Rui Peralta, Luanda
I - No passado dia
26 de Maio as delegações das Forças Armadas Revolucionarias da
Colômbia-Exercito Popular (FARC-EP) e do governo colombiano divulgaram, em
Havana, um comunicado conjunto. Após seis meses os representantes das FARC-EP e
do executivo colombiano chegaram a acordo quanto á Reforma Rural Integral,
primeiro ponto da Agenda de Paz em curso.
O documento
preconiza profundas transformações nas zonas rurais, tendo sido muitas das
exigências das FARC-EP aprovadas, como as relativas ao acesso e uso da terra, à
formalização da propriedade, às terras improdutivas, aos programas de
desenvolvimento social, ao estímulo à produção agropecuária, ao Fundo de Terras
para a Paz e ao ambiente. Abre-se assim um novo ciclo dos Diálogos para a Paz.
No dia 11 deste mês
(estou a escrever a 10) as delegações iniciam a discussão do segundo ponto da
Agenda: a Participação Política, um ponto de extrema importância para a Colômbia,
uma sociedade onde a democratização é um processo lento e complexo, dificultado
por uma oligarquia esclerótica e em que a participação é limitada, pois a
estrutura oligárquica prefere (para estrangeiro ver e por uma questão de
imagem, que facilita os negócios) um sistema de mera representatividade,
suficiente para legitimar o seu poder. No entanto o presidente Juan Manuel
Santos afirmou estar empenhado no processo de paz, desde que decorra "com
prudência e responsabilidade".
Será que o
presidente colombiano considera a participação política um foco de imprudência
e responsabilidade? Atendendo aos hábitos e interesses da oligarquia, a
resposta é sim. Esta questão da participação é assustadora para a oligarquia
colombiana e inclusive aterradora, se associarmos às alterações na estrutura
rural e agrária que o país vai sofrer, pela aplicação do primeiro ponto da
Agenda (é bom não esquecer que a oligarquia colombiana tem origem nas áreas
rurais, onde mantem o seu domínio, com base na estrutura latifundiária).
Quanto às FARC-EP,
consideram positivo o acordo alcançado mas alertam para as dificuldades de diálogo,
encontradas nos restantes pontos da Agenda, nomeadamente os relativos à droga,
ao cessar-fogo e armamentos e à reintegração das populações expulsas dos seus
territórios, pontos onde as divergências entre ambas as partes são profundas.
Aliás, esta organização partiu para as conversações com muito maior coesão
interna (pelo menos não são conhecidos, no seio das FARC-EP, opositores ao
processo) do que o governo colombiano, que manifesta posições dúbias, em
consequência das divisões internas no seio das forças governamentais.
A conquista da Paz
implicará, a medio e longo prazo, o desmantelamento do aparelho oligárquico e
da sua estrutura repressiva e as FARC-EP estão conscientes dessa realidade e
das suas consequências na sociedade colombiana. Mas também o regime tem essa
consciência e a oligarquia sabe que terá muito a perder se o processo não for
devidamente negociado.
O governo fala a
duas vozes, restando compreender se este é um comportamento propositado
(utilizando o método do policia bom e do policia mau) ou se são divergências
reais no seio da oligarquia colombiana. Surgiram novas camadas na sociedade
colombiana, não provenientes da oligarquia, mas parasitárias e dependentes
desta, que com o processo de globalização da economia, emergiram e
autonomizaram-se, tendo hoje voz politica. Seja como for, enquanto o presidente
colombiano mostra-se “esperançado”, o alto comando das Forças Armadas sabota os
debates de Havana – apoiados pela Noruega e Cuba – intensificando a guerra,
conforme pode ser verificado nos bombardeamentos que as forças governamentais
efectuaram em várias regiões do país, nas zonas que considera serem de
influencia da FARC-EP, “zonas de subversão” controladas pelos “terroristas”
(segundo os parâmetros dos militares) e muitos ministros, a começar pelo do
Interior, referem constantemente que caso as conversações não conduzam a
acordo, até ao Natal de 2013, estas deverão ser suspensas.
II - Esta posição
de alguns sectores minoritários contrasta em absoluto com os sentimentos das
camadas populares da sociedade colombiana que aderem de forma entusiástica às
iniciativas do Movimento Colombianos para a Paz, lançado pela ex-senadora
Piedad Córdoba. E a adesão destes sectores, os mais carenciados, tem uma razão
de ser.
A situação social na
Colômbia continua a degradar-se. A corrupção desenfreada e a miséria, nas
grandes cidades, alastram. As bem equipadas forças armadas colombianas absorvem
uma imensa fatia do orçamento geral do Estado. A fome atinge oito milhões de pessoas,
e quinze mil crianças morrem anualmente, por desnutrição, antes dos cinco anos.
Dirigentes sindicais, dirigentes camponeses, líderes comunitários e outros
cidadãos que exercem os seus direitos são assassinados todos os meses. O fosso
entre ricos e pobres aumenta a cada ano, sendo a Colômbia uma das sociedades
mais desiguais do mundo. A muitos pouco mais resta do que a adesão á luta
armada.
É aqui que entram as
FARC-EP (que comemoram 49 anos de existência e de luta ininterrupta), incluídas pelo anterior presidente colombiano,
Álvaro Uribe, (acusado de relacionamentos diversos, com Pablo Escobar, que
parece ter financiado a campanha que levou Uribe á presidência, para alem de
apoiar as milícias paramilitares incentivadas durante a administração de Uribe)
nas listas, da União Europeia e da ONU, de organizações terroristas. As FARC-EP
assumem-se como organização revolucionária, marxista-leninista, mas não é o
marxismo-leninismo e o discurso ideológico que alimentam as esperanças dos seus
guerrilheiros ou o número considerável dos que alentam e juntam-se às suas
fileiras, mas sim o facto de ser na luta armada que muitos colombianos
conseguem encontrar um espaço de liberdade e de transformação e fugir ao
pesadelo da corrupção e das perseguições da oligarquia (que nem sempre utiliza
os meios legais, preferindo os meios paramilitares).
O que leva os
cidadãos a empunhar as armas contra o poder instituído é a repressão, a
humilhação, o ter uma vida sem perspectivas, o ser assassinado por esquadrões
paramilitares de extrema-direita, formados por militares, policias e gângsteres
dos bandos do narcotráfico, são os estabelecimentos prisionais do regime e a
imensa mentira em que vive a sociedade colombiana, desde á décadas.
Quem é o
guerrilheiro das FARC? O trabalhador que fez greve e que viu os seus colegas
desaparecerem e que foi vítima de atentados; o camponês que foi expulso das
suas terras e que não tem como alimentar os filhos; o desempregado; os que
viram as suas comunidades e as suas nações indígenas a serem espoliadas,
recolocadas, ou simplesmente expulsas dos seus territórios ancestrais pelas mineiras
ou pelos latifundiários; o estudante que foi preso e torturado, apenas porque
participou numa reivindicação associativa; as mulheres, vítimas permanentes da dupla
exploração e que sentem na pele a humilhação do género; enfim toda a imensa
camada de explorados, espoliados e humilhados por uma oligarquia que pretende
manter o seu domínio sem olhar a meios.
III - Uma das cláusulas
da Agenda estabelece que o Acordo Geral de Paz, apenas será possível se existir
aprovação de todos os pontos que o formam. Não chegar a acordo em qualquer um
dos pontos implica a anulação dos demais. Esta exigência do governo é demonstrativa
da má-fé da oligarquia e tem sido permanente nas posições dos delegados do
governo na Mesa de Negociações, a ausência de vontade em negociar de forma
séria e transparente e em ameaçar continuamente a ruptura das conversações.
A encruzilhada no processo de paz, coloca-se nos seguintes termos: A paz só é possível com as reformas e as reformas terminarão com o domínio oligárquico. É evidente que o governo estabeleceu linhas que limitam o efeito das reformas, mas um facto é que não está em condições de evitar as reformas, porque estas revelam-se necessárias para o desenvolvimento económico da Colômbia. Alguns sectores da burguesia colombiana há muito que entenderam isso e estão a favor das reformas, preconizando um fim rápido para a oligarquia, que também a eles, asfixia, apoiando assim o bom termo das conversações.
A maioria dos
colombianos manifesta-se favorável á transformação do sistema político
colombiano e o actual presidente soube aproveitar esse clima, durante a
campanha eleitoral que o elegeu. Mas é necessário, para que as conversações
determinem acordos, que do lado do governo, este processo não seja encarado
como um mero processo de desarmamento, para o qual se faz algumas concessões.
Para o processo de paz resultar, terá de ser encarado pelo governo colombiano,
como muito mais do que isso.
A Paz vai permitir
que uma alta percentagem do PIB, actualmente aplicada na guerra, seja aplicada
na modernização da sociedade colombiana e no seu desenvolvimento efectivo,
criando uma politica social abrangente, um sistema nacional de saúde e uma rede
publica de educação, universal e gratuita e que os sectores produtivos sejam
relançados e possam penetrar no mercado global, que a investigação cientifica e
tecnológica possa florescer e o ecossistema não seja degradado, enfim os
factores mínimos indispensáveis a uma sociedade onde o bem-estar não seja um
fim inalcançável, para a maioria, mas uma realidade para todos. Para isso
acontecer é necessário que amplos sectores da sociedade colombiana mobilizem-se
nesse sentido.
IV - O acordo
obtido, sobre as terras, é um marco importante. Alguns criticam-no por ser
demasiado genérico, pouco preciso, mas são os acordos genéricos que prevalecem,
na História, pela sua flexibilidade e pela sua adaptabilidade ao tempo e às
transformações. É evidente que este sector é uma ameaça para os sectores mais
tradicionalistas da oligarquia agrária, mas para outros sectores da mesma
oligarquia, não tradicionalistas e mais vocacionados para a capitalização da
terra, este acordo poderá representar uma excelente oportunidade para a reconversão
da sua actividade, passando do parasitismo latifundiário aos dinâmicos
processos do agronegócio.
Por outro lado,
para os camponeses e para os assalariados rurais, este acordo representa uma
enorme melhoria na sua condição e uma perspectiva de futuro. As cooperativas e
os terrenos comunitários poderão conhecer uma maior expansão, os sistemas
agrícolas serão melhorados e modernizados, os conhecimentos ancestrais sobre a
terra e sobre a produção da terra, poderão ser aperfeiçoados e novos métodos serão,
certamente, aprendidos.
Sendo este universo
de transformações possíveis, apenas com o acordo sobre o ponto, o que não será possível
com os acordos nos restantes pontos? Mas parece que o presidente colombiano tem
algumas dificuldades em compreender a dinâmica que será desencadeada pelo
processo de Paz. No passado dia 2, deste mês, o presidente acusou as FARC-EP de
ameaçarem os dirigentes da Confederação Geral de Trabalho (CGT), baseado num
panfleto que circulou em Bogotá, de uma das frentes das FARC-EP, a Frente
António Nariño, o que foi rechaçado pela Delegação das FARC-EP em Havana, dois
dias depois.
O governo
colombiano não pode andar á procura de motivos para ganhar pontos nas
negociações. É que o regime colombiano é acusado, desde á anos, do desaparecimento
e assassinato de centenas de sindicalistas. Esta súbita preocupação com a CGT é
um pouco fora do contexto e acaba por dar algum cabimento á acusação das
FARC-EP de que tudo não passou de uma montagem dos serviços de informação.
Estes “solavancos”
são normais num processo negocial, mas não são salutares á continuidade do
processo, porque criam desconfianças, num momento em que a confiança ainda não
foi criada entre as partes. É evidente que tudo isto pode também ter sido uma
efectiva ameaça das FARC-EP sobre um sector sindical que foge ao seu controlo e
com o qual o governo tenta obter apoios para a sua politica. Isso também pode
ser concluído a partir das declarações dos delegados das FARC-EP.
Seja o que for e
como for, a atitude de ambas as partes tem de ser alterada. Se de facto
pretendem dialogar e chegar a acordos que acabem com uma guerra interna de
décadas, nenhuma das partes pode ameaçar sectores independentes, que não se
colocam nas perspectivas dos oponentes. É legítimo estabelecer alianças,
durante um processo negocial e é legítimo tentar evitar as alianças
estabelecidas pelos oponentes, o que não é legítimo é evitá-las com base na
ameaça e na coerção
V - Os crimes
cometidos pela oligarquia, através das décadas, não são uma consequência da
guerra, mas sim o factor gerador da guerra. Grupos de cidadãos recorreram e
mantiveram-se na luta armada, devido á violência do regime e ao seu carácter
visceralmente corrupto e corruptor. Esse foi o factor que gerou e manteve a
guerra que a Colômbia conhece á décadas.
Um dos exemplos da
violência do poder e de uma administração corrupta e intrinsecamente ligada ao
narcotráfico (e que praticou uma nova forma de terrorismo de estado: o
narcoterrorismo de estado) foi a administração do ex-presidente Álvaro Uribe.
Nos últimos anos vários dos seus colaboradores mais próximos (cerca de trinta
ex-deputados) e membros da sua família, foram processados e a maioria deles,
condenados, tanto em processos judiciais sobre ligações a grupos paramilitares,
como a clãs do narcotráfico. Alguns deles foram responsáveis por milhares de
assassinatos.
Em Janeiro de 2013,
chegou a vez de Álvaro Uribe. As autoridades colombianas (Fiscalia General) abriram
uma investigação sobre as suas responsabilidades na criação e financiamento de
grupos paramilitares. Os factos em investigação remontam á década de noventa,
quando Álvaro Uribe ainda era governador da província de Antioquia, Segundo
declarações documentadas de diversas testemunhas e outras provas em
verificação, o então governador provincial, Álvaro Uribe, foi um dos
impulsionadores da criação da AUC (Autodefensas Unidas de Colômbia),
organização responsável por crimes diversos, atentados e massacres. A AUC
formava os seus gangsters numa fazenda de Uribe, a Fazenda Guacharacas e
financiou a campanha de Uribe á presidência, com dinheiro do narcotráfico, a
segunda actividade da organização, depois do assassinato, tortura e massacres
(a terceira actividade da AUC eram as bananas, sobre as quais tinham uma
comissão sobre as caixas saídas das fazendas para o mercado).
Claro que os
investigadores e os fiscais são alvo de pressões políticas e de ameaças
constantes, o que dificulta e torna lenta a investigação, sujeitos a um
apertado esquema de protecção. Os factos imputados prescrevem em 2016, pela lei
colombiana, mas poderão ser levados ao Tribunal Internacional de Haia, pois trata-se
de crimes contra a humanidade.
Também estas são
questões fundamentais no processo de paz. Os crimes cometidos pela oligarquia
têm de ser discutidos e alvos de procedimento judicial. E aí, não parece
existir uma grande abertura por parte do actual presidente colombiano e do seu
executivo, em considerar esta questão. Seria positivo que o governo colombiano
avançasse com esse processo de discussão, de uma forma transparente (como se
passou no Peru e na África do Sul), mas o mais provável é que não o faça e que
tente impedi-lo (em vão, pois será uma questão levantada pela dinâmica do
processo de paz, num contesto em que fugirá ao controlo do governo).
VI - Um bom exemplo
de participação e de envolvência no processo de paz é dado pelo Partido
Comunista Colombiano (PCC), que nomeou Carlos Lozano Guillén como seu candidato
ao Senado, nas eleições de 2014. Integrante do colectivo Colombianas e
Colombianos pela Paz, Carlos Lozano é jornalista, director do semanário VOZ,
desde 1991, membro do Comité Executivo Central do PCC, porta-voz da Marcha Patriótica
e ex-membro da Junta Nacional do Polo Democrático Alternativo.
Autor de nove
livros e coautor em dezenas de livros sobre os mais variados temas, Carlos
Lozano recebeu numerosas distinções na Colômbia e no exterior, entre elas a
Ordem do Cavaleiro da Legião de Honra, a mais alta distinção que a França
concede aos estrangeiros. A importância desta candidatura no processo de paz
reside no facto de fazer parte de um projecto amplo pela paz e democracia. O
projecto aspira a que a Marcha Patriótica lidere o projecto de unidade em trono
das conversações de paz, buscando os mais amplos compromissos com os mais
variados sectores da sociedade colombiana.
É exactamente esta
a atitude mais correta e comprometida com o processo de paz e este é um exemplo
que deve ser seguido por outras forças políticas colombianas (desde que
comprometidas com o actual processo e que antevejam o alcance do mesmo, para o
futuro da Colômbia). É este carácter unitário, de mobilização da sociedade
colombiana que poderá fazer cumprir o artigo 22 da Constituição desse país, que
estabelece a paz como um direito fundamental dos colombianos. São os cidadãos
que têm de forçar ambas as partes (FARC-EP e governo) a um diálogo consistente,
que garanta as bases de construção do futuro para a Colômbia e a paz como política
de Estado.
Da compreensão, por
parte dos actores políticos em diálogo, deste anseio das mais amplas camadas da
sociedade colombiana, poderá resultar uma Paz efectiva. Que não seja podre nem
Pax Americana.
Fontes
Rodrigues, Miguel
Urbano As FARC-EP, meio século de luta pela paz. http://www.odiario.info/?p=2881
Bravo, Alfredo Molano http://www.elespectador.com/opinion/columna-425470-paz-sin-victoria
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