domingo, 14 de abril de 2024

Portugal precisa de construir 45 mil casas por ano para resolver crise habitacional

AICCOPN considera que o programa do Governo é “um forte estímulo” à construção de habitação. As medidas irão permitir dar “uma célere resposta” às necessidades do país, defende. Mas nem tudo é perfeito. O setor não deixa de apontar dificuldades e omissões

Sónia Santos Pereira | Diário de Notícias

É preciso construir 45 mil casas por ano para responder às “graves carências habitacionais do país”, admite a Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN). São mais 13 mil do que as construídas em 2023. Esta urgência parece ter resposta no programa do Governo, apresentado na última quarta-feira. Essa é, pelo menos, a convicção do setor. Manuel Reis Campos, presidente da AICCOPN, acredita que as medidas anunciadas “vão ao encontro das necessidades identificadas”. Postas em prática, “serão um forte estímulo à construção de habitação e, desta forma, uma célere resposta” à crise habitacional. Mas há espinhos. Os agentes do setor também apontam dificuldades e lacunas.    

Para Bento Aires, especialista em imobiliário e docente da Porto Business School, o programa do PSD-CDS-PP oferece “condições para que se produza mais habitação”, mas “parece pouco, face ao problema que se tem”. Como aponta, “é assumido claramente no início do capítulo da habitação que as políticas anteriores falharam, e eu não sei se estas são suficientes para não falhar”. Na sua opinião, o Governo focou-se “mais no problema do acesso à habitação em quantidade, e não na qualidade do parque edificado já existente”. Para Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), o programa apresenta “contributos muito importantes na resolução do problema da habitação em Portugal”. Como elenca, “utilizar a margem contida na estrutura fiscal associada à construção de casas novas, apoiar os jovens no acesso à primeira habitação, clarificar a importância da coabitação de um mercado livre e um mercado controlado, pacificar a relação entre inquilinos e proprietários, conquistar a confiança de investidores e proprietários” são passos relevantes.

O Executivo de Luís Montenegro lançou compromissos em várias frentes. Para aumentar a oferta, prevê a criação de parcerias público-privadas para a construção e reabilitação em larga escala de casas e alojamento para estudantes, estímulo à promoção de novos conceitos habitacionais, como o build to rent (construir para arrendar) e a construção modular. Aposta na promoção privada, mas também na pública e cooperativa, e, para isso, propõe injetar no mercado, de forma quase automática, imóveis e solos devolutos ou subutilizados da esfera do Estado. No documento, admite ainda a flexibilização das limitações de ocupação dos solos e das densidades urbanísticas (incluindo construção em altura), e a possibilidade de aumento dos perímetros urbanos, entre outras medidas. Não esquece a dificuldade dos jovens em aceder a uma casa própria e, em resposta, compromete-se a apoiar a compra da primeira habitação através de garantia pública ao financiamento bancário da totalidade do preço da aquisição, com isenção de IMT e Imposto do Selo. Tem atenção às antigas pretensões da indústria de construção e baixa o IVA.

Neste momento, o programa é uma carta de intenções, sem datas de concretização, nem quantificação do custo das medidas, que faz um corte ideológico com a anterior política de habitação do PS. “Não acreditamos que a resposta à crise da habitação passe pelo controlo administrativo de preços, por congelamento de rendas ou pela sua limitação dentro de bandas muito estritas”, lê-se no documento. Será então o fim do congelamentos de rendas, com os arrendatários vulneráveis a beneficiarem de subsídios, e também a revogação do arrendamento forçado, além da eliminação da contribuição adicional do alojamento local (AL) e da revogação da suspensão de licenças e proibição de transmissão das mesmas, medidas inscritas no pacote Mais Habitação do PS. Com tudo isto, o Governo pretende incrementar a oferta de casas a preços acessíveis, quer no mercado do arrendamento quer no de compra.

Alívio fiscal

Neste objetivo de mitigar as carências habitacionais do país, o alívio fiscal previsto no programa é a medida mais aplaudida pelos agentes do setor. “É importante ressalvar como positivo o alargamento do IVA na taxa mínima de 6% nas obras e nos serviços de construção”, diz Bento Aires. O Governo propõe-se descer o IVA da construção e reabilitação de casas em todo o país dos atuais 23% para a taxa mínima de 6%. Esta proposta - uma promessa eleitoral - foi apresentada como “excecional” e “temporária”, e limitada a obras cujo fim é a habitação permanente. O fôlego ao setor estende-se ainda à intenção de reduzir ou eliminar os custos dos processos de urbanização, edificação, utilização e ocupação. Para Ricardo Sousa, CEO da Century 21 Portugal, é uma “iniciativa positiva”, pois “deverá diminuir os custos de construção e incentivar o desenvolvimento de novos projetos habitacionais, aumentando a oferta no mercado”. 

Reis Campos segue o mesmo raciocínio. Como frisa, “Portugal necessita de assumir medidas eficazes para reverter a situação atual no mercado da habitação” e, para isso, há que “construir mais e reabilitar mais”. Resolver esta emergência, só com a adoção de medidas essenciais, como “a redução da carga fiscal sobre a construção e o imobiliário, promoção do investimento privado em habitação, disponibilização de linhas de financiamento à construção, criação de um verdadeiro mercado de arrendamento e simplificação efetiva dos procedimentos administrativos associados ao licenciamento de operações urbanísticas”, defende. Ainda no campo da fiscalidade, Reis Campos lembra que o programa é omisso em relação “à extinção do Adicional ao IMI, imposto que se considera desajustado”. 

Ricardo Sousa advoga mesmo que a dimensão e urgência do problema “obrigam a um consenso e compromisso alargado de todos os partidos com assento parlamentar, tendo em conta que o horizonte temporal da sua execução e obtenção de resultados implica uma visão estratégica de longo prazo”. Na sua opinião, os compromissos do Governo de Luís Montenegro quanto à modernização e expansão das linhas de metro e comboio, ao aumento dos perímetros urbanos, ao reforço da frequência e promoção da concorrência na ferrovia, com incidência nas áreas metropolitanas como Lisboa e Porto, “são cruciais”. São “medidas essenciais para facilitar o acesso a áreas com habitação mais acessível, conectando melhor as zonas residenciais com os centros de emprego e educação”, sublinha.

Dificuldades e omissões

No entanto, o “Governo não foi muito claro” no que se refere às reformas técnicas em curso, considera Bento Aires. O especialista da Porto Business School lembra que estavam em desenvolvimento mudanças no processo dos licenciamentos e em preparação um novo código da construção, “que são estruturantes para o mercado da habitação e da construção”, mas o programa do Governo não esclarece que compromisso tem para esta matéria. “A não conclusão, trará problemas a médio e a longo prazo, e dificuldades de licenciamento”, defende, sublinhando ser “quase inaceitável termos uma legislação de base do setor da construção que remonta aos anos 50”.

Ricardo Sousa lamenta que o programa não avance com “um apoio financeiro extraordinário a agregados familiares realmente vulneráveis, que estejam com um esforço igual ou superior a 50% do seu rendimento líquido disponível com habitação (arrendamento ou hipoteca) e também no acesso à habitação”. Na sua opinião, “é um erro qualquer medida de incentivo e apoio à procura demasiado genérica”. O responsável defende que “o foco do Governo tem de estar no aumento da oferta pública de habitação social” e “aplicar no curto prazo medidas de apoio para as famílias em urgência de habitação e vulneráveis”. No capítulo dos erros, o presidente da APEMIP apela ao Governo para “não ignorar os reais motivos que conduziram à escassez habitacional e à disparidade entre o aumento dos preços das casas e os rendimentos da generalidade das famílias”. O combate à informalidade no mercado de arrendamento é outra das medidas que o CEO da Century 21 gostaria de ter lido no programa para esta legislatura. 

sonia.s.pereira@dinheirovivo.pt

Imagem: Orlando Almeida | Global Imagens

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