Helena Cristina
Coelho - Económico
Espírito Santo,
Mello e Champalimaud viram o poder e a fortuna desaparecer em menos de um ano
numa das fases mais frenéticas do país. Um livro revela esses episódios.
Acabou-se a
brincadeira, agora é a sério, estes senhores estão presos", anuncia o
tenente Rosário Dias no momento em que, de arma em punho, entra na sala. Os
"senhores" são Manuel Ricardo Espírito Santo, líder do Banco Espírito
Santo na altura, os seus irmãos Jorge e José Manuel, o comandante António
Ricciardi, o administrador Carlos Mello, o secretário-geral, José Maria
Espírito Santo, e os directores José Roquette e Manuel Couto, acompanhados das
respectivas secretárias. Estão cercados na sede do banco, na baixa de Lisboa,
na sala de refeições onde recebiam os clientes mais importantes. Conferidos os
nomes indicados pelos sindicalistas, os administradores são revistados e
seguidos até à rua por trabalhadores armados.
"Matem-nos!",
gritavam à porta, entre insultos e cuspidelas, enquanto os viam ser
distribuídos pelos carros que os levariam à prisão de Caixas. Aí esperaram
pelos mandados de Otelo Saraiva de Carvalho, que comandava o processo
revolucionário, para então ficarem presos. As razões? "Os banqueiros são
acusados de pertencerem a uma associação de malfeitores, de serem exploradores
do povo e de sabotarem a economia", recorda Pedro Jorge Castro em ‘O
Ataque aos Milionários', livro onde relata o cerco que as famílias Espírito
Santo, Mello e Champalimaud e outras sofreram após a revolução do 25 de Abril
de 1974 - as detenções, as contas congeladas, a fuga para o exílio e muitos
outros episódios. A detenção de elementos dos Espírito Santo, a 11 de Março de
1975, liderada por Rosário Dias, uma espécie de "polícia da
Revolução", é apenas um entre muitos.
Retratar a mudança
radical, em menos de um ano, na vida de alguns dos empresários e banqueiros
mais influentes do país foi uma das motivações para este trabalho. "De um
momento para o outro, os homens e famílias mais poderosas do país perdem quase
todo o poder e fortuna. Esta circunstância, dolorosa para eles, mas natural e
justa para os revolucionários (incluindo aqui trabalhadores, sindicalistas,
militares e políticos), era uma fonte de histórias interessantes do ponto de
vista humano", explica o autor. A investigação acabou por confirmar esse
contraste:"o lado dos milionários subitamente desprovidos de poder e
fortuna; e o dos trabalhadores e revolucionários subitamente cheios de
poder". Uma conjuntura ilustrada por várias histórias, como a da empregada
doméstica da família Figueiredo que denunciou Jorge de Mello e outros alegados
conspiradores em cartas a Otelo (p. 205), a venda de pratas recusada à família
Espírito Santo (p. 269) ou a carta em que os irmãos Mello admitem já não
conseguir evitar o saneamento (p. 297).
Do marcelismo ao
cavaquismo
O 25 de Abril marca um ponto de viragem no país, mas também a perda de peso e
influência de grandes grupos e famílias. Nem todas recuperaram, mas "os
três nomes mais sonantes - Mello, Champalimaud e Espírito Santo - recompuseram
as fortunas com aparente facilidade", conta Pedro Jorge Castro, para quem
foi fundamental dedicar uma primeira parte do livro ao que aconteceu antes,
durante o marcelismo, para enquadrar tudo o que se passou a seguir à revolução.
"É de certa forma desonesto apontar as cumplicidades com o poder político
no Estado Novo e depois desde o cavaquismo sem falar deste intervalo em que
alguns deles foram presos sem culpa formada, mas apenas por causa do apelido,
viram as contas bancárias congeladas ou estiveram sob vigilância, foram
impedidos de ir para o estrangeiro e viram as suas empresas nacionalizadas, com
indemnizações definidas muito depois, pagas com um juro baixo e num prazo
longo, precisamente para travar ‘a recuperação capitalista'".
A reviravolta e
regresso ao poder de alguns destes grupos levou tempo. No caso dos Espírito
Santo, "aguentaram-se sobretudo devido aos contactos internacionais e à
confiança dos grandes banqueiros", descreve o autor. Com António
Champalimaud, e embora também beneficiasse de forte reputação internacional,
"o facto de ter arranjado uma "habilidade" para ficar com a fábrica
de cimentos no Brasil fez toda a diferença". No caso dos Mello, há um
episódio que ajudou a família a manter os negócios da CUF no Brasil: "a
intervenção de uma secretária que retirou o livro de actas da sede da empresa
às escondidas". Apesar destas circunstâncias, Pedro Jorge Castro realça
que a mudança de contexto político no cavaquismo jogou o seu papel a favor do
regresso. Mas acredita que, "se não tivessem perdido as empresas nas
nacionalizações, não teriam tido necessidade de se endividarem tanto, logo o
país provavelmente teria hoje grupos económicos mais fortes à escala global (ou
sem essa desvantagem face à concorrência internacional)." Mas isso, claro,
já é história para outra conversa.
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