país, destruído. Até ao fim. Custe o que custar”, relata a Clara Ferreira Alves, diretamente de Telavive.

Durante o fim de semana, nas ruas de Londres, Berlim, Istambul, Berna, Oslo e Jacarta, largos milhares de manifestantes pediram o fim dos ataques na Faixa de Gaza. Em Lisboa, na sexta-feira, o relvado da Alameda foi plantado com bandeirinhas palestinianas, uma por cada vítima do conflito.

Entre tantos apelos à Paz em Gaza, fica aqui o último, do Papa Francisco, proferido ontem após a oração do Angelus diante de milhares de fiéis reunidos na Praça de São Pedro: “Peço-vos, em nome de Deus, que parem, cessem o fogo. Espero que todas as possibilidades sejam exploradas para que o alargamento do conflito seja absolutamente evitado, que os feridos possam ser ajudados, que a ajuda possa chegar a Gaza, onde a situação humanitária é muito grave e que os reféns sejam libertados imediatamente”.

Estará alguém a ouvir?

Na Ucrânia continuam também a soar as armas, apesar de mais abafadas nas prioridades diplomáticas e nos media pela concorrência a Oriente. Em entrevista à NBC, Volodymyr Zelensky reconhece que o conflito está “numa situação difícil”, mas não num impasse. A linha da frente, com mais de mil quilómetros de extensão, mal se moveu durante quase um ano, apesar da contraofensiva que Kiev tem travado desde junho para tentar libertar os territórios ocupados no Leste e no Sul. E o inverno está a chegar.

Quanto a conversações, o presidente ucraniano declarou não ter no momento qualquer relação com os russos. "Não estou pronto para conversar com terroristas, porque a palavra deles não vale nada", disse o presidente da Ucrânia à cadeia dos EUA. “Eles conhecem a minha posição", afirmou o chefe de Estado, acrescentando que o exército deve primeiro abandonar o território, e "só então o mundo poderá iniciar o processo diplomático".

Este fim de semana, um ataque ucraniano atingiu um navio russo com mísseis cruzeiro Kalibr na cidade portuária de Kerch, na Crimeia. Putin, por seu lado anunciou que testou com sucesso um míssil balístico intercontinental, com um alcance de 8 mil quilómetros e capaz de transportar 10 ogivas, disparado a partir de um submarino. O lançamento ocorreu três dias após a Rússia ter revogado a ratificação do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares.

Estará alguém a olhar para lá?

OUTRAS NOTÍCIAS

Desacordo médico. Terminou sem acordo a nova ronda negocial entre os sindicatos dos médicos e o Governo e há novo ‘embate’ marcado para quarta-feira, às 10h30. Este fim de semana vários hospitais funcionaram com fortes constrangimentos. As urgências de cirurgia geral estiveram fechadas no Médio Tejo, Santarém, Loures e Garcia de Orta (Almada). O Hospital Amadora-Sintra não teve anestesistas na Urgência. A Norte, o São João, assegurou a assistência cirúrgica de sete hospitais. Urgência de Ortopedia e os cuidados intensivos são os serviços mais afetados em Vila Nova de Gaia e Espinho. No Hospital da Guarda já falta quase tudo.

Contra o IUC. O aumento no Imposto Único de Circulação, previsto no Orçamento de Estado para 2024, juntou este domingo milhares de motociclistas e automobilistas em protestos por todo o país, tendo sido em maior número em Lisboa.

PCP abaixo-assina… O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, revelou que o primeiro-ministro vai receber um abaixo-assinado com 100 mil subscritores a exigir uma inversão das políticas do Governo, e acusou PS e a direita de terem as mãos manchadas nas privatizações.

Alerta Lisboa. A sirene de alerta de tsunami da Praça do Império, em Belém, Lisboa, vai ser acionada na segunda-feira, no âmbito de um exercício para testar o alerta e o grau de prontidão do sistema municipal de aviso. O exercício Newwave'23 vai decorrer entre as 8h e as 14h30.

Cartão vermelho. Tem início esta segunda-feira o julgamento do processo ‘Ajuste Secreto’, que envolve o ex-vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol Hermínio Loureiro e mais 64 arguidos, a quem são imputados 890 crimes de corrupção passiva e ativa, peculato, abuso de poderes, tráfico de influências, falsificação de documentos, violação de segredo, participação económica em negócio, prevaricação e detenção de arma proibida. O processo está centrado na Câmara de Oliveira de Azeméis e em Hermínio Loureiro, que presidiu àquela autarquia entre 2009 e 2016.

Trump is back? A um ano das eleições presidenciais norte-americanas, uma sondagem publicada pelo New York Times coloca o potencial candidato republicano Donald Trump à frente do Presidente Joe Biden em cinco de seis Estados-chave.

18 horas de sequestro. Terminou sem feridos, o sequestro de uma criança de 4 anos pelo pai no aeroporto de Hamburgo, na Alemanha. O homem, de 35 anos, entrou na pista de carro, disparou tiros e lançou explosivos, para tentar embarcar para a Turquia, na sequência de um conflito de custódia.

É ter sorte. Estreia hoje a nova lotaria europeia “Eurodreams”. Primeiro prémio dá €20 mil euros por mês durante 30 anos. Sorteios serão às segundas e quintas-feiras.

FRASES

"O aumento de incidentes antissemitas em toda a Europa nos últimos dias faz lembrar alguns dos períodos mais sombrios da história"
Comissão Europeia, em comunicado, na sequência de vários casos em França, Áustria e Espanha.

“Uma democracia tem de atuar no quadro da democracia, mesmo em tempos de guerra”
Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, referindo-se aos ataques de Israel na Faixa de Gaza, depois de duramente criticado por declarações anteriores sobre o conflito

“Não fiz. Não falei ao primeiro-ministro, não falei à ministra [da Saúde], não falei ao secretário de Estado, não falei ao diretor-geral, não falei à presidente do hospital, nem ao conselho de administração nem aos médicos”
Idem, a responder a uma notícia veiculada pela TVI de uma suposta ‘cunha’ do presidente para um tratamento dispendioso de duas gémeas no Hospital de Santa Maria

"Por um lado temos a crise na saúde, que enche os noticiários no dia-a-dia, é dramática e é uma crise de falta de planeamento. Temos a crise da habitação, que agora está um pouco menos falada porque estamos ocupados com o que se passa na Palestina e na Faixa de Gaza, e vamos ter a muito curto prazo a crise da água"
Nuno Loureiro, investigador da Universidade do Algarve, a alertar para a situação grave no Algarve e Alentejo

O QUE ANDO A LER

Foi a entrevista do Bernardo Mendonça ao escritor Nelson Nunes, no podcast ‘A Beleza das Pequenas Coisas’ que me chamou a atenção para o livro que comecei agora a ler. ‘Preciosa’ (Editora Planeta, 2019) foi o seu primeiro romance, meio verdade meio ficção, onde conta a história de violência doméstica que ele e a mãe sofreram quando o autor era ainda criança.

Ele é o Marco, ela a Esmeralda, a Preciosa que os salvou porque teve a coragem de fugir de Isaac, o agressor. São nomes literários para vivências reais, dez anos em fuga, múltiplas casas, incontáveis agressões, autoridades policiais permissivas - “Vá para casa e entenda-se com o seu homem. Nós tratamos de crimes, não somos conselheiros matrimoniais”.

No livro, Marco pergunta: “Sobreviremos à ira do pai, mamã?” Ao homem que diz amar a mulher. "Costuma verbaliza-lo depois de uma sessão de pancada com cinto, cabo de vassoura ou apenas com as suas mãos rijas e fortes. A seguir pede desculpa, diz-lhe que a ama e seca-lhe as lágrimas com um sopro e palavras bordadas de empatia, compreensão, arrependimento”. “Sempre que ele lhe batia, Esmeralda convencia-se de que a morte estava mais próxima. Numa tarde de folga, correu para casa tomada por uma ideia aterradora: queria saber se, além do faqueiro de cozinha, Isaac podia deitar mão a outra qualquer “arma” que lhe ditasse a sentença de morte. Acabou por encontrar uma caçadeira no cimo do roupeiro do quarto”.

Na vida real, mãe e filho sobreviveram. Ficaram as memórias, duras, mas também o orgulho da força da libertação. Ficou a palavra pai sempre com sentido mau, ficou aquela pistola que aos quatro anos ele lhe mostrou numa tasca com que ia matar a mãe. "Escrevi sobre essa experiência para dar esperança às mulheres e mostrar-lhes que é possível saírem dessa situação. Para não dar mais mundo negro a quem naquele horror. Nem todos os casos acabam em morte no telejornal. Com mazelas e traumas é possível saírem dessa situação”, conta o escritor Nelson Nunes no Podcast do Expresso.

Este sábado, a Comissão para a Igualdade do Género (CIG) publicou os últimos indicadores estatísticos sobre os crimes cometidos em contexto de violência doméstica em Portugal: só este ano, até ao fim de setembro, foram participadas à PSP e GNR 23.306 ocorrências, com os números a aumentarem a cada trimestre e superiores aos registados no ano passado.

Há mais de cinco mil vítimas com teleassistência e 1478 acolhidas em casa-abrigo. O combate falhou para 18: um homem e dezassete mulheres foram assassinadas. Mas nunca como agora houve tantos reclusos a cumprir pena por este crime (1322), seja em prisão preventiva seja em efetiva, nem a cumprir medidas de coação (1211), a maioria com vigilância eletrónica.

PODCASTS (sugeridos pela equipa Multimédia)

O Programa Cujo Nome Estamos Legalmente Impedidos de Dizer deixa um mandamento: "trolai-vos uns aos outros". Esta semana, percebeu-se que não é só Marcelo, o traquinas, que os amigos recordam a tocar às campainhas das portas e a fugir. João Galamba, o ministro que o Presidente da República quis ver despedido, e o próprio primeiro-ministro, ao escolhê-lo para encerrar o debate da proposta de orçamento na generalidade, demonstraram que trolam e trolarão com tanto à vontade como trolou em tempos o agora mais alto magistrado da nação.

Se os médicos não forem devidamente remunerados, ou saem para o estrangeiro ou saem para o privado, diz Luís Marques Mendes. Esta semana, o comentador deixa um apelo relativamente às negociações com os médicos: “Era muito importante Governo e sindicatos fazerem um esforço para se entenderem. Tem de haver cedências de parte a parte, em nome de um bem maior, que é o SNS. É preciso dar um sinal de ultrapassagem desta crise. Dum lado e do outro tem de haver aproximações. A política é a arte do possível”.

Para terminar, oiça o Expresso da Manhã de hoje. Esta quarta-feira, a Comissão Europeia deverá anunciar a abertura de negociações para a adesão da Ucrânia e da Moldávia. Na fila para entrar já estão seis países, o que fará da UE um clube que pode chegar aos 35 membros. É preciso reformar as instituições, alterar a forma de votar, com menos decisões por unanimidade e mais por maioria qualificada? À procura de respostas, neste episódio, Paulo Baldaia conversa com a correspondente do Expresso e da SIC em Bruxelas, Susana Frexes.

Este Expresso Curto fica por aqui. Desejo-lhe uma ótima semana. A atualidade segue no Expresso.

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