quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Portugal: GASPAR E A PROCURA DA BEATIFICAÇÃO

 


Eduardo Oliveira Silva – Jornal i, opinião
 
Um político disfarçado de tecnocrata a tentar recuperar a imagem antes que o esqueçam
 
Os ministros das Finanças têm a rara característica de ser recicláveis. Não faltam casos para o demonstrar. Salazar é o exemplo extremo, porque na sua estrita condição de titular das Finanças é hoje tido por alguns como um génio que pôs as contas em ordem, mesmo que isso tenha sido feito apoiado numa ditadura de meio século, cujos efeitos nefastos ainda pagamos.
 
Neste momento estamos a assistir a uma inédita corrida a galope no sentido da beatificação política de Vítor Gaspar. Aqui e ali viam-se já artigos e comentários elogiosos e a plantação de notícias sobre grandes convites para o ex-ministro ser consultor disto e daquilo ou para desempenhar uma importante função internacional no BCE, na UE ou no FMI, preparando o caminho a um lifting político.
 
Não vai por isso ser preciso ler de ponta a ponta o livro/entrevista de Gaspar feito por uma conceituada jornalista política para perceber que o propósito do ex-ministro (que não necessariamente da entrevistadora) é reconstruir a sua imagem e ajustar contas com Paulo Portas, que lhe permite justificar a sua inopinada deserção.
 
Não é certamente por acaso que Gaspar dirá que a sua saída quase não teve efeitos nos mercados, enquanto explica que a crise aberta por Portas teve, essa sim, um poderoso impacto negativo, atirando as responsabilidades para o lado do exercício da política e eximindo- -se às suas.
 
É bem tentado, mas não convence. Até porque Vítor Gaspar é um político. Não um daqueles tipo jotinha que, bem ou mal, dão a cara e lutam por lugares indo a votos, mas dos da espécie dos que evoluem em gabinetes e corredores de instituições até ao dia em que sentem a força do poder e não aceitam ser contestados.
 
O seu regresso autojustificativo é objectivamente uma tentativa, legítima, é certo, de recuperar a imagem de alguém que deixou o país num atoleiro, fugiu pela porta pequena quando achou que ia tudo correr mal, não quis ir apanhar as canas e agora, antes de seguir para um destino internacional confortável, não quer fazer o caminho das pedras e procura já a bênção suprema da beatificação, almejando, quem sabe, a canonização.
 
Quando abandonou, Gaspar não contava que a Europa metesse mãos à obra e desse uma ajuda substancial à Irlanda, à Espanha, a Portugal e à Grécia para procurar estancar a recessão económica e o colapso financeiro que vivíamos por causa de uma política suicida, que trouxe estes países para níveis de pobreza inimagináveis, desnecessários e perigosos para a coesão e a paz social, como se comprova agora pela implantação de movimentos extremistas de direita e de esquerda em toda a Europa.
 
O que se estranha em Gaspar não é o percurso do renascimento da Fénix que percorreram antecessores que tiveram igualmente resultados desastrosos, como Pereira de Moura, Salgueiro, Braga de Macedo, Sousa Franco, Oliveira Martins ou Teixeira dos Santos, que também já iniciou uma terapia de reabilitação. Estranha-se sim a ânsia com que pretende fazer o caminho, o que comprova que por detrás da sua linguagem pausada há uma personalidade impulsiva que preconiza soluções imediatas, como as que foram aplicadas entre nós com os resultados sinistros que estão à vista. Até José Sócrates levou mais tempo a regressar.
 
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana