ANA DIAS CORDEIRO - Público
A
duas semanas da entrada deste país na CPLP, Bloco de Esquerda considera que a
organização lusófona “vai perder papel único e valor que tinha na diplomacia
internacional”.
PS
e PSD não diferem muito na perspectiva que têm da entrada da Guiné Equatorial
na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) esperada na cimeira de
chefes de Estado e de Governo no final deste mês.
Nem
um nem outro comentam, de forma concreta, a realidade do país onde estão
presas, sem culpa formada, pessoas que são vítimas de tortura e onde qualquer
tipo de oposição ao regime do Presidente Obiang Nguema, no poder desde 1979, é
reprimido. O caminho para muitos dissidentes e activistas é o exilio forçado, a
partir de onde descrevem essa dura realidade a que governos e oposições nos
países membros da CPLP, como Portugal, ficam quase sempre alheios.
O
Bloco de Esquerda (BE) é, dos partidos contactados pelo PÚBLICO, o único a
reagir concretamente às notícias de violações e tortura que persistem naquele
país, mesmo depois de os ministros dos Negócios Estrangeiros dos Estados da
CPLP terem recomendado a adesão, em Fevereiro.
Para
PS e PSD, não se coloca sequer a hipótese de reconsiderar essa posição. O CDS
mantém o silêncio apesar dos insistentes pedidos dos últimos dias. E o PCP não
responde a perguntas concretas, como a de saber se considera, como o PSD, que
as garantias dadas pelo Estado da Guiné Equatorial, em como vai respeitar os
princípios fundadores e de respeito dos direitos humanos da CPLP, são
suficientes. O que conta, para o PSD, é a palavra das autoridades do Estado da
Guiné Equatorial, represente ele ou não, como considera o BE, “uma ditadura
brutal”.
“Muitos
casos de tortura”
O caso do empresário italiano Roberto Berardi, mantido numa cela em isolamento desde Janeiro deste ano, vítima de tortura na prisão central de Malabo e, durante longos períodos, sem acesso à medicação prescrita pelos médicos, apesar de estar doente e em perigo de vida, é “apenas um entre muitos outros”, como diz o seu irmão, num email enviado esta semana ao PÚBLICO: “Roberto adora África e por isso está lá. Ele não está a sofrer apenas por aquilo que está a viver, mas por aquilo a que está a assistir e o que está a ser feito a outras pessoas na prisão.”
Berardi
foi preso na Guiné Equatorial em Janeiro de 2013 e condenado a dois anos e
quatro meses de prisão, por “apropriação indevida” de fundos de uma empresa de
construção que criou com Teodorin Obiang, filho do Presidente e seu mais do que
provável sucessor. Berardi foi preso no mesmo dia em que descobriu que muito
dinheiro tinha desaparecido da conta da sociedade formada em 2008, a Eloba
Construcciones SA.
Teodorin
Obiang, segundo vice-presidente da Guiné Equatorial, está a ser investigado em
França e nos Estados Unidos por corrupção, lavagem
de dinheiro e desvio de fundos do Estado, através de práticas
criminosas. É alvo de um mandado de captura internacional lançado em 2012 pela
França. Essa investigação abrange as actividades da Eloba, mas Berardi foi
ilibado de qualquer responsabilidade pelos procuradores do Departamento de
Justiça norte-americano em
Los Angeles , onde foi lançada a queixa. Estes consideram que
o empresário não tinha conhecimento das ilegalidades cometidas por Teodorin,
mas podia ser uma importante testemunha de acusação como já o estão a ser
ex-funcionários da Eloba, que conseguiram sair do país.
A
situação de Berardi foi denunciada pela Human Rights Watch e a Organização
Mundial Contra a Tortura, com base nas informações prestadas pela família em
Itália (onde estão também os três filhos do empresário). Todos temem que o
italiano morra na prisão, como
noticiou o PÚBLICO na semana passada.
O
gabinete do ministro dos Negócios Estrangeiros Rui Machete não reagiu à
situação, embora solicitado. E o embaixador da Guiné Equatorial em Portugal,
José Chubum, não respondeu a um pedido de entrevista feito na perspectiva da
adesão da Guiné Equatorial.
Uma
questão dos Estados membros
Na perspectiva do PS - diz Paulo Pisco, coordenador nacional dos Negócios Estrangeiros -, compete aos Estados membros da CPLP “interpelar” as autoridades de Malabo sobre questões deste tipo, agora que esses países se preparam para acolher a antiga colónia espanhola como membro de pleno direito na cimeira de 23 de Julho em Díli, depois de em 2006 ter sido admitido como país observador.
Nas
palavras do vice-presidente da bancada do PSD com o pelouro das Relações
Internacionais, António Rodrigues, está igualmente subjacente a ideia de que a
entrada do país é assunto encerrado. O deputado lembra que o processo de adesão
começou com o PS no poder. A moratória de abolição da pena de morte é invocada
por António Rodrigues (como o é frequentemente por governantes e responsáveis
da CPLP) para apontar “progressos” e passar a mensagem de que a Guiné
Equatorial está no rumo certo, depois
de em 2010 ter sido criado um roteiro para a adesão, que impunha o ensino
do português no país e o fim da pena capital.
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