Ana Sá Lopes –
jornal i, opinião
É oficial: toda a
França, governo socialista incluído, virou à direita
A vantagem de
Manuel Valls, o novo primeiro- -ministro francês, é que, ao contrário de
François Hollande, não engana ninguém. É o mais sincero dos militantes do PS
francês - há uns anos sugeriu a mudança de nome do partido tendo em conta que
havia pouco "socialismo" a difundir pelo PSF na sociedade francesa e
era preciso não assustar nem mercados nem capitalistas. Martine Aubry, antiga
presidente do PSF, respondeu-lhe que se não se sentisse bem no partido o
abandonasse, mas era impossível banir o socialismo do nome do partido. Valls
ficou e agora está a colher os frutos de ser o mais à direita dos ministros de
Hollande e de ter ocupado o topo das sondagens enquanto a popularidade do
presidente agonizava.
Manuel Valls é
filho de emigrantes - nasceu em Barcelona durante as férias dos pais, que
trabalhavam em França, porque o pai queria que o filho nascesse catalão - mas
tem uma linguagem contra os imigrantes mais dura que a de Sarkozy. Aliás,
enquanto ministro do Interior expulsou de França mais comunidades ciganas que
Sarkozy. Foi a este duro da direita do PSF - a quem a "Economist" já
chamou "o Sarkozy socialista" - que Hollande decidiu entregar o
governo depois do cataclismo de domingo passado, quando viu a direita ganhar as
eleições e a extrema-direita de Marine Le Pen obter um resultado histórico.
Querem a direita? Então tomem lá, decidiu Hollande. E desde segunda-feira é
oficial: toda a França, incluindo o governo socialista - de que já se
auto-excluíram os Verdes - virou totalmente à direita. Hollande e todo o seu
projecto de acabar com a austeridade, etc., suicidaram-se. Não existe nenhuma
aldeia gaulesa capaz de resistir ao consenso invasor de Bruxelas, Berlim e
Frankfurt, quando todos os partidos socialistas e social-democratas são
cúmplices da via única traçada que nos promete austeridade para o resto das
nossas vidas. Infelizmente, até agora também não surgiu uma alternativa
consistente vinda de outros lados.
A nomeação de Valls
- impossível de dissociar do choque provocado entre os socialistas pela ascensão
de Marine Le Pen - é a assunção desta tragédia. Claro que Valls é mediático, é
especialista em política de comunicação e tem aquilo a que se chama "boa
imprensa". Mas a entrega do Palácio de Matignon a um duro da direita do
partido que não gosta do nome "socialista" simboliza o suicídio de
François Hollande e, de certa maneira, a capitulação de toda a
social-democracia europeia.
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