terça-feira, 16 de janeiro de 2024

JORNALISMO ANGOLANO - Imprensa Industrial e o Perfume da Rádio – Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

O Jornal de Angola é o decano dos órgãos de informação de Angola. Em 8 de Outubro de 1914 nasceu em Luanda um semanário intitulado A Província dirigido por Francisco Pereira Batalha, um jornalista tomado de empréstimo aos Correios e que foi correspondente do então prestigiadíssimo jornal português O Século. Mas já em 1893 havia surgido em Luanda um semanário com o mesmo nome. 

Em 16 de Agosto de 1923 nasceu o semanário A Província de Angola, periódico que congregou largos recursos financeiros entre entidades bancárias, empresas agrícolas e abastados comerciantes de Luanda. Foi fundado por Adolfo Pina, o seu primeiro director. Começou por ser impresso na velha Tipografia Mondego que ainda existia no início dos anos 60. 

No ano seguinte, a 5 de Junho de 1924, o jornal A Província de Angola começou a ser impresso em oficinas próprias com casa de obras e onde ainda hoje funciona. Nesta altura o jornal passou a bissemanário (Agosto de 1924). Menos de um ano depois da sua fundação, o jornal passou a ser o símbolo do jornalismo industrial e o seu quadro redactorial já era profissional.

O jornal A Província de Angola foi subindo passo a passo os degraus do sucesso. A partir de 4 de Outubro de 1926, o periódico deu um dos mais importantes passos no seu percurso, passou a diário da tarde, formato tabloide. Mas a 15 de Agosto de 1933, voltou a formato clássico e passou a ser um diário da manhã. Nessa altura morreu Adolfo Pina, fundador e director do jornal. 

O dia 15 de Agosto era na época o Dia da Cidade e por isso, alguns dos momentos mais marcantes da vida do jornal ocorreram nessa data, altura em que aconteciam as festas de Nossa Senhora da Assumpção de Loanda.

A empresa proprietária do jornal foi fundada em 10 de Julho de 1923 com a designação de Empresa Gráfica de Angola, uma sociedade por quotas. Um ano depois, foi transformada em sociedade anónima e as acções subscritas por Adolfo Pina, Banco Nacional Ultramarino (ainda não existia o Banco de Angola), Companhia do Amboim, Companhia Agrícola do Kazengo e os comerciantes Agostinho Borges da Cunha, José Antunes Farinha Leitão (fundador da Associação Comercial de Luanda) e Manuel do Nascimento Pires. 

Adolfo Pina nasceu no Porto e embarcou para Angola em 1910, fixando-se em Benguela onde fundou um jornal - O Distrito de Benguela - e desenvolveu grande actividade jornalística. Casou com uma senhora negra e dela teve uma filha. Já muito doente partiu para Lisboa à procura de remédio para a sua doença mas pouco tempo depois faleceu.

Após a sua morte, o jornal A Província de Angola passou a ser dirigido e administrado pela dupla António Correia de Freitas/Ervedosa e conquistou um lugar ímpar no panorama da imprensa angolana e portuguesa. O filho de um dos proprietários e administradores, Carlos Ervedosa, nacionalista angolano que se destacou na edição dos famosos cadernos culturais da Casa dos Estudantes do Império, a partir do início dos anos 60 coordenou e dirigiu um suplemento literário que revelou e divulgou alguns dos mais importantes escritores angolanos. 

O poeta Jofre Rocha ou o dramaturgo Domingos Van-Dunem são escritores revelados nas páginas do suplemento literário do jornal A Província de Angola. No final dos anos 60, Carlos Ervedosa teve a colaboração directa e permanente do poeta João Abel.

No início de 1975, Ruy Correia de Freitas, director do jornal, com a família Ervedosa ausente em Portugal, vendeu o jornal à FNLA, movimento de libertação angolano. No dia 30 de Junho de 1975, o Ministério da Informação autorizou a mudança de título e passou a chamar-se Jornal de Angola. O primeiro director da nova série foi Fernando Costa Andrade (Ndunduma). Só posteriormente a empresa proprietária foi constituída com a designação social de Edições Novembro EP.

Com o jornal “Província de Angola” nasceu a imprensa industrial, oficinas gráficas próprias e um corpo redactorial profissional, constituído por jornalistas angolanos e portugueses. Carlos Ervedosa e o Chefe de Redacção, Jaime de Figueiredo, eram angolanos e oriundos de famílias tradicionais africanas.

Nos anos 30, nasceu o vespertino “Diário de Luanda”, com capitais da União Nacional, o partido único do regime colonial-fascista português. Na década seguinte, surgiu nas bancas o jornal “O Comércio”, ligado ao industrial e banqueiro português António Champallimaud. Na mesma altura nasceu o “Jornal de Angola”, um órgão de Informação nacionalista e cujo corpo redactorial era exclusivamente composto por angolanos. Neste jornal, de grande importância no movimento intelectual “Vamos Descobrir Angola”, revelaram-se nomes como o repórter e cronista Ernesto Lara Filho, os poetas Viriato da Cruz e Mário António ou o ensaísta Mário Pinto de Andrade. O jornal foi fechado nos finais dos anos 50 às ordens da PIDE, a polícia política do regime.

Os anos 50 testemunharam o nascimento de mais um jornal da tarde, o “ABC” de tendência claramente oposicionista ao regime fascista e colonialista de Salazar. Era defensor do nacionalismo angolano. O fundador foi Machado Saldanha e pela sua Redacção passaram grandes jornalistas como Ernesto Lara Filho, Acácio Barradas, Bobela Mota ou Luís Alberto Ferreira. No final dos anos 50 surgiu nas bancas a revista “Notícia”, dirigida por um jornalista angolano, João Charula de Azevedo. Em breve se tornou um dos mais importantes órgãos da Imprensa Angolana. 

No Lobito, ainda no final dos anos 50, nasceu o primeiro jornal diário fora de Luanda, o diário “O Lobito”, dirigido por Mimoso Moreira. No final dos anos 60 tinha um suplemento cultural dirigido pelo médico e escritor Orlando de Albuquerque, viúvo da poetisa Alda Lara.

Estes são os principais títulos da Imprensa, até 1975, ano da Independência Nacional, a 11 de Novembro. As tiragens eram diminutas. O jornal “A Província de Angola” nunca passou os 25 000 exemplares diários. A revista “Notícia” nunca chegou sequer aos 20 000 exemplares semanais. O diário da tarde, de maior tiragem, “Diário de Luanda”, tirava entre os 18 000 e os 20 000 exemplares, salvo no ano de 1975 que atingiu tiragens na ordem dos 40 000 exemplares.

O PERFUME DA RÁDIO

A Rádio Angolana foi desde a sua fundação, nos anos 30 do século XX, no Lobito, o mais refinado meio de comunicação social de Angola e cotou-se sempre a altíssimo nível, sendo das melhores do mundo. Nasceu do fenómeno do rádio clubismo, com o emissor do Lobito. Nos anos 40 já estava em todas as capitais provinciais e o Governo, para contrapor ao poder do cooperativismo, resolveu criar a então Emissora Oficial de Angola, hoje Rádio Nacional de Angola. Na origem, a Rádio estava ligada administrativamente aos Correios Telégrafos e Telefones de Angola (CTT) e nasceu num barracão de zinco, ao lado da estação dos correios na Cuca.

No final dos anos 50, nasceu a Rádio Eclésia – Emissora Católica de Angola. Foi um marco no panorama radiofónico porque alugou o tempo de antena a realizadores privados e estes provocaram um salto qualitativo sob o ponto de vista profissional, inigualável até aos dias de hoje. Na antena da Rádio Eclésia surgiram os realizadores independentes Sebastião Coelho e o seu programa “Café da Noite”, Brandão Lucas e a série “Equipa”, o sonoplasta José Maria e o programa “Luanda”, o de maior audiência em Angola, e o radialista Paulo Cardoso que criou a estação Voz de Luanda e realizou vários programas independentes, sobretudo espectáculos radiopublicitários. 

Nos espectáculos radiopublicitários destacaram-se ainda grandes artistas da Rádio como Artur Peres, Alice Cruz e Ruth Soares (Chá das seis) e Luís Montez com os seus programas Kazumbi e Kotonoka, de longa existência.

Destaque também, nos anos 50 e até finais dos anos 60 para o programa “Caixa de Fósforos” produzido e realizado pelo poeta Álvaro Novais na antena do Rádio Clube de Angola, hoje Rádio Escola e CEFOJOR.

TELEVISÃO

A televisão entrou em Angola pela mão de Paulo Cardoso, Sebastião Coelho e o sonoplasta Artur Neves, em 1972, com um projecto arrojado de televisão por cabo, na época uma técnica vanguardista. 

Em 1974, o projecto foi abandonado e em 1975, na vigência do Alto-Comissário Rosa Coutinho e por iniciativa do seu secretário de Estado para a Informação, Correia Jesuíno, nasceu a Televisão Popular de Angola, projecto liderado pelo escritor angolano Luandino Vieira. 

Após a independência, a televisão fez o seu caminho, dando os primeiros passos numa programação com conteúdos próprios.

PANORAMA ACTUAL

Actualmente, a Comunicação Social Angolana caracteriza-se por uma grande pobreza de meios e um baixo nível profissional, situação provocada pela debandada de quadros técnicos e de jornalistas no advento da independência mas também pelos estrangulamentos causados pela causados pela guerra. Todos os meios empobreceram sob o ponto de vista dos quadros técnicos.

Após 1992, a Rádio ganhou uma nova dimensão, em virtude de uma aposta forte na formação profissional. Mas ao fim de uma década, os níveis profissionais estavam de novo muito baixos. Ficou no ar a Rádio LAC e mais duas antenas privadas em Benguela e no Lubango, com algum nível técnico. 

No Jornal de Angola, na TPA e na Agência Noticiosa ANGOP, a situação era ainda pior. 

Nos anos 90, com a mudança de regime (democracia popular para democracia representativa) surgiu em força uma Imprensa Privada que apenas reproduziu defeitos e vícios já enraizados. Angola mergulhou num jornalismo sem ética, sem ofício e sem oficina. Todos os órgãos da Imprensa Privada fazem tráfico de notícias, publicam mensagens informativas com base exclusivamente em fontes anónimas e quase nunca praticam o contraditório, mesmo quando está em causa a honra, o bom-nome e a consideração social de pessoas e instituições. 

A Imprensa Privada também não cumpre a Lei de Imprensa num aspecto fundamental, que os obriga a publicar, até 31 de Março de cada ano, o relatório de gestão e as contas do ano anterior. Ninguém cumpre este preceito legal, o que impede o público de saber quem são os verdadeiros detentores do capital das empresas editoras. Não há transparência num aspecto fundamental para se avaliar da Liberdade de Imprensa e que é saber exactamente quem são os detentores dos meios. Os consumidores têm de saber se os Media são espaços de liberdade ou covis de poderes ilegítimos.

A escola do jornalismo angolano, outrora foi das mais notáveis de Língua Portuguesa e hoje está fechada. Os jovens jornalistas estão impedidos de fazer uma aprendizagem em exercício nas Redacções, porque não existem profissionais de referência. A reprodução da mediocridade vai evoluindo e o nível desce cada vez mais. Por isso, o grande desafio que hoje se coloca ao Jornalismo Angolano é a reabertura da sua fabulosa escola para que os novos profissionais evoluam tecnicamente.

*Jornalista

(Texto para os módulos de formação do Jornal de Angola)

Sem comentários:

Mais lidas da semana