terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Angola | Julgamentos de Televisão e o El Niño -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Muitos membros das elites portuguesas são refractários ao regime saído do 25 de Abril. Quando são confrontados com os valores da democracia puxam logo da pistola. Mas não gritam “viva la muerte”, matam imediatamente os que ousam exigir respeito ou manifestam a sua opinião. Não vou cometer a injustiça de condenar, num julgamento sumário, aqueles que são herdeiros de séculos e séculos de relações criminosas com os angolanos. Se o fizesse estava a analisar as sequelas do colonialismo, com a superficialidade que eles ostentam orgulhosamente, quando falam de Angola independente. 

Os revolucionários de Abril foram sinceros quando inscreveram no programa do MFA a independência total e imediata das colónias portuguesas. Militares como Rosa Coutinho, Correia Jesuíno, José Emílio da Silva, Pezarat Correia, Fonseca de Almeida e muitos outros impuseram na fase de transição até à Independência Nacional, a pureza do 25 de Abril, segundo Otelo e seus camaradas de armas. Mas algumas elites políticas apenas fingiram aceitar o programa de descolonização. Tirando os partidos que sempre lutaram ao lado do MPLA, da FRELIMO e do PAIGC, todos os outros se embrulharam em jogos bélicos impostos pela CIA de Frank Carlucci e Mário Soares, que resultaram na tragédia que vivemos até à Paz de Luena. 

Portugueses e angolanos sabem quem são as elites políticas de Lisboa que instrumentalizaram os “retornados” contra Angola. Que serviram ou apoiaram entusiasticamente todos os golpes engendrados pelas potências Ocidentais para que o nosso país se vergasse a projectos neocolonialistas. Stockwell dá nota dessas movimentações no livro “A CIA contra Angola”. Os arquivos do regime de “apartheid” de Pretória encerram as provas de um colaboracionismo vergonhoso, a partir de Lisboa. Os partidos do “arco do poder” em Portugal forneceram apoio político e militância activa aos carcereiros de Mandela. 

Aquele avião que caiu na Jamba, com carga a mais em diamantes e marfim, é a prova evidentíssima da traição e da ignomínia.

O que lá vai, lá vai. Quando as feridas são profundas, o melhor é esquecer. Mas enquanto os angolanos abrem os braços ao Povo Português, elites de Portugal mexem nas feridas até fazer sangue. Impingem-nos o Doutor Tuti Fruti e outros capangas com doutoramentos pendurados ao pescoço. 

Não aprenderam nada com a guerra dos Dembos, a batalha do Grande Cuamato, onde tombou o conde de Almoster, comandante das tropas de ocupação, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março de 1961, a Rota Agostinho Neto, as áreas libertadas de Cabinda e do Leste, as células clandestinas entre os jovens universitários, o patriotismo dos angolanos que serviam nas fileiras do Exército Português e em 1974 mudaram para sempre o rumo dos acontecimentos, no período de transição para a Independência Nacional.

Alguns membros das elites portuguesas têm um comportamento mesquinho e provinciano. Sofrem da síndrome do capataz sem chicote. São incultos e superficiais. Sobrevivem à custa de relações mafiosas onde ganha quem mais rouba no peso e na medida. É vitorioso quem dá o dito pelo não dito, quem mais promete e não cumpre. Os seus dias estariam contados se não tivessem à mercê uma comunicação social domesticada, que ostenta orgulhosa, as suas coleiras da submissão. 

Alguns membros das elites portuguesas vivem de uma “imprensa amiga” que se alimenta de migalhas e se vende à linha ou ao segundo. Os políticos do “arco do poder” invadiram o jornalismo e os jornalistas vivem em concubinato com o poder político. O poder económico entrega a orquestra a um qualquer maestro de turno, que vai fazendo de quase todos os órgãos de comunicação social, cemitérios dos valores éticos e deontológicos dos jornalistas. 

Em Portugal a liberdade de imprensa é ditada pelo pior das elites políticas e económicas. Olhem para o Barqueiro do Douro que rema na TVI/CNN Portugal. Para o Galinha e o Mosquito animais peçonhentos do Global Media Group. Neste quadro de tragédia, surgem as autoridades encarregadas da investigação e acção penal. Fazem dos jornalistas agentes provocadores ou bufos. E dos órgãos de comunicação social tribunais de última instância. 

O jornalismo português está condenado a prisão perpétua. Enquanto não se libertar do banditismo político que domina Portugal, será sempre uma arma de arremesso contra a democracia. Posso afirmar, sem medo de ser desmentido seja por quem for, que a comunicação social portuguesa foi responsável pela prolongada rebelião armada que vivemos em Angola depois da Independência Nacional. E agora apoia o regresso do fascismo.  Esperem para ver quem está no poder nos 50 anos do 25 de Abril!

Ninguém pode aceitar que os titulares da investigação e acção penal em Portugal alimentem a comunicação social com “notícias” que põem em causa a honra e o bom-nome de cidadãos, sejam eles quem forem. A violação do segredo de justiça é praticada desalmadamente por quem tem o dever de impedir esse crime.

O Tio Célito é figura que me desagrada até ao enjoo. Não vejo nele qualquer qualidade digna de nota. Registo seus públicos defeitos. Porém está a ser vítima de uma campanha pública que é mil metros abaixo do jornalismo de sarjeta, a propósito do tratamento médico de duas meninas portuguesas, irmãs gémeas nque têm uma doença raríssima. Se é verdade que moveu empenhos para que fossem tratadas, ele fez a única coisa digna de aplauso na sua vida política. Está a provar o veneno que usou contra outros políticos, entre os quais António Costa. Mas fez muito bem se colaborou no tratamento das duas meninas portuguesas.

O super el Ninño continua a causar grandes desastres entre nós. Não há força humana que trave os seus efeitos devastadores. Não temos um saneamento básico digno desse nome. Governos Provinciais, Administrações Municipais ou Comunais são meras estruturas políticas, têm uma dimensão técnica insignificante. Construções anárquicas, muitas em zonas de alto risco, podem fazer do super el Niño uma grande tragédia, até Março do próximo ano. 

Governadores, administradores, agentes da Protecção Civil têm de encarar o problema de frente. Esqueçam a propaganda e a conversa fiada ante as câmaras de televisão. Protejam as vidas humanas e seus bens. Os efeitos do el Niño este ano vão ser devastadores em toda a região equatorial. Vai cair muita chuva vinda do mar mas também do Planalto Central.

*Jornalista

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