sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Angola | A Balada dos Cleptocratas Milionários – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Janeiro de 1975. A Cimeira do Alvor tinha acabado com o acordo assinado. Regressámos a Lisboa, mas Luanda só dois dias depois porque Agostinho Neto aceitou uma proposta da Casa de Angola para uma reunião com jovens angolanos que estudavam em Portugal. Os jornalistas foram convocados. O almoço desse dia gelado foi na Casa Faz Frio, convite que me foi feito pelo Almirante Rosa Coutinho. Rui de Carvalho e Joaquim Kapango acompanharam-me. O ainda presidente da Junta Governativa de Angola (no fim do mandato) recordou: “Os EUA e o Zaire não querem o MPLA no poder. Apesar do Acordo de Alvor eles não vão desistir”.

A reunião entre a delegação liderada por Agostinho Neto e os estudantes angolanos correu bem. Os mais entusiastas queriam regressar imediatamente a Angola. Agostinho Neto pediu aos que estavam em fase mais avançada dos estudos superiores que concluíssem primeiro os seus cursos. Os que estavam no início sim, se regressassem a Angola podiam ser uma ajuda importante, porque a debandada dos quadros portugueses já tinha começado.

O entusiasmo da reunião confirmou-se. Vários jovens regressaram a Angola antes da tomada de posse do Governo de Transição. Outros apareceram no início de Fevereiro. Entre esses angolanos de “torna viagem” estavam alguns que hoje são multimilionários. Ainda bem. Por razões que a própria razão desconhece, sendo jovens sem ofício nem oficina, alguns foram parar ao Ministério da Informação, liderado por Manuel Rui e cujo comissário político era Luís de Almeida, mais tarde um grande diplomata angolano. 

Um desses jovens chama-se Aguinaldo Jaime. Já pendurou ao pescoço mil tachos e hoje tem o tachão da UNITEL com os respectivos milhões e mordomias. Nessa função contratou um tal Paul Sinclair como advogado da empresa, numa acção contra Isabel dos Santos, fundadora, antigas PCA e accionista de referência da mais bem-sucedida empresa angolana de telecomunicações.

O advogado Sinclair tem na agenda todos os argumentos do João Soares e outros activistas do lóbi da UNITA em Portugal. Numa audiência no Supremo Tribunal de Londres, o representante da UNITEL/Aguinaldo Jaime, citou o Presidente João Lourenço, atribuindo-lhe uma acusação gravíssima: O seu antecessor, José Eduardo dos Santos, desviou dos cofres do Estado 24 mil milhões de dólares. 

A UNITEL reclama da empresária Isabel dos Santos uma dívida de 395 milhões de dólares por alegados empréstimos que não pagou. A telefónica agora propriedade do Estado Angolano acusa a antiga PCA e accionista de referência de “cleptocracia”. O Aguinaldo Jaime chegou a Luanda seco, roupa coçada, com uma mão atrás e a outra à frente estendida às esmolas é o quê? E se não tocou no dinheiro do Estado, alguma vez denunciou publicamente a cleptocracia existente em Angola entre 1979 e 2017? Alguma vez se apresentou de corda ao pescoço à porta da prisão de Viana? Nunca. Continua com os cofres à disposição!

O advogado Sinclair apresentou no Tribunal de Londres um “perfil” de Isabel dos Santos e explicou como era a “cleptocracia” quando o Presidente José Eduardo dos Santos governava Angola. Disse ao juiz que a empresária tinha uma vida luxuosa e por isso chamavam-lhe a “Princesa”. Todo este paleio de boçal foi preparado pelo Aguinaldo Jaime, alto beneficiário da “cleptocracia”. O rapazito faminto que depois de 1992 virou trimilionário!

O advogado da UNITEL disse ao senhor juiz:” Isabel dos Santos quer convencer o Tribunal de que a sua imensa riqueza deriva de uma história de conto de fadas, de trabalho duro, imaginação e espírito empreendedor, embora, na verdade, a sua história seja um conto clássico de cleptocracia, nepotismo e corrupção”. O Aguinaldo sabe como subiu de rapazola teso que nem um carapau seco, a multimilionário. Um clássico.

Paul Sinclair garantiu ao juiz que a vida da empresária Isabel dos Santos "é uma história de espoliação de activos, deslocalização e casamentos por influência, uma vez que o seu pai, o falecido Presidente José Eduardo dos Santos, roubou 24 mil milhões de dólares do Estado Angolano”. E convidou o juiz a ler a página 76 da acusação, onde há um artigo do jornal Financial Times, que diz no segundo parágrafo: “O actual Presidente de Angola, João Lourenço, estima que a escala do saque do pai de Isabel dos Santos seja de 24 mil milhões de dólares”. O juiz, que não andou na escola do banditismo político e mediático, espondeu: “Essa é uma estimativa de um senhor, nada mais que isso”.

Mas o advogado Sinclair, da UNITEL/Aguinaldo Jaime, insistiu: "Isso é verdade. É o que ele diz. Ele é o Presidente de Angola, ele foi a pessoa próxima ao pai dela. João Lourenço estima o saque em 24 mil milhões. O jornal Financial Times informa que Angola era considerado um dos países mais corruptos do mundo. Na verdade, foi classificado, na época do Presidente José Eduardo dos Santos, em 157º lugar entre 176 nações classificadas pelo Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, que o meritíssimo provavelmente conhece”.

Primeiro. O Aguinaldo Jaime deve mostrar publicamente que os seus mundos e fundos foram ganhos honestamente.

Segundo. João Lourenço tem a obrigação de explicar numa espécie de “discurso sobre o estado da minha fortuna”, como comprou as casas e mansões. As fazendas. Como obteve os milhões. 

Terceiro. O jornal Financial Times vende espaço e a preço elevado. Quem pagou a “notícia” citada pelo Sinclair no Supremo Tribunal de Londres? Eu não fui. 

Quarto. Essa coisa tenebrosa chamada Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional é uma arma que o estado terrorista mais perigoso do mundo usa para fazer chantagem sobre os governos que não se rendem ou recusam oferecer os seus recursos naturais para a realização do “sonho americano”. “Índice de percepçáo” não é corrupção. 

Por isso, os advogados da empresária Isabel dos Santos classificaram as acusações como “forjadas, politizadas, uma campanha política para desacreditá-la e uma vingança” contra a sua cliente. 

O pai querido bandido, também conhecido por Gaspar, usou o mesmo argumento da “cleptocracia” durante a governação do Presidente José Eduardo dos Santos num processo da Sonangol contra a antiga PCA da empresa, Isabel dos Santos. O banditismo não tem limites! Mas eu vou contar como correu uma reunião do Bureau Político do MPLA, quando o Presidente José Eduardo liderava o partido. Era uma reunião extraordinária. Todos os membros presentes. O líder abriu assim:

Convoquei esta reunião porque constactei que há desvios de dinheiro dos cofres públicos. (Pausa. Um a longa pausa). Há grandes desvios de dinheiro! (Nova pausa longa). Grandes desvios de dinheiro. (Alguns participantes na reunião começaram a ficar nervosos). Aqui estão camaradas que fazem esses desvios. (Tosses secas, mãos nervosamente entrelaçadas) Vamos todos discutir como acabar com esses grandes desvios de dinheiro. (Pausa ainda mais longa).

Ninguém apresentou uma proposta para acabar com os grandes desvios de dinheiro. Ainda que todos tenham apoiado o líder: Sim, é preciso acabar com os grandes desvios de dinheiro dos cofres públicos. 

À falta de propostas concretas acabou a reunião de forma inconclusiva.

Um dos membros do Bureau Político, também presente na reunião e na época vice-presidente da Assembleia Nacional, chama-se João Lourenço. Já tinha ao seu serviço vários jornalistas “amigos”. Denunciou? Demitiu-se do Parlamento e da direcção do partido? Não. Continuou a desfrutar da “cleptocracia”. Em grande e a dois carrinhos.

João Lourenço ganhou toda a sua fortuna como deputado? Como ministro da Defesa? Herdou os milhões dos pais? Já era milionário no tempo do colonialismo? Já tinha mundos e fundos quando era “Faplinha” em Cabinda? A senhora sua esposa era milionária? Ganhou os milhões como ministra? 

Por fim, a pergunta que se impõe e exige resposta imediatamente: Por que razão o cidadão João Lourenço, dirigente do MPLA, deputado e membro do Governo nunca denunciou a cleptocracia? 

Hoje sabemos a quem deu jeito o banditismo mediático e político executado pelos criados de George Soros e da CIA. Está explicada a condecoração a Rafael Marques. O prémio ao Agualusa. E a “reabilitação” do Miala. Este tem de explicar muito bem o esquema de negócios montado na TPA na área do entretenimento e da publicidade. É muito dinheiro movimentado por baixo da mesa! Qualquer dia num qualquer tribunal, João Lourenço, seus mialas e aguinaldos vão ser acusados de cleptocracia e terão mabecos mordendo-lhes as canelas. 

Cada vez tenho mais consideração pelas angolanas e angolanos que foram prejudicados no tempo do Presidente José Eduardo dos Santos e estão em silêncio, respeitando aquele que durante muitos anos governou Angola. Era Santos não era santo. Cometeu muitos erros não era deus. Mas legou-nos um país em paz e com pernas para andar. Merece o respeito de todas as angolanas e todos os angolanos com o sentido da decência.

* Jornalista

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