António
Veríssimo, Lisboa
Seguem-se
três títulos de despachos da jornalista da Lusa em Timor-Leste, Isabel Marisa
Serafim. Um bom trabalho. Melhor ainda seria se tivesse o desenvolvimento e devida
complementaridade num artigo de fundo em abordagem merecida sobre o enclave
timorense na Indonésia, Oécussi.
O
Oécussi sempre esteve a anos-luz de Díli. Mesmo quando ali flamejava a bandeira
de Portugal e Timor era colónia portuguesa. Então, o acesso ao enclave era
ainda muito mais limitado, duas barcaças da segunda guerra mundial asseguravam
a péssima ligação ao que era chamado de “Outro Mundo”. Por via aérea um bimotor
ia até lá de vez em
quando. Regra geral transportando os malai-botes (estrangeiros importantes) do
colonialismo. Esporadicamente. Oécussi estava perto de Díli, mas muito longe.
Pelo visto ainda é assim, 12 anos após a independência de Timor-Leste. Melhorias
constam no registo que a jornalista da Lusa nos transmite. Melhorias relativas
ao tempo de Timor colónia portuguesa. Mas já lá vão 40 anos. E agora, após 12
anos de independência, o atraso, as carências, o abandono de Oécussi ainda é
reportado. Caso para perguntar: o que é que os governos timorenses têm andado a
fazer pelo país e pelos timorenses?
Milhões
e milhões, milhares de milhões de dólares têm escorrido para os cofres
timorenses doados pela comunidade internacional. Timor-Leste tem tido à sua
disposição outros tantos milhares de milhões inscritos nos seus Orçamentos de
Estado… Mesmo assim Oécussi continua tão perto e tão longe de Díli. Na capital
os timorenses vêem o fruto desses milhares de milhões em tudo de topo de gama
propriedade de alguns. Políticos e amigos que viraram empresários. Uns e outros
chegaram a Timor-Leste com “uma mão atrás e outra à frente”. Pelintras, sem
nada. Só com a aparente ânsia patriótica de servir Timor-Leste. Foi há 12 anos.
Agora estão ricos, mas o povo timorense continua pobre, carenciado. Oécussi
continua longe apesar de geograficamente estar perto de Díli. Em muitos casos o
interior de Timor-Leste continua longe de Díli. Tão longe quanto os milhares de
milhões que não serviram para proveito dos timorenses mas somente de alguns,
estrangeiros e timorenses. Esses são, ou foram, os malai-botes da atualidade. Cá
por mim chamo-lhes ladrões. Que é o correto no dicionário português ou de outro
idioma qualquer. É assim: “Quem cabritos vende e cabras não tem de algum lado
vem.” Um adágio português que serve em todo o mundo para designar os ladrões.
Timor-Leste,
os timorenses, a plebe a quem andam a “oferecer uns rebuçados para os contentar”,
enquanto dão sumiço às notas verdes, merece muito mais que este simples texto
mas o propósito agora deve-se ao trabalho da jornalista da Lusa, que se segue. Noutra
oportunidade a abordagem a Timor-Leste, aqui no Página Global, talvez se prenda
na “confusão” que existe no setor da cooperação de professores portugueses (e
brasileiros) para aquele país destacados. Uma Antonieta qualquer põe e dispõe e
usa o despotismo como quem parte cocos. Talvez em breve lá cheguemos. Só é
preciso tempo para isso e professores que não se calem, não se verguem,
repudiem os amiguimos e as subserviências. Mantenham-se, naturalmente, a usar a
coluna vertebral na vertical.
Mas
dessa questão… São outras histórias. Que tardam mas que estão a amadurecer. O
que é bom, desde que não apodreçam no contágio que possa existir com a seleção
e manutenção de professores portugueses cooperantes em Timor-Leste ou para
Timor-Leste.
Vamos ao Oécussi e ao despacho da Lusa. Na expetativa de que Mari Alkatiri combata e inverta a "sina" de Oécussi e suas enormes carências com a criação da Zona Especial... Que não aconteça mais do mesmo.
(AV
/ PG)
Oecússi
ainda fica longe de Timor-Leste 12 anos depois da independência
Díli,
13 set (Lusa) - Doze anos depois da restauração da independência de
Timor-Leste, viajar para o enclave timorense de Oecússi ainda pode ser bastante
complicado para quem tem falta de dinheiro, tempo e paciência.
Alcançar
Oecússi a partir de Díli pode tornar-se numa verdadeira aventura de vários dias
para conseguir reunir as condições necessárias para chegar ao enclave, quer
seja por mar, por terra ou por ar.
Fazer
a viagem por ar é a forma mais rápida, mas também a mais cara de chegar.
A
viagem demora 45 minutos e é garantida apenas por uma organização australiana
de ajuda humanitária, que faz o transporte de pessoas doentes. As autoridades
timorenses ainda não garantem a ligação aérea ao enclave.
Por
cerca de 1.200 dólares, só a ida, pode-se alugar uma avioneta com seis lugares
ou conseguir-se um lugar por 50 dólares num dos percursos se o aparelho já
tiver sido fretado.
Por
terra, o tempo de viagem aumenta, e é preciso mais paciência e mesmo assim,
embora menos, algum dinheiro para ajudar os militares, polícias e serviços de
estrangeiros e fronteiras da Indonésia a fazer as coisas tal como previstas na
lei.
Os
procedimentos também são mais exigentes. Caso se vá em transporte próprio,
precisa-se ir à Direção-Geral de Transportes em Díli atestar que o veículo é
legal. Depois, conseguir-se o visto e a autorização para o carro circular na
Indonésia, na embaixada indonésia em Díli.
Chegar
a Oecússi por terra pode demorar cerca de oito horas, mas podem ser bem mais,
dependendo do tempo que se passa nas fronteiras, que são duas: uma em Atambua e
outra Wini, antes de entrar em Sakato, já no enclave.
Por
mar, é a opção mais popular, mais barata e menos complicada, mas também a que é
feita em condições mais desumanas.
Viajar
no velho Nakroma demora entre 10
a 12 horas, dependendo do estado mar, o mesmo tempo que
leva uma viagem de avião entre Singapura e a Europa.
O
barco faz a ligação ao enclave duas vezes por semana e conseguir um bilhete (no
valor de oito dólares (cerca de seis euros), só ida), que é sempre comprado na
véspera da viagem, implica paciência para uma longa fila de espera.
A
viagem é feita durante a madrugada e a bordo as condições não são as melhores,
podendo ser piores se a lotação estiver mais do que esgotada.
As
condições de segurança deixam muito a desejar, bem como as casas-de-banho
disponíveis a bordo, mas o velho Nakroma é claramente o transporte mais popular
para chegar a Oecússi, também porque implica menos dinheiro e menos burocracia.
MSE
// VM - Lusa
Desenvolvimento
de Timor-Leste começa em Oecússi, enclave onde nasceu o país
Isabel
Marisa Serafim (Texto) e António Amaral (Fotos), da agência Lusa
Díli,
13 set (Lusa) - Os habitantes de Oecússi gostam de lembrar que Timor-Leste
nasceu no enclave, situado na metade ocidental da ilha de Timor, e 12 anos
depois da independência é naquele local que será iniciado o desenvolvimento do
país.
"Foi
aqui que nasceu Timor-Leste", diz um cidadão de Oecússi, no monumento de
Lifau, que assinala a chegada dos primeiros colonizadores portugueses à ilha,
em 18 de agosto de 1515.
O
monumento foi construído durante o tempo da ocupação indonésia, que em Oecússi
ocorreu a 29 de novembro de 1975, e é um "símbolo da resistência à
ocupação", explicou.
"Aqui
também é Portugal", é uma das frases inscritas no monumento de Lifau, que
no próximo ano voltará a ser o centro de Timor-Leste, quando se assinalarem os
500 anos da chegada dos portugueses, antiga potência colonizadora.
Quase
500 anos depois, um outro monumento, mais pequeno, foi construído em Pante Macassar , a
capital de Oecússi, a cerca de seis quilómetros de Lifau.
Uma
lápide, iluminada, assinala o desenvolvimento prometido para o berço do país
com o lançamento da primeira pedra para o início da implementação do
projeto-piloto para a criação da Zona Especial de Economia Social de Mercado,
liderado pelo antigo primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri.
"A
escolha de Oecússi é um pouco como voltar à história", afirmou à agência
Lusa Mari Alkatiri.
"Assim
como Timor-Leste começou em Oecússi, o desenvolvimento de Timor-Leste vai
começar em Oecússi para se estender ao resto do país", sublinhou o também
secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
Mas,
para que o desenvolvimento seja uma realidade, não há milagres, avisou Mari
Alkatiri, salientando que ou há trabalho, participação e compreensão, ou
dificilmente as coisas poderão ser feitas.
Há
obras. Os pequenos e poucos restaurantes existentes na cidade estão a melhorar
as infraestruturas com a construção de quartos para receber os forasteiros e em
agosto foi lançada a primeira pedra para a construção de um hotel e assinado um
memorando de entendimento para o estabelecimento do Instituto Superior de
Oecússi.
O
novo porto para receber as duas viagens semanais do Nakroma, barco que faz a
ligação com Díli, já foi inaugurado e a construção de novas estradas, mais
largas, e do aeroporto vão começar entre este mês e outubro, bem como a
reabilitação da marginal da cidade.
Com
cerca de 60 mil habitantes, a população de Oecússi pratica essencialmente uma
agricultura de subsistência, cria gado e produz tais, os típicos panos
timorenses.
A
pesca é quase inexistente e a maior parte dos produtos consumidos são
provenientes da vizinha indonésia, outros chegam no Nakroma.
Em
Oecússi, a vida é barata (uma refeição num restaurante local custa cerca de
três dólares) e já há quem tema que a chegada esperada de mais gente à cidade
vá inflacionar os preços.
Há
também quem duvide se o desenvolvimento falado vai chegar aos habitantes de
Oecússi, mas para já ninguém quer dar a cara a contestar o projeto-piloto das
autoridades timorenses.
É
esperar para ver, dizem os mais céticos, enquanto outros não duvidam que o
projeto vai criar postos de trabalho.
"O
projeto vai aumentar o trabalho", afirmou Ricardo Sufa, 47 anos, um antigo
veterano, pai de sete filhos, que vive essencialmente do que cultiva na horta,
dos animais que cria e da produção de tais, bem como da pensão que recebe do
Estado timorense.
"É
muito bom para a comunidade da região de Oecússi", acrescentou Marcelino
Babo, de 50 anos e com oito filhos, apesar de lamentar a falta de luz no local
onde vive, mais para as montanhas.
Enquanto
se espera pelo futuro, em Oecússi os dias mais agitados continuam a ser os da
chegada do Nakroma ou os das festas organizadas pelas autoridades nos feriados
nacionais, quando as pessoas se reúnem a ouvir as bandas e ver, no final da
noite, o fogo-de-artifício.
MSE
// VM - Lusa
Nakroma,
a falta de indignação numa viagem com poucas condições de segurança
Isabel
Marisa Serafim (Texto) e António Amaral (Fotos), da agência Lusa
Díli,
13 set (Lusa) - A falta de indignação dos passageiros é o que mais surpreende
na viagem do barco Nakroma, que liga a capital de Timor-Leste ao enclave do
Oecússi, num percurso feito em condições pouco humanas e seguras.
O
Nakroma, construído na Indonésia com dinheiro doado pela Alemanha e a navegar
em Timor-Leste há cerca de sete anos, é a única ligação que o Estado timorense
disponibiliza até ao enclave de Oecússi, um distrito com pouco mais de 60 mil
habitantes no lado ocidental da ilha de Timor, e onde vai ser desenvolvido o
Projeto de Economia Social de Mercado, liderado pelo antigo primeiro-ministro
Mari Alkatiri.
O
trânsito lento, na marginal, e a presença de centenas de pessoas junto ao porto
de Díli significam, por norma, dia de Nakroma, o que acontece à segunda e à
quinta-feira.
Ao
início da tarde, os passageiros começam a juntar-se na porta que dá acesso ao
embarque no Nakroma. Homens, mulheres, crianças esperam horas para conseguir
entrar no barco.
A
carga já foi entregue de manhã e ocupa todo o porão do navio. A entrada de passageiros
é lenta e o controlo de bilhetes apertado. Há quem seja impedido de entrar pela
falta de título de viagem.
Enquanto
se espera que a massa humana que se aglomera no porão desague para o primeiro e
segundo convés do barco, desabafam-se impaciências e contam-se histórias,
memórias de outros tempos, quando fazer a viagem era pior.
"Antigamente,
no outro barco, a viagem era muito pior", recorda uma freira portuguesa,
possivelmente a passageira que mais milhas acumula no Nakroma, já que chega a
ir e vir no mesmo dia.
Já
para Ronaldo, 14 anos, nada importa. Aquele jovem regressa a Oecússi depois da
sua primeira visita à capital.
"O
que mais gostei foi do centro comercial", disse à agência Lusa Ronaldo,
que também visitou o Arquivo e Museu da Resistência e o Cristo Rei e espera
completar o ensino secundário para vir para Díli estudar na universidade.
Ao
lado de Ronaldo, está Rui, que tem 19 anos e visitou a capital pela segunda
vez. Também sonha vir para Díli, mas para ingressar nas forças de defesa.
Enquanto
se fala, caminha-se, pé ante pé, devagar até se ficar numa fila, ainda mais
lenta, para subir as escadas para o convés.
Depois
escolhem-se lugares, ocupam-se cantos, vãos de escada e todos os pequenos
espaços disponíveis e que permitam esticar as pernas e o tempo passa e o
Nakroma não larga.
"Há
passageiros a mais", afirmou um homem sentado no corredor dos camarotes da
tripulação.
"Já
estão a contar os passageiros", exclamou outro, mais ao fundo.
A
tripulação leva mais duas horas a confirmar que todos os passageiros têm
bilhete, depois é dada ordem e passados minutos o Nakroma larga as amarras,
devagar, já de noite, rumo a Oecússi.
A
seguir, a movimentação de passageiros é grande, estendem-se tapetes no chão,
montam-se verdadeiros piqueniques, alimentam-se crianças, ajeitam-se cantos
improvisados como camas para uma noite de 10 horas de viagem e passadas umas
horas reina o silêncio no barco, interrompido apenas por algum toque de
telemóvel, por um rádio a debitar uma música qualquer ou por sussurros dos que teimam
em não dormir.
Ao
início da madrugada, já é quase impossível circular no barco. Os corpos
imobilizados, juntos uns aos outros, ocupam todo o chão.
A
passagem até ao exterior, já que o calor no interior no navio é insuportável, é
feita por entre pernas e braços adormecidos dos corpos, crianças nuas a dormir
entre os pais, e os restos, o lixo, dos piqueniques.
"Não
há condições. É preciso um barco novo", disse um professor da capital, que
se deslocou a Oecússi durante uma semana para um projeto-piloto para introdução
de hábitos de leitura nos docentes timorenses.
Ao
lado, os restantes passageiros concordam, um mais velho está preocupado:
"seja o que Deus quiser".
O
Nakroma chegou a Oecússi, naquele dia, mais devagar. Ao todo levava 520
passageiros, apesar da lotação máxima ser 300. À carga dos passageiros
juntaram-se 55 toneladas de arroz e 25 toneladas de açúcar.
Todos
os passageiros tinham bilhete e segundo alguns passageiros há muitas pessoas no
porto de Díli a vendê-los.
Apesar
da falta de condições, incluindo de segurança, ninguém reclama, porque, afinal
o que é preciso é chegar a Díli ou a Oecússi, enquanto o novo barco, que deverá
fazer a ligação em cerca de cinco horas, não chega.
Até
lá, "seja o que Deus quiser".
MSE
// VM - Lusa
*Título
PG
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