Choque cultural:
num dos países que mais restringem direitos civis e políticos, a erva é fumada
livremente — e apreciada em especial pelos soldados…
Ben Young, na Vice – Outras Palavras - Ilustrações: Emily
Bakes
Há anos, o
correspondente/freela de longa-data Alex Hoban vem
desvendando a Coreia do Norte pra gente, mas aconteceu que ele tinha tanto para
dizer sobre o assunto que decidiu abrir um site de notícias destinado ao país. NK NEWS é o resultado
disso, e desde o seu lançamento no último mês de setembro, ótimas histórias têm
saído diariamente – como esta que trazemos aqui, do Ben Young. Então vai
conferir o site, siga os caras no Twitter e, se você estiver afim de grandes desafios,
eles também têm esse misterioso
formulário de cadastro que dá a chance de se unir a eles na próxima
grande aventura no reino eremita.
Coreia do Norte, o
país mais amordaçado, conservador e controlador do mundo também é um paraíso
para os maconheiros. Apesar da postura séria do governo sobre uso e
distribuição de drogas pesadas, como cristal de metanfetamina (que tem um
legado notório no país), a maconha não é considerada
droga. Como resultado, a escolha perspicaz bolada no papel de seda de arroz
dos norte-coreanos sugere que, no mínimo para a maconheirada, a Coreia pode
ser, enfim, o paraíso.
A NK NEWS recebe
relatos frequentes de visitantes retornando da Coreia do Norte, dizendo que há
plantas de maconha crescendo livremente ao longo das estradas, da cidade
portuária de Chongjin, ao norte, até as ruas da capital Pyongyang, no sudoeste,
onde é possível dar uma bola livremente pelas ruas e a doce marofa pega as suas
narinas de surpresa. Nossas fontes são pessoas que nós sabemos que trabalham
dentro da Coreia e fazem viagens para o país periodicamente.
Não existe tabu
acerca da erva e seus apreciadores por lá – muitos residentes a conhecem e já a
experimentaram. Na Coreia do Norte, a droga atende pelo nome de ip tambae,
ou “folha de tabaco”, comumente relatada por ser especialmente popular entre os
jovens soldados do exército norte-coreano. Ao invés de ficarem viciados em
alcatrão e nicotina como os milicos do Ocidente, eles conseguem relaxar
acendendo um baseado king-size durante a folga na ronda.
Apesar do fato de o
governo não pegar no pé do uso da maconha (ou do ópio) e do seu predomínio
entre as pessoas comuns, os mochileiros-maconheiros ansiosos por uma amostra do
broto da erva vão se decepcionar. Se um turista ocidental perguntar para o seu
guia qual o melhor lugar para se conseguir a “planta especial”, como é
eufemisticamente chamada, o guia provavelmente evitará responder. A maioria
deles é educada o suficiente quanto às legislações ocidentais a respeito da
substância, e não sente a necessidade de promover algo que pode atrair
propaganda negativa. Mas apareça com uma garrafa de conhaque e eles poderão
ficar subitamente mais dispostos a lhe ajudar.
As razões para se
fumar maconha na Coreia do Norte diferem para o continente americano. Na
Coreia, você não acende “unzinho” simplesmente para ficar chapado e rir até
suas tripas saírem pra fora, você fuma para economizar e dar um tempo dos
cigarros baratos locais. No mercado negro, maconha costuma ser vendida por um
preço baixo e é fácil de se conseguir. Portanto, a droga é muito popular entre
as pessoas das classes mais baixas da sociedade norte-coreana. Depois de um
longo dia de trabalho duro manual, é normal para os trabalhadores locais dar um
tapa para relaxar e acalmar os músculos.
Um dos grandes
ensinamentos do senso comum norte-coreano e que nós já ouvimos milhares de
vezes diz sobre os cidadãos não poderem dobrar seus jornais, para que não
dobrem acidentalmente a foto de seus líderes. Mas, felizmente, não é toda
página de jornal que traz esses homens poderosos em busca de atenção, então
todas as partes do jornal mais fáceis de reciclar (esportes, previsão do tempo,
programação da TV) acabam sendo usadas para enrolar tabaco e maconha.
O jornal Rodong
Sinmun é a seda preferida entre os fumantes de lá. Ele é cortado em
quadrados e então enrolado em forma de pequenos cones. Uma fonte confirmou à NK
NEWS que já encontrou uma ponta semifumada no chão de uma área rural do
país, enrolada num Rodong Sinmun. A mesma fonte também notou, tragicamente,
que a erva na Coreia Norte não é lá muito forte.
Embora cresça
naturalmente pela península coreana, ela é cultivada mais formalmente em
determinadas áreas. A maconha costuma ser cultivada em jardins particulares da
Coreia do Norte. Um americano que viaja anualmente para lá comentou no Reddit: “Nós fomos a um jardim
um dia, demos uma boa olhada e dissemos ‘hei, isso é maconha!’. Nós olhamos de
perto e nos certificamos de que era cannabis. Eu ouvi que era usada para fins
medicinais, e encontrá-la foi interessante”.
Relatos da erva na
região vêm desde a formação do país. Após a Guerra da Coreia (1950-1953),
soldados estadunidenses começaram a arrancá-la de áreas próximas da fronteira
das Coreias e fumar. Histórias de tendas virarem saunas enfumaçadas por
combatentes cansados são uma lembrança comum do folclore daqueles tempos
difíceis.
De volta ao
Ocidente, com a recente legalização nos estados de Washington e Colorado,
alguns americanos estão clamando pela legalização em todo o país. Enquanto
isso, permanece uma questão controversa o fato de a erva parecer
costumeiramente usada na Coreia do Norte como uma fuga barata de uma sociedade
rigidamente controlada, sugerindo que, para todas as outras preocupações que
eles têm de aturar, pelo menos os norte-coreanos desfrutam de um privilégio
negado às pessoas, como eu, que vivem aqui na terra dos livres.
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