quinta-feira, 26 de junho de 2014

Terrorismo patrocinado pelos EUA no Iraque e “O Caos Construtivo” no Oriente Médio



Julie Lévesque - Global Research, Washington – em Opera Mundi

O Iraque está novamente nas capas. E novamente a imagem que nos é apresentada pelos meios de comunicação de massa é uma mistura de meias-verdades, mentiras, desinformação e propaganda. A grande mídia não conta que os Estados Unidos estão patrocinando os dois lados do conflito iraquiano. Washington está publicamente apoiando o governo xiita do Iraque, enquanto secretamente treina, dá munição e patrocina o sunita Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). Apoiar o influxo de brigadas terroristas no Iraque é um ato de agressão estrangeira. Mas a mídia de massa te dirá que a administração Obama está “preocupada” com as ações cometidas pelos terroristas.

A narrativa preferida da maior parte dos grandes meios de comunicação ocidentais e dos EUA é a de que a situação corrente é devida à “retirada” das tropas estadunidenses que terminou em dezembro de 2011 (mais de 200 soldados norte-americanos e assessores militares permaneceram no Iraque). Esse retrato, no qual a retirada dos EUA é culpada pela insurgência, não faz conexão entre a invasão dos EUA em 2003 e a ocupação que se seguiu. Também ignora os esquadrões da morte treinados pelos assessores norte-americanos no Iraque na esteira da invasão e que são o coração da agitação atual.

Como de costume, a grande mídia não quer que você entenda o que está acontecendo. Seu objetivo é moldar percepções e opiniões, construindo uma visão de mundo que serve a interesses poderosos. Por causa disso, eles vão te dizer que é uma guerra civil.

O que está se desenrolando é um processo de “caos construtivo”, projetado pelo Ocidente. A desestabilização do Iraque e sua fragmentação foram planejadas há muito tempo e são parte do “mapa militar Anglo-Americano-Israelense no Oriente Médio”, conforme explicado em 2006 no seguinte artigo:

Esse projeto, que tem estado em fase de planejamento por diversos anos, consiste em criar um arco de instabilidade, caos e violência que se estenda do Líbano, da Palestina e da Síria até o Iraque, o Golfo Pérsico, o Irã e as fronteiras do Afeganistão, guarnecido pela OTAN”.

O projeto ‘Novo Oriente Médio’ foi introduzido publicamente por Washington e Tel Aviv esperando que o Líbano fosse o ponto de pressão para realinhar todo o Oriente Médio e assim desencadear as forças do “caos construtivo”. Esse “caos construtivo” — que gera condições de violência e guerra na região — seria então usado de forma e permitir que os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e Israel pudessem redesenhar o mapa do Oriente Médio de acordo com suas necessidades e objetivos geoestratégicos...

O redesenho e a divisão do Oriente Médio, das costas orientais mediterrâneas do Líbano e da Síria até a Anatólia (Ásia Menor), Arábia, o Golfo Pérsico e o platô iraniano respondem a muitos objetivos econômicos, estratégicos e militares, que são parte de uma agenda anglo-americana e israelense duradoura na região...

Uma guerra mais ampla no Oriente Médio poderia resultar no redesenho de fronteiras que são estrategicamente vantajosas para os interesses anglo-americanos e israelenses...

Tentativas de criar intencionalmente animosidade entre diferentes grupos etnoculturais e religiosos no Oriente Médio têm sido sistemáticas. Na verdade, são parte de uma agenda secreta de inteligência projetada cuidadosamente.

Ainda mais ameaçadores, muitos governos do Oriente Médio, tais como o da Arábia Saudita, estão ajudando Washington a fomentar divisões entre as populações do Oriente Médio. O objetivo final é enfraquecer o movimento de resistência contra a ocupação estrangeira com uma “estratégia de dividir e conquistar”, que serve aos interesses anglo-americanos e israelenses em uma área abrangente da região. (Mahdi Darius Nazemroaya, Plans for Redrawing the Middle East: The Project for a “New Middle East”, [Planos para Redesenhar o Oriente Médio: o Projeto de um “Novo Oriente Médio], novembro de 2006).

Apesar de a estratégia de dividir e conquistar não ser nova, ainda funciona graças aos espelhos e às cortinas de fumaça da mídia.

Projetar uma guerra civil é a melhor forma de dividir um país em diversos territórios. Funcionou nos Balcãs e está bem documentado que as tensões étnicas foram usadas e abusadas para destruir a Iugoslávia e dividi-la em sete entidades separadas.

Hoje, nós estamos claramente testemunhando a balcanização do Iraque com a ajuda de sua ferramenta imperial favorita, isto é, as milícias armadas, às quais se refere como “oposição pró-democracia” ou “terroristas”, dependendo do contexto e do papel que eles têm na psique coletiva.

A mídia ocidental e os oficiais do governo não os definem a partir de quem eles são, mas a partir de contra quem eles lutam. Na Síria, eles constituem “uma oposição legítima, lutadores da liberdade que lutam pela democracia contra uma ditadura brutal”, ao passo que, no Iraque, eles são “terroristas lutando contra um governo eleito democraticamente, apoiado pelos EUA”:

Como é sabido e documentado, as entidades filiadas à Al Qaeda foram usadas pelos EUA-OTAN em numerosos conflitos como “recursos de inteligência”, desde o apogeu da guerra soviética-afegã. Na Síria, os rebeldes da [Frente] Al Nusra e do EIIL são soldados da aliança militar ocidental, que inspeciona e controla o recrutamento e o treinamento das forças paramilitares.

A decisão foi tomada por Washington para canalizar seu apoio (secretamente) a uma entidade terrorista que opera tanto na Síria e no Iraque e que tem bases logísticas nos dois países. O Estado islâmico do Iraque e o projeto do califado sunita de al-Sham coincidem com uma agenda duradoura dos EUA para retalhar o Iraque e a Síria em três territórios separados: um califado sunita islâmico, uma república xiita árabe, e a República do Curdistão.

Enquanto o governo (alinhado ao EUA) de Bagdá compra sistemas avançados de armas dos EUA incluindo jatos de guerra F16 da empresa Lockheed Martin, o Estado Islâmico do Iraque e al-Sham — que está lutando contra as forças do governo iraquiano — é apoiado secretamente pela inteligência ocidental. O objetivo é projetar uma guerra civil no Iraque, na qual os dois lados são controlados indiretamente pelos EUA-OTAN.

O cenário é armá-los e equipá-los, dos dois lados, financiá-los com sistemas de armas avançados e então ‘deixar que lutem’...

Sob o estandarte de uma guerra civil, uma guerra secreta de agressão está sendo travada e essencialmente contribui para destruir profundamente um país inteiro, suas instituições, sua economia. A operação secreta é parte de uma agenda de inteligência, um projeto que consiste em transformar o Iraque em um território aberto.

Enquanto isso, a opinião pública é levada a acreditar que o que está em jogo é o confronto entre xiitas e sunitas. (Michel Chossudovsky, The Engineered Destruction and Political Fragmentation of Iraq. Towards the Creation of a US Sponsored Islamist Caliphate [A Projetada Destruição e Fragmentação Política do Iraque para a Criação de um Califado Islâmico Patrocinado pelos EUA], 14 de junho de 2014)

Nós sabíamos muito antes do começo da guerra contra o terror que a Arábia Saudita era um grande patrocinador do terrorismo islâmico. Mas sendo um fiel aliado dos EUA, a Arábia Saudita é uma exceção à regra proclamada pelo então presidente George W. Bush depois dos ataques terroristas de 11 de setembro: “Nós não faremos distinções entre aqueles que cometeram esses atos e aqueles que os abrigam.”

O fato em questão é que eles sempre fazem distinção, especialmente quando se trata da Arábia Saudita. Apesar de seu apoio ao terrorismo ser reconhecido pela mídia de massa, esta ignora que o fato de os EUA estarem (indiretamente) apoiando entidades terroristas. Para completar, jornalistas da grande mídia nunca dizem a razão pela qual os EUA não estão reagindo ao apoio saudita dado aos terroristas. Os fatos são claros: os EUA estão patrocinando o terrorismo por meio de aliados como a Arábia Saudita e o Qatar. Se aqueles que moldam o discurso na grande mídia falham em ligar os pontos, é simplesmente porque eles não querem fazê-lo.

No Oriente Médio, a Arábia Saudita tem servido aos interesses dos EUA assim como aos seus próprios. A aliança entre os EUA e a Arábia Saudita mostra o desprezo que os EUA na verdade têm pela democracia. Só essa aliança já indica claramente que o objetivo da invasão dos EUA no Iraque não era trazer democracia e liberdade para os iraquianos. Para a Arábia Saudita, um Iraque democrático seria um pesadelo e uma ameaça à sua regra monárquica repressiva:

Desde a queda do regime de Saddam, em 2003, o regime saudita foi enfaticamente hostil ao Iraque. Isso largamente por causa do medo profundamente arraigado de que o sucesso da democracia no Iraque indubitavelmente inspiraria sua própria população. Outra razão é o ódio de raízes profundas — por parte do movimento religioso extremista Wahhabi Salafi, da Arábia Saudita — dirigido aos xiitas. O regime saudita também acusa [o primeiro-ministro do Iraque, Nouri al-] Maliki de dar carta branca ao Irã para intensificar dramaticamente sua influência no Iraque. O regime saudita nunca escondeu que a sua prioridade primordial é minar o que ele percebe como uma altamente perigosa e crescente influência iraniana.

Mesmo apesar de o regime saudita ter se oposto veementemente à saída dos EUA do Iraque, em dezembro de 2011, foi a Síria, e não o Irã, que se tornou o principal alvo da Arábia Saudita para uma mudança de regime. O regime saudita constantemente considerou o regime sírio de Bashar al-Assad um aliado insubstituível e estratégico de seu inimigo principal, o Irã. Os sauditas moveram-se rapidamente para apoiar os insurgentes armados por meio da implantação de seus serviços de inteligência, cujo papel instrumental em estabelecer a Jabhat Al-Nusra [como também é conhecida a Frente Al-Nusra] foi destacado em um relatório de inteligência divulgado em Paris em janeiro de 2013.

O regime saudita também usou sua enorme influência não apenas sobre os líderes tribais sunitas do Iraque ocidental, mas também sobre os membros sauditas do AQI, convencendo-o de que seu campo de batalha principal deveria ser a Síria e que seu objetivo final deveria ser depor o regime alauita de Bashar al-Assad, uma vez que sua queda partiria a espinha dorsal do governo xiita iraquiano e inevitavelmente afrouxaria as garras do Irã no Iraque. (Zayd Alisa, Resurgence of Al Qaeda in Iraq, Fuelled by Saudi Arabia [O Ressurgimento da Al Qaeda no Iraque, com o Combustível da Arábia Saudita], 3 de Março de 2014)

De Paul Bremer a John Negroponte

Mas a peça mais importante do quebra-cabeça iraquiano é o apoio secreto de Washington a terroristas. Para entender melhor a violência sectária que está molestando o país hoje, nós precisamos entender o que os EUA fizeram durante a ocupação. 

Paul Bremer, autor de My year in Iraq, the Struggle to Build a Future of Hope [“Meu ano no Iraque, a Luta para Construir um Futuro de Esperança], teve um papel importante enquanto foi governador civil do Iraque em 2003-2004. “Futuro esperançoso para quem?”, é possível perguntar ao dar uma olhada no que ele fez durante aquele ano. Certamente não para os iraquianos:

Quando Paul Bremer dissolveu as forças de segurança nacional e de polícia iraquianas, ele formou outras a partir de milícias sectárias e mercenárias que estavam apoiando e patrocinando a ocupação. Na verdade, a natureza de crimes hediondos cometidos por essas forças foi a motivação maior por trás da matança sectária violenta de 2006-2007.

De acordo com os protocolos da Convenção de Genebra, a ocupação representada por Bremer não apenas falhou em sua tarefa de proteger a população do país ocupado, mas também formou milícias e gangues armadas para ajudá-los a controlar o país.

Paul Bremer cometeu crimes contra a humanidade e um ato de limpeza e genocídio no Iraque ao alvejar milhares de civis inocentes por meio do Ministro do Interior e dos Comandos Especiais. (Prof. Souad N. Al-Azzawi, US Sponsored Commandos Responsible for Abducting, Torturing and Killing Iraqis. The Role of Paul Bremer [Os Comandos Patrocinados pelos EUA Responsáveis por Sequestrar, Torturar e Matar Iraquianos. O Papel de Paul Bremer], 4 de janeiro de 2014).

Em 2004-2005, o embaixador dos EUA John Negroponte continuou o trabalho de Bremer. Pela sua experiência em esmagar dissidências na América Central com a ajuda de esquadrões da morte sanguinolentos durante os anos 80, Negroponte era “o homem certo”.

Esquadrões da morte patrocinados pelos EUA foram recrutados no Iraque a partir de 2004-2005, em uma iniciativa lançada sob o comando do embaixador dos EUA John Negroponte, que foi despachado para Bagdá pelo Departamento de Estado dos EUA em junho de 2004...

Negroponte era o ‘homem certo’. Como embaixador dos EUA em Honduras de 1981 até 1985, Negroponte teve um papel-chave no apoio e supervisão dos contras [nome dado a diversos grupos insurgentes de oposição ao governo da Frente Sandinista de Libertação Nacional] nicaraguenses baseados em Honduras, assim como em supervisionar as atividades dos esquadrões da morte militares hondurenhos.

Em janeiro de 2005, o Pentágono confirmou que estava considerando: ‘formar esquadrões de ataque de lutadores curdos e xiitas para alvejar líderes da insurgência iraquiana [Resistência] em uma mudança estratégica emprestada da luta norte-americana contra as guerrilhas de esquerda na América Central 20 anos atrás’.

Sob a chamada ‘Opção de El Salvador’, as forças iraquianas e americanas seriam enviadas para matar ou assassinar líderes da insurgência, mesmo na Síria, onde acredita-se que alguns se abrigam...

Esquadrões de ataque seriam controversos e seriam provavelmente mantidos em segredo.

Enquanto o objetivo divulgado da ‘Opção Iraque Salvador’ era ‘remover a insurgência’, na prática, as brigadas do terror patrocinadas pelos EUA estavam envolvidas em matanças de rotina de civis com o objetivo de fomentar a violência sectária. Em troca, a CIA e o MI6 [serviço britânico de inteligência] estavam supervisionando unidades da ‘Al Qaida no Iraque’ envolvidas em assassinatos contra a população xiita. Importantes, os esquadrões da morte eram integrados e aconselhados por Forças Especiais dos EUA disfarçadas”.(Prof Michel Chossudovsky, Terrorism with a “Human Face”: The History of America’s Death Squads [Terrorismo com uma “Cara Humana”: A História dos Esquadrões de Morte dos Estados Unidos], 04 de janeiro de 2013)

Agora estão nos dizendo que o EIIL conseguiu colocar suas mãos em armas sofisticadas feitas pelos EUA. Não se engane. Essas armas não chegaram lá acidentalmente. Os EUA sabiam exatamente o que estavam fazendo quando armaram e fundaram a “oposição” na Líbia e na Síria. O que eles fizeram não foi idiotice. Eles sabiam o que iriam acontecer e é o que eles queriam. Alguns da mídia progressista falam sobre efeito bumerangue, quando um trunfo da inteligência se vira contra seus patrocinadores. Esqueça do efeito bumerangue. Se é isso que é, é um “efeito bumerangue” muito cuidadosamente planejado.

A Política Externa dos EUA. Falha, Estúpida ou Diabólica

Alguns argumentarão que a política externa dos EUA no Oriente Médio é um “fracasso”, que os políticos são “estúpidos”. Não é um fracasso e eles não são estúpidos. É isso que eles querem que você pense porque eles acham que você é estúpido.

O que está acontecendo agora foi planejado há muito tempo. A verdade é que a política externa dos EUA no Oriente Médio é diabólica, brutalmente repressiva, criminosa e antidemocrática. E o único jeito de sair dessa confusão sangrenta é “uma volta à lei”.

Existe apenas um único antídoto contra a “guerra civil’ que está agora dividindo o Iraque — e é uma volta à lei e uma convocação da justiça. A guerra iniciada pelos líderes do governo contra as pessoas do Iraque, em 2003, não foi um erro: foi um crime. E esses líderes deveriam prestar contas, na justiça, pelas suas decisões. (Inder Comar, Iraq: The US Sponsored Sectarian “Civil War” is a “War of Aggression”, The “Supreme International Crime” [Iraque: a “Guerra Civil” Sectária Patrocinada pelos EUA é uma “Guerra de Agressão”, o “Crime Supremo Internacional”], 18 de junho, 2014)

* Artigo originalmente publicado no Global Research 

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