sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Desenvolvimento de Timor-Leste gera preocupações do outro lado da fronteira




Jacarta, 29 ago (Lusa) - Algumas das figuras centrais da história de Timor-Leste em 1999, ano do referendo que decidiu a independência, olham para o desenvolvimento do mais recente país do Sudeste Asiático com preocupação, esperando um futuro melhor.

A jovem nação tem feito progressos, mas alguns especialistas alertam que pode tornar-se num estado falhado, dado que quase metade da população vive abaixo do nível de pobreza e só 30 por cento dos timorenses em idade ativa participam no mercado de trabalho, estando o país dependente das verbas geradas pelo petróleo e pelo gás.

Xanana Gusmão, um dos líderes da luta contra a ocupação indonésia de Timor-Leste, tem reafirmado a sua intenção de abandonar o cargo de primeiro-ministro desde 2012, mas este mês foi aprovada uma resolução que estabelece um período de transição para a sua saída até 2017.

Dewi Fortuna Anwar, que foi secretária de Estado no executivo de Habibie, o presidente da Indonésia que aceitou a autodeterminação de Timor-Leste, em declarações à Lusa, entende que o mais importante é "resolver todas as divisões políticas de forma democrática", pois os Estados falham normalmente devido a problemas económicos provocados por instabilidade política.

Apesar de elogiar a forma como "a democracia está a ser conduzida" e de se mostrar "otimista", Dewi Fortuna Anwar alerta que Timor-Leste "precisa de ter uma boa política de desenvolvimento económico" e resolver os "conflitos sociais", apostando no "desenvolvimento humano, saúde, educação, ambiente e boa governança".

Para a antiga governante, a assistência internacional, apesar de ser benéfica, comporta alguns riscos, como a dependência para a resolução de problemas nacionais, a inflação e um fosso entre a população local e os estrangeiros, dado que estes estes auferem salários bem mais altos do que os habitantes locais.

Francisco Lopes da Cruz, que foi um defensor da integração de Timor-Leste na Indonésia e antigo vice-governador do território, diz-se "otimista" quanto ao futuro do seu país de origem e considera que as autoridades timorenses têm de fazer do "bem-estar do povo" uma "prioridade".

O antigo conselheiro dos últimos cinco presidentes indonésios acrescenta à Lusa que é necessário um plano a longo prazo, "leis muito mais bem definidas", para, por exemplo, regular o investimento, e mais atividade económica que gere emprego.

Para o também antigo embaixador indonésio em Lisboa, Timor-Leste precisa de depender de um líder como Xanana Gusmão, "porque as coisas ainda não estão bem estruturadas", "falta unidade" entre os timorenses e há um potencial de conflito devido ao facto de o poder estar ocupado por "aqueles que têm mais dinheiro".

Eurico Guterres, ex-líder da milícia pró-indonésia Aitarak, defende que "todas as componentes da população de Timor-Leste devem usufruir da venda do petróleo" e confessa que não consegue imaginar Timor-Leste sem a Indonésia, pois muitos timorenses vivem, estudam e compram no país vizinho, onde os preços são mais baratos.

"Estou muito triste por causa da notícia de que em Timor-Leste houve um "Xananismo", que todas as áreas da nossa vida são decididas pelo Xanana. Mesmo em matérias criminais ou conflitos de terra", confessou à Lusa o também presidente do conselho regional do Partido do Mandato Nacional (PAN) em Timor Ocidental, na Indonésia.

Eurico Guterres foi a única pessoa que esteve detida por causa da violência que se seguiu ao referendo de 1999 e que fez mil mortos, mas volvidos dois anos o Supremo Tribunal da Indonésia absolveu-o por falta de provas.

Também Kiki Syahnakri, que era comandante das forças indonésias antes da saída dos indonésios de Timor-Leste e que "ama" o país vizinho, se mostra "preocupado quanto à prosperidade" dos timorenses, até porque as receitas do petróleo não são "assim tão significativas".

O antigo responsável militar, que sabe tétum e algumas palavras em português e que em 2013 lançou o livro "Timor-Leste: A história não contada", aponta que um dos erros da Indonésia foi não prestar atenção à cultura timorense e recorda que muitos indonésios tiveram de abandonar as suas propriedades em Timor-Leste após a independência.

Após 460 anos de colonização portuguesa, Timor-Leste sofreu 24 anos de ocupação indonésia que fizeram pelo menos 183 mil mortos até 1999, ano em que a consulta popular determinou a legitimação da independência do país três anos mais tarde.

A 30 de agosto de 1999, mais de 98 por cento dos timorenses votaram na consulta -- termo imposto pela Indonésia, potência ocupante -- sobre o estatuto de Timor-Leste. O resultado em massa a favor de um futuro Estado independente abriu caminho à independência do território, a 20 de maio de 2002.

AYN // EL - Lusa

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