A
entrada da Guiné Equatorial no capital do Banif é um reencontro com Luís Amado,
atual chairman do banco e ex-ministro dos negócios estrangeiros apoiante do
regime ditatorial de Obiang.
Jorge Costa* – Esquerda net
– 21.02.2014
Para
o presidente do Banif, a entrada da Guiné Equatorial no capital do banco, seria
um “reencontro com a História de Portugal”. Na verdade, é um reencontro com
Luís Amado, atual chairman do banco e ex-ministro dos negócios estrangeiros
apoiante do regime de Obiang. O ditador é um pária internacional e o seu filho
tem mandato de captura em Portugal.
Nos
últimos 15 anos, a Guiné Equatorial deixou de ser apenas um dos últimos países
da lista de desenvolvimento humano para se tornar no “Koweit africano”, com
relações comerciais com todas as grandes potências, chegando a terceiro
produtor de petróleo e gás no continente, atrás da Nigéria e de Angola. Isso
não mudou a estrutura social do país, que continua afundado na pobreza endémica
e com uma esperança média de vida de 51 anos. O círculo do poder concentra a
acumulação da renda petrolífera, inspirado no regime de Angola que é, desde a
queda de Khadafi, o seu principal parceiro político internacional.
O
filho do ditador, seu anunciado sucessor e já proclamado vice-presidente, terá
conseguido situar em bancos norte-americanos centenas de milhões de dólares,
entre eles o Banco Riggs, que também albergava Pinochet e que terminou
encerrado pela Justiça. Uma investigação conduzida pelo Senado norte-americano
revelou em 2004 que a família de Obiang tinha recebido pagamentos de companhias
como a Exxon Mobil ou a Amerada Hess. As petrolíferas dos EUA são as grandes
beneficiárias das concessões da Guiné Equatorial, embora nos últimos anos se
tenha acentuado a influência chinesa no país.
Em
2011, os tribunais norte-americanos ordenaram a apreensão de bens de luxoadquiridos por Teodorin Obiang, no
valor de 70 milhões de dólares. Já em 2012, a justiça francesa emitiu um mandato de
captura em seu nome, válido para toda a zona Schengen, pelo crime de
apropriação indevida de bens públicos. Nessa altura, o recheio do luxuoso
edifício dos Obiang na avenida Foch, em Paris, foi arrestado pelos tribunais franceses.
Há
muito que o governo de Obiang se desdobra em operações de relações públicas,
com o patrocínio de um prémio científico da Unesco e o
pedido de adesão à Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Até agora, a
intenção lusófona do regime da Guiné Equatorial não se concretizou, demasiado
bizarra e de pesado contorno político. Como assinalou Fátima Proença, da ONGD
ACEP, "existe o risco de que a chamada comunidade da lusofonia se converta
na petrofonia".
Com
o surto petrolífero, o regime de Obiang passou a acompanhar de perto as tomadas
de posição do parceiro angolano na economia portuguesa, em particular na banca,
essencial para a lavagem de fundos. É certo que a aplicação em Portugal de 133
milhões de euros, no quadro do aumento de capital submetido pelo Banif ao Banco
de Portugal e à CMVM, poderá abrir algumas das portas que os Obiang rondam há
muito, em busca de aplicações seguras para a riqueza extraída da Guiné
Equatorial.
O
facto de o vendedor desta “máquina de lavar” ser o próprio Estado português,
que controla a maioria do capital do Banif desde que o resgatou, é a melhor
garantia que Obiang pode ter. De resto, o atual chairman do Banif é um velho
aliado do regime, o ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado, que visitou Obiang em 2010 e afirmou na altura
que a adesão da Guiné Equatorial à CPLP deveria ser encarada "com naturalidade e sem dramatização". O processo
só não se consumou sob o governo Sócrates graças à mobilização internacional,
que juntou nomes como Basilio do Nascimento, de Timor-Leste, Frei Betto e Chico
Buarque, do Brasil, Eduardo Lourenço, de Portugal, Justino Pinto de Andrade, de
Angola, e Mia Couto, de Moçambique.
De
facto, os laços históricos da Guiné Equatorial com o espaço da lusofonia são,
no mínimo, remotos. O país inclui as ilhas de Fernando Pó, Ano Bom e Corisco,
mantidas pela Coroa portuguesa desde o século XV e ao longo de trezentos anos
como entreposto do comércio de escravos. Mas, em 1778, as ilhas foram entregues
a Castela em troca da sua retirada da ilha brasileira de Santa Catarina e da
demarcação de fronteiras na América do Sul. Em 1968, o franquismo reconhece a
independência do pequeno país, de 750 mil habitantes e com um terço da
superfície portuguesa, onde pouco mais deixou do que a língua castelhana. Desde
1979 que a Guiné Equatorial é governada por Teodor Obiang governa a Guiné
Equatorial desde 1979, ano em que eliminou o seu antecessor e tio, Francisco
Nguema. Em junho passado, Obiang foi galardoado com o prémio internacional Kim-Jong Il,
“pelo seu compromisso com a justiça, o desenvolvimento, a paz e a harmonia”.
Em
qualquer caso, este “reeencontro com a História de Portugal” não é de
agora. Tem já mais de dez anos e aprofundou-se pela mão do coronel Khadafi, em finais
de 2007, quando a Galp entrou em sociedade com o fundo soberano da Líbia
para investimentos em explorações petrolíferas neste país e noutros seus
vizinhos, entre eles a Guiné Equatorial. Até hoje, a Galp Energia detém uma
participação de 15% na sociedade que construirá um segundo trem de liquefação
de gás natural no país, caso sejam certificados volumes de gás natural que o
tornem viável. O consórcio para o desenvolvimento deste projeto é composto
ainda pela Sonagas (50%), empresa petrolífera nacional, a espanhola Union
Fenosa (20%) e o governo da Guiné-Equatorial (15%).
Já
em 2002 e 2003, o banco do Estado português, a CGD, financiava grandes
contratos de exportação para a Guiné Equatorial, contratos em que se destacaram
os cimentos da Secil e da Cimpor. Outros grupos portugueses com negócios na
Guiné Equatorial são a Reditus, de Miguel Paes do Amaral, nas tecnologias da
informação; a Teixeira Duarte, que apoiou em 2012 a portuguesa SD na
construção do Instituto Tecnológico Nacional de Hidrocarbonetos e afirma contar
com o negócio na Guiné Equatorial para se expandir nas áreas da Geotecnia e
Fundações e nas Obras Marítimas.
Artigo
publicado no blogue Inflexão
Transformações da economia política da Guiné Equatorial
(1995-2010), relatório de Alicia Campos Serrano, Fundación Carolina
*Dirigente
do Bloco de Esquerda. Jornalista
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