segunda-feira, 1 de abril de 2024

Angola | Garimpo de Estado Escancarado -- Artur Queiroz

Artur Queiroz*, Luanda

Jesus Cristo era uma nulidade em Finanças e eu, pobre mortal, incrédulo e refractário aos deuses, também nasci com essa virtude. O ministro Emanuel Carneiro sabia tudo do mundo financeiro e económico. Um dia pedi-lhe para me fazer um retrato da economia angolana no advento da democracia representativa e economia de mercado. E ele respondeu como quem está a gozar: Está tudo nas mãos da maquineta! Estas coisas dão muita sede e fomos para uma esplanada perto de sua casa, na Ilha do Cabo. E ele fez o favor de me tirar da ignorância.

Em Angola temos uma maquineta que se alimenta do tráfico ilícito de diamantes. Começou nos anos 60, após o início da Luta Armada de Libertação Nacional. Os kamanguistas serviam-se de jovens que viajavam entre Luanda e as zonas de Cuango e Cafunfo, fronteira de Malange com a Lunda, onde era necessária uma autorização especial para entrar. 

O território da Diamang (hoje Endiama) era um estado dentro do estado. Até tinha polícia própria. As cidades de Luanda, Benguela e Malange eram territórios dos donos da maquineta. Os grandes traficantes de diamantes, os que fizeram fortunas à custa dos pequenos kamangistas que arriscavam a vida e a liberdade para garantirem uns trocos. Quando um jovem aparecia com a sua motorizada de marca japonesa já se sabia que andava na kamanga. 

Memória do repórter: Um grande artista plástico e cartunista, de sociedade com o rei dos fotolitos, fizeram dinheiro falso e foram a Cafunfo comprar uma partida de diamantes. Venderam as pedras preciosas a um dono da maquineta e começaram a fazer vida de milionários. Eu era amigo dos dois e beneficiei do festim.

O comerciante de Cafunfo que vendeu a kamanga era sócio do governador do distrito de Malange. O comerciante kamanguista entregou-lhe a sua parte do dinheiro. Foi depositá-lo na conta bancária. O gerente do banco disse ao chefe que as notas eram falsas. Uma maka mundial! O artista da aguarela e do desenho, mais o operário gráfico, perito em fotolitos, foram presos. Pouco tempo. Quando os prisioneiros ameaçaram pôr a boca no trombone, foram logo libertados e o governador voltou para a “metrópole” com os bolsos a abanar.

Depois da Independência Nacional os sicários da UNITA assaltaram a Lunda. Com o apoio dos supremacistas brancos, primeiro! Depois de sociedade com a Irmandade Africâner. Os racistas de Pretória e seus criados do Galo Negro roubaram diamantes de Angola no valor de triliões de dólares. A maquineta já era uma máquina gigantesca.

As soluções encontradas para harmonizar os interesses das populações locais com as empresas diamantíferas foram habilmente exploradas pelos donos da terrível maquineta. As cooperativas criadas para a exploração artesanal de diamantes rapidamente se transformaram em peças da maquineta. Com o apoio de agentes do Estado! 

A Lunda Norte é hoje território dominado pela maquineta. Até o Rafael Marques, condecorado pelo Presidente João Lourenço, colabora no esbulho. Dinheiro fácil. Fortuna facílima. E este artista até se dá ao luxo de atacar quem quer acabar com a maquineta da kamanga! Tem as costas quentes e sócios bem colocados no aparelho de Estado!

Os operadores e beneficiários da maquineta atiram com areia aos olhos dos incautos. Com a cegueira provocada continuam a roubar e cada vez mais. A Operação Mussulobela foi concluída com sucesso. Consistiu em tirar das zonas de exploração legal de diamantes, milhares de kamanguistas, na sua maioria estrangeiros. Uma cortina de fumo para enganar os incautos, Daqui a algum tempo está tudo na mesma.

A prática mostra que estas “operações de limpeza” funcionam apenas alguns dias. Vão embora uns quantos garimpeiros e logo regressam os mesmos ou outros aos locais do crime. Quem desencadeia estas acções, apenas ataca o elo mais fraco, os que andam no terreno. Os receptadores, os mandantes, os grandes beneficiários continuam intocáveis e a facturar biliões de dólares. Os donos da maquineta afinal mandam no Estado. São agentes do Estado colocados ao mais alto nível. As autoridades competentes só atacam o elo mais fraco da cadeia do latrocínio e da corrupção. 

A maquineta tem de ser desmantelada de uma vez por todas. As autoridades têm que ir ao fundo do problema, que é agarrar quem alimenta o garimpo e dele recebe biliões. Prender os mentores desta actividade criminosa, que causa rombos de biliões aos cofres públicos. Na maquineta estão envolvidas grandes figuras do Estado. Altos funcionários de ministérios e órgãos de soberania. Enquanto não desmantelarem a maquineta da kamanga, Angola será sempre um país adiado. Assim falava o ministro Emanuel Carneiro

A maquineta está a ser alimentada por grandes figuras nacionais em conluio com estrangeiros que entram com os dólares. Servidores públicos emitem “licenças agrícolas” para áreas de concessão mineira das empresas legais! Uma inspecção facilmente conclui que essas “licenças” são luz verde ao garimpo. Alguns detentores de “licenças agrícolas” até usam equipamento pesado no roubo desenfreado dos diamantes! Este garimpo ilegal, mas com cobertura do Estado, está a causar imensos danos ao Povo Angolano. Milhões de diamantes saem todos os dias de Angola pela fronteira da República Democrática do Congo. Uma catástrofe económica!

Os donos da maquineta da kamanga conseguem a emissão de licenças para actividade agrícola nas zonas que já têm uma licença para actividade mineira. Ministérios, agências, institutos, serviços públicos e autoridades policiais simplesmente fingem que não sabem ou não estão a ver. Têm toda a conveniência (recebem muitos milhões!) em alimentar a prática criminosa da maquineta da kamanga.

Mas há mais. Foi criada deliberadamente uma tremenda confusão nas atribuições de títulos, com cooperativas de garimpeiros artesanais sobrepostas a áreas pertencentes a empresas. Por isso estoiram conflitos de interesses, com graves danos aos verdadeiros titulares das áreas. Foram estas que fizeram o trabalho de prospeção. Investiram milhões para a exploração diamantífera. Tudo vai por água-abaixo porque as áreas das concessões são invadidas pela tropa de choque ao serviço dos donos da maquineta.

Grande parte dos diamantes explorados por estas cooperativas entra na maquineta. Comercialização ilegal ou, no mínimo, duvidosa. O canal comercial não é claro nem segue os padrões de segurança. Os diamantes saem pela porta do cavalo ou por baixo mesa e o Estado Angolano não recebe nada. Tudo para a maquineta que é dominada por mafias nacionais e estrangeiras. Tudo isto é feito a olho nu, à luz do dia. Toda a gente vê e nada se faz. 

A Cooperativa Watacassossela está metida na maquineta desde os pés até à boca. Houve reparação de danos. Já desocupou áreas que não lhe pertenciam. Mas continua a ser um cancro mortal para a exploração legal de diamantes na Lunda Norte. As autoridades não actuam, retirando-lhe espaço ocupado ilegalmente. Tudo a favor da maquineta!

Toda a gente sabe que a maquineta, para fugir aos impostos, vende as melhores pedras preciosas em Kinshasa. Com a conivência do Estado Kamanguista! Um crime financeiro gravíssimo. Os dólares usados na comercialização de diamantes da maquineta não saem do Banco Nacional de Angola. Toda a gente sabe. Toda a gente vê. Mas ninguém actua. Porque a maquineta é manobrada por altas figuras do Estado. Até quando?

José Ganga Júnior, disse há pouco tempo que face ao domínio avassalador da maquineta na exploração ilegal de diamantes “a Endiama pode ser obrigada a dispensar trabalhadores, focando-se apenas na prospeção para a descoberta de novas reservas porque as existentes foram delapidadas". Alguém reagiu a esta declaração do responsável da empresa pública de diamantes? Silêncio cúmplice. Apontou os locais onde a maquineta da kamanga faz danos: Minas de Chitotolo, Lunhinga, Lulo e Luminas. Disse José Ganga Júnior:  "Todos os dias estas áreas de exploração sofrem invasões de grupos organizados e em reservas extremamente importantes para a sustentabilidade das minas".

José Ganga Júnior deixou um aviso: “As empresas serão obrigadas a fechar as portas temporariamente, o que será negativo para o sector, porque as áreas que estão a ser invadidas representam parte significativa da sua produção”.

Querem mais? Aí vai: “Grande parte das invasões tem consentimento das autoridades, por isso foi solicitado o apoio do Governo Provincial e dos órgãos de defesa e segurança para o seu combate imediato”. 

A maquineta serve-se das autoridades tradicionais, que corrompe com uns trocos. Só no município do Lucapa há 290 autoridades tradicionais! Para colaborarem activamente com a maquineta no roubo e na corrupção. Ninguém acredita que um município tenha tanto soba, regedor, sobeta ou kapitupitu. A província do Huambo, com 11 municípios, tem 200 sobas! 

Os sobas do Lucapa inventados pela maquineta reclamam a tutela de territórios que são das explorações mineiras legais. Dizem que essas terras são dos seus ancestrais! Meninos, a terra é do Estado Angolano não é dos kamanguistas. Aprenderam o truque com o Rafael Marques, condecorado pelo Presidente João Lourenço. Assim vai o combate à corrupção no Estado Kamanguista.

* Jornalista

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