terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Angola | Memória do Café da Noite sem Bagaço – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Sebastião Coelho (foto à esquerda) foi um dos maiores radialistas angolanos. Ao nível dele só conheci Santos e Sousa ou Norberto de Castro. Começou a carreira profissional no Rádio Clube do Huambo, sua terra natal, onde realizou e produziu, nos anos 50, o programa Cheque Mate, primeiro na Rádio Angolana em que os ouvintes interagiam com o estúdio. Na antena da Rádio Eclésia - Emissora Católica de Angola lançou o Café da Noite, um dos mais populares e de maior audiência da Rádio Angolana. 

Nesta altura Sebastião Coelho virou empresário ao criar os Estúdios Norte. Nos anos 60 lançou a editora discográfica “CDA” que teve um papel fulcral na difusão da música popular urbana. Também publicou dois livros, “Informação de Angola” (1977) e “Angola. História e Estórias da Informação” (1999). Trabalhei com ele mas também com os outros dois realizadores independentes na antena da Rádio Eclésia: Zé Maria (Luanda) e Brandão Lucas (Equipa). Ele não gostou que o trocasse pela concorrência. Mas ficou ainda mais zangado quando trabalhei com Norberto de Castro no inigualável programa “Paralelo 9”. Ciúmes artísticos afastavam os dois gigantes da Rádio.

A cobertura da cimeira do Alvor afastou-o para sempre de mim. Sebastião Coelho estava presente na cimeira a convite do presidente da Junta Governativa de Angola, Almirante Rosa Coutinho. Mas já não tinha os seus Estúdios Norte nem estava aos comandos do programa Café da Noite. Os esquadrões da morte (FRA) invadiram as instalações, partiram tudo e ele escapou da morte porque andou a fugir pelos telhados da Travessa da Sé! 

Sebastião Coelho ia todos os dias ao nosso estúdio, montado num dos quartos do Hotel D. João II, fazer um comentário sobre a cimeira, para a Emissora Oficial de Angola. Teve um diferendo com Francisco Simons. Exigia fazer o seu comentário em directo e o Chico disse-lhe que em directo só ele e o Horácio da Fonseca! Eu dei razão ao meu colega. Ficou tão zangado que acabou ali a colaboração e nunca mais me falou. No seu livro “Angola. História e Estórias da Informação” ele diz de mim o que Maomé nunca disse do toucinho fumado. 

As estrelas são assim. Sebastião Coelho e João Canedo (sonoplasta) construíram edifícios sonoros com uma dimensão estética inigualável. Fizeram Rádio a um nível superior. Só posso dizer bem deles. E agradecer-lhes por tudo o que deram aos amantes da Rádio, como eu. Pelo que deram à Rádio Angolana.

O Centro de Formação de Jornalistas do Huambo foi inaugurado ontem pelo Presidente da República. Já me pronunciei sobre os equívocos tornados públicos pelo director-geral. Hoje confirmei. Vão mesmo fazer daquela estrutura um lugar de extorsão de “propinas” às famílias de jovens que sonham ser jornalistas. Saem de lá com um papel mas sem saberem nada da profissão. Mais reprodução da mediocridade. Mais equívocos.

Sebastião Coelho é um jornalista do Huambo. Fez Rádio de alto nível no Huambo. É o maior de todos os que nasceram naquela província e um dos maiores de Angola e do mundo. Um produto acabado da fabulosa escola do Jornalismo Angolano. Se o Centro Cultural do Huambo foi baptizado com o nome de Manuel Rui, por maioria de razão o Centro de Formação de Jornalistas devia ser baptizado com o nome do criador do programa radiofónico Café da Noite. O qual não. 

O auditório tem o nome de Gabriela Antunes, natural do Huambo. Professora de inglês e alemão. Minha amiga. Nunca foi jornalista. Nunca trabalhou nos Media angolanos. Mas como criou um curso médio de jornalismo, que fez descer dramaticamente o nível profissional dos jornalistas angolanos, foi homenageada. Os jornalistas são quadros superiores das empresas jornalísticas, não são pedreiros. Não são electricistas. Não são impressores. Não são gráficos Não são escriturários.

Sebastião Coelho foi ignorado num momento em que o poder instituído tinha bom pretexto para homenageá-lo. Fico muito triste. Porque um dos maiores radialistas do mundo é filho do Huambo. Começou a sua carreira profissional no Rádio Clube do Huambo, na altura em que pontificava na emissora, a grande Joana Campino. 

Lá no acento etéreo onde subiste, meu caro Sebastião, deves estar a dizer mal de mim. Estás a dizer que sou um hippy falhado, um universitário convencido e só sei redigir notícias para a Rádio porque tu me ensinaste a escrever ao ritmo da respiração. Sou tudo o que quiseres, mas tenho saudades de ti. Do teu profissionalismo. Da tua voz inconfundível. Dos teus edifícios sonoros.  

Se arranjar um dinheirito vou montar no Bairro São João, junto à casinha da Família Cardim Pinto, uma kitanda para vender tortulhos, com um nome sonante: Sebastião Coelho. Eles não sabem que foste um dos maiores radialistas do mundo. Por isso não têm orgulho por seres nosso. Angolano. Venha daí uma xícara de café. Mas sem cheirinho de bagaço. Os médicos dizem que as bebidas brancas me fazem mal aos ouvidos, já tão castigados pelo chinfrim que fazem com a etiqueta de Rádio!

Hoje vai mais um texto que produzi para a formação dos jornalistas do Jornal de Angola.

* Jornalista

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