quarta-feira, 9 de abril de 2014

A UE À RECONQUISTA DE ÁFRICA?




Vem de encerrar em Bruxelas a Cimeira UE-África 2014 celebrada entre 2 e 3 de abril, vestida de solidariedade, de preocupação pola crise na República Centroafricana, de brindes pola recuperação económica e de chamados à universalização dos direitos humanos. A realidade, porém, não tem nada a ver, e a trajectória europeia na África também não convida a pensar de outra maneira.

Mais um tratado de livre comércio

Convém estabelecer uma premissa de partida, bem simples, mas bem certa: os interesses da UE na África não passam por estabelecer relações simétricas. Nunca passaram, e com este sistema nunca passarão, por mais que as declarações de Herman van Rompuy queiram oferecer outra visão da realidade.

Para mostra estão aí as colónias africanas que há só cinquenta anos eram administradas ainda por Estados europeus, para os quais “administrar” tinha significados verdadeiramente elásticos, e também as estruturas de controlo que continuaram vigorando após as independências formais, como a Commonwealth britânica, a União Francófona ou a Comunidade de Países de Língua Portuguesa.

Mais bem parece que o crescente jogo geopolítico da China no continente africano, do que já é a principal prestamista, tenha aguilhoado a deficiente diplomacia da UE e acordado a cobiça das velhas possessões.

Daí a cimeira ter um único objetivo real, além do cinismo dos oligopólios: assinar um protocolo de livre comércio. Livre para a Europa mandar seus produtos e basear a recuperação de suas empresas nas exportações, e livre para a África abrir as alfândegas alegremente para o novo maremoto de produtos e de fábricas deslocadas desde as novas velhas metrópoles para as mais baratas comunidades da África.

A conservação das estruturas coloniais e as manobras diplomáticas e militares vocacionadas para impedir que os países africanos fossem ganhando em soberania e desprendendo-se precisamente dessas estruturas permitem hoje à UE usufruir as melhores condições para recuperar o seu controlo económico total sobre o continente africano e, de passada, deter o avanço imenso da China. Daí outros acordos já assinados com a África, como o que há apenas dous meses a UE combinava com os países da África ocidental, por valor de 42.000 milhões de euros/ano.

A UE no cerne da situação africana

Mas, a diferença do que costuma acontecer neste tipo de cimeiras, nesta ocasião o protocolo não impediu que Michel Sata, presidente da Zâmbia, acusasse a UE de estar por trás das guerras na África e do comércio de fuzis e outras armas de mão que custam milheiros de euros, mas que terminam em mãos de crianças soldado por todo o continente.

A acusação de Sata não se ouvia na sofisticada Europa desde que as agências de inteligência se foram encarregando de matar ou desaparecer sistematicamente os líderes históricos do pan-africanismo e do anti-colonialismo, de Nkrumah a Sankara, de de Lumumba a Ben Barka, de Cabral a Gaddafi.

Mas não é só a venda de armamento, nem dos diamantes de sangue. Porque não há muito éramos informados dadispersão de tropas francesas pelo Mali e o Azawad, e pouco antes a UE resultava ser um dos atores principais da invasão da Líbia à procura do petróleo da Jamairia.

Essa mesma Europa que agora quer um partenariado de livre comércio, de igual a igual — diz — com quem durante décadas explorou impunemente e com a lucrativa bençãodo resto do mundo rico.


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