Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Têm
proliferado festejos, por parte do Governo e não só, face à descida das taxas
de juros relativas à dívida pública portuguesa. A descida é apresentada como o
resultado do "bom desempenho das políticas que o país tem seguido". O
que há de verdade nesta afirmação? Será que devemos mesmo festejar? O país tem
vantagens imediatas em pagar juros mais baixos, pois com isso ganha umas
centenas de milhões de euros por ano. Mas o abaixamento das taxas de juros tem
muito pouco a ver com o comportamento da economia portuguesa e no plano geral
não existe nenhuma relação sólida entre a evolução da economia real e o que se
está a passar com o "aquecimento dos mercados financeiros". Os
mercados financeiros estão num processo de distorção absoluto face à realidade
económica. Como diz o povo, a bota não dá com a perdigota. A economia real está
pouco mais que estagnada, quer a nível nacional quer europeu, quer ainda em
grande parte de outros países.
São
cada vez mais os alertas para a bolha especulativa em curso e os perigos do seu
quase certo rebentamento. Num lúcido artigo intitulado "Rebenta a
bolha" (site do "Expresso", 18/06), o jovem e talentoso
economista Alexandre Abreu escreveu: "Os mercados financeiros não produzem
e não podem produzir nada - é a esfera real da economia que o faz. E a
exuberância dos mercados financeiros está sempre limitada, em última instância,
pela base real na qual assentam e da qual extraem a riqueza que
redistribuem". E deixa o alerta: "As bolhas formam-se de forma
incremental e discreta, mas rebentam de forma súbita, descoordenada e
espetacular". Os efeitos vêm sempre em catadupa, com falências, desemprego
massivo, redução de salários, de proteção social, de direitos fundamentais dos
cidadãos. E sofrem os países mais pobres e com economias mais frágeis.
Os
portugueses estão hoje bem mais pobres e desprotegidos e com uma economia muito
menos capaz de responder do que há quatro anos. Uma governação responsável
jamais pode embarcar nos festejos que Passos Coelho, Portas e seus
correligionários andam a fazer.
Não
é o povo que ganha quando os títulos ou as ações são transacionados por valores
muito superiores ao seu valor inicial e/ou real. Ganham, com toda a certeza, os
acionistas dos grupos económicos e financeiros cotados em bolsa, mas esse ganho
não resulta da exploração das atividades concretas desses grupos. Na bolsa
portuguesa, espaço micro dos mercados financeiros, também se têm visto subidas
de ações de empresas ou grupos financeiros nacionais que continuam com graves
problemas de estruturação e saneamento, ou seja, podem trazer-nos problemas no
futuro.
A ganância
e a loucura política que hoje nos dominam por diversas vezes foram trágicas
para milhões de pessoas. A Wikileaks denunciou recentemente um processo de
negociação, desenvolvido à socapa por governantes e tecnocratas ao serviço das
grandes multinacionais, que não apenas procura erodir ainda mais a regulação
financeira, como transformar em meros produtos de mercado os recursos
essenciais à vida das pessoas. Além disso, este processo corre contra os
interesses dos chamados países emergentes, o que significa que perigosos
descontentamentos e tensões acabarão por eclodir.
Por
cá continua o folhetim do Grupo Espírito Santo. Passos Coelho tem toda a
confiança no que "já foi dito pelo senhor doutor Ricardo Salgado" e
assume "todo o respeito" pelas questões que concernem a um grupo
privado. Aplauda-se o primeiro-ministro, mas lembremos-lhe que ele e outros
governantes sacaram milhares de milhões de euros a pensionistas, a
desempregados e a trabalhadores no ativo para tapar roubos e buracos de
negócios desastrosos feitos por entidades privadas como esta.
Marques
Guedes diz que o processo Espírito Santo não cria "qualquer problema para
o país e para a sua imagem externa". Em que país e Mundo estamos, se o que
provoca má imagem interna e externa são as decisões do Tribunal Constitucional
e o anseio dos portugueses a retribuições e pensões de reforma dignas, a
proteção no trabalho e no desemprego, à saúde, ao ensino, à justiça?
É
grande o perigo quando se festeja no altar do lucro o sacrifício dos direitos
fundamentais dos cidadãos.
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