sábado, 13 de setembro de 2014

OÉCUSSI, O ENCLAVE TIMORENSE NA INDONÉSIA. TÃO PERTO E TÃO LONGE DE DÍLI



António Veríssimo, Lisboa

Seguem-se três títulos de despachos da jornalista da Lusa em Timor-Leste, Isabel Marisa Serafim. Um bom trabalho. Melhor ainda seria se tivesse o desenvolvimento e devida complementaridade num artigo de fundo em abordagem merecida sobre o enclave timorense na Indonésia, Oécussi.

O Oécussi sempre esteve a anos-luz de Díli. Mesmo quando ali flamejava a bandeira de Portugal e Timor era colónia portuguesa. Então, o acesso ao enclave era ainda muito mais limitado, duas barcaças da segunda guerra mundial asseguravam a péssima ligação ao que era chamado de “Outro Mundo”. Por via aérea um bimotor ia até lá de vez em quando. Regra geral transportando os malai-botes (estrangeiros importantes) do colonialismo. Esporadicamente. Oécussi estava perto de Díli, mas muito longe. Pelo visto ainda é assim, 12 anos após a independência de Timor-Leste. Melhorias constam no registo que a jornalista da Lusa nos transmite. Melhorias relativas ao tempo de Timor colónia portuguesa. Mas já lá vão 40 anos. E agora, após 12 anos de independência, o atraso, as carências, o abandono de Oécussi ainda é reportado. Caso para perguntar: o que é que os governos timorenses têm andado a fazer pelo país e pelos timorenses?

Milhões e milhões, milhares de milhões de dólares têm escorrido para os cofres timorenses doados pela comunidade internacional. Timor-Leste tem tido à sua disposição outros tantos milhares de milhões inscritos nos seus Orçamentos de Estado… Mesmo assim Oécussi continua tão perto e tão longe de Díli. Na capital os timorenses vêem o fruto desses milhares de milhões em tudo de topo de gama propriedade de alguns. Políticos e amigos que viraram empresários. Uns e outros chegaram a Timor-Leste com “uma mão atrás e outra à frente”. Pelintras, sem nada. Só com a aparente ânsia patriótica de servir Timor-Leste. Foi há 12 anos. Agora estão ricos, mas o povo timorense continua pobre, carenciado. Oécussi continua longe apesar de geograficamente estar perto de Díli. Em muitos casos o interior de Timor-Leste continua longe de Díli. Tão longe quanto os milhares de milhões que não serviram para proveito dos timorenses mas somente de alguns, estrangeiros e timorenses. Esses são, ou foram, os malai-botes da atualidade. Cá por mim chamo-lhes ladrões. Que é o correto no dicionário português ou de outro idioma qualquer. É assim: “Quem cabritos vende e cabras não tem de algum lado vem.” Um adágio português que serve em todo o mundo para designar os ladrões.

Timor-Leste, os timorenses, a plebe a quem andam a “oferecer uns rebuçados para os contentar”, enquanto dão sumiço às notas verdes, merece muito mais que este simples texto mas o propósito agora deve-se ao trabalho da jornalista da Lusa, que se segue. Noutra oportunidade a abordagem a Timor-Leste, aqui no Página Global, talvez se prenda na “confusão” que existe no setor da cooperação de professores portugueses (e brasileiros) para aquele país destacados. Uma Antonieta qualquer põe e dispõe e usa o despotismo como quem parte cocos. Talvez em breve lá cheguemos. Só é preciso tempo para isso e professores que não se calem, não se verguem, repudiem os amiguimos e as subserviências. Mantenham-se, naturalmente, a usar a coluna vertebral na vertical.

Mas dessa questão… São outras histórias. Que tardam mas que estão a amadurecer. O que é bom, desde que não apodreçam no contágio que possa existir com a seleção e manutenção de professores portugueses cooperantes em Timor-Leste ou para Timor-Leste.

Vamos ao Oécussi e ao despacho da Lusa. Na expetativa de que Mari Alkatiri combata e inverta a "sina" de Oécussi e suas enormes carências com a criação da Zona Especial... Que não aconteça mais do mesmo.

(AV / PG)

Oecússi ainda fica longe de Timor-Leste 12 anos depois da independência

Díli, 13 set (Lusa) - Doze anos depois da restauração da independência de Timor-Leste, viajar para o enclave timorense de Oecússi ainda pode ser bastante complicado para quem tem falta de dinheiro, tempo e paciência.

Alcançar Oecússi a partir de Díli pode tornar-se numa verdadeira aventura de vários dias para conseguir reunir as condições necessárias para chegar ao enclave, quer seja por mar, por terra ou por ar.

Fazer a viagem por ar é a forma mais rápida, mas também a mais cara de chegar.

A viagem demora 45 minutos e é garantida apenas por uma organização australiana de ajuda humanitária, que faz o transporte de pessoas doentes. As autoridades timorenses ainda não garantem a ligação aérea ao enclave.

Por cerca de 1.200 dólares, só a ida, pode-se alugar uma avioneta com seis lugares ou conseguir-se um lugar por 50 dólares num dos percursos se o aparelho já tiver sido fretado.

Por terra, o tempo de viagem aumenta, e é preciso mais paciência e mesmo assim, embora menos, algum dinheiro para ajudar os militares, polícias e serviços de estrangeiros e fronteiras da Indonésia a fazer as coisas tal como previstas na lei.

Os procedimentos também são mais exigentes. Caso se vá em transporte próprio, precisa-se ir à Direção-Geral de Transportes em Díli atestar que o veículo é legal. Depois, conseguir-se o visto e a autorização para o carro circular na Indonésia, na embaixada indonésia em Díli.

Chegar a Oecússi por terra pode demorar cerca de oito horas, mas podem ser bem mais, dependendo do tempo que se passa nas fronteiras, que são duas: uma em Atambua e outra Wini, antes de entrar em Sakato, já no enclave.

Por mar, é a opção mais popular, mais barata e menos complicada, mas também a que é feita em condições mais desumanas.

Viajar no velho Nakroma demora entre 10 a 12 horas, dependendo do estado mar, o mesmo tempo que leva uma viagem de avião entre Singapura e a Europa.

O barco faz a ligação ao enclave duas vezes por semana e conseguir um bilhete (no valor de oito dólares (cerca de seis euros), só ida), que é sempre comprado na véspera da viagem, implica paciência para uma longa fila de espera.

A viagem é feita durante a madrugada e a bordo as condições não são as melhores, podendo ser piores se a lotação estiver mais do que esgotada.

As condições de segurança deixam muito a desejar, bem como as casas-de-banho disponíveis a bordo, mas o velho Nakroma é claramente o transporte mais popular para chegar a Oecússi, também porque implica menos dinheiro e menos burocracia.

MSE // VM - Lusa

Desenvolvimento de Timor-Leste começa em Oecússi, enclave onde nasceu o país

Isabel Marisa Serafim (Texto) e António Amaral (Fotos), da agência Lusa

Díli, 13 set (Lusa) - Os habitantes de Oecússi gostam de lembrar que Timor-Leste nasceu no enclave, situado na metade ocidental da ilha de Timor, e 12 anos depois da independência é naquele local que será iniciado o desenvolvimento do país.

"Foi aqui que nasceu Timor-Leste", diz um cidadão de Oecússi, no monumento de Lifau, que assinala a chegada dos primeiros colonizadores portugueses à ilha, em 18 de agosto de 1515.

O monumento foi construído durante o tempo da ocupação indonésia, que em Oecússi ocorreu a 29 de novembro de 1975, e é um "símbolo da resistência à ocupação", explicou.

"Aqui também é Portugal", é uma das frases inscritas no monumento de Lifau, que no próximo ano voltará a ser o centro de Timor-Leste, quando se assinalarem os 500 anos da chegada dos portugueses, antiga potência colonizadora.

Quase 500 anos depois, um outro monumento, mais pequeno, foi construído em Pante Macassar, a capital de Oecússi, a cerca de seis quilómetros de Lifau.

Uma lápide, iluminada, assinala o desenvolvimento prometido para o berço do país com o lançamento da primeira pedra para o início da implementação do projeto-piloto para a criação da Zona Especial de Economia Social de Mercado, liderado pelo antigo primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri.

"A escolha de Oecússi é um pouco como voltar à história", afirmou à agência Lusa Mari Alkatiri.

"Assim como Timor-Leste começou em Oecússi, o desenvolvimento de Timor-Leste vai começar em Oecússi para se estender ao resto do país", sublinhou o também secretário-geral da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).

Mas, para que o desenvolvimento seja uma realidade, não há milagres, avisou Mari Alkatiri, salientando que ou há trabalho, participação e compreensão, ou dificilmente as coisas poderão ser feitas.

Em Pante Macassar, a capital de Oecússi, já se sente que alguma coisa vai acontecer.

Há obras. Os pequenos e poucos restaurantes existentes na cidade estão a melhorar as infraestruturas com a construção de quartos para receber os forasteiros e em agosto foi lançada a primeira pedra para a construção de um hotel e assinado um memorando de entendimento para o estabelecimento do Instituto Superior de Oecússi.

O novo porto para receber as duas viagens semanais do Nakroma, barco que faz a ligação com Díli, já foi inaugurado e a construção de novas estradas, mais largas, e do aeroporto vão começar entre este mês e outubro, bem como a reabilitação da marginal da cidade.

Com cerca de 60 mil habitantes, a população de Oecússi pratica essencialmente uma agricultura de subsistência, cria gado e produz tais, os típicos panos timorenses.

A pesca é quase inexistente e a maior parte dos produtos consumidos são provenientes da vizinha indonésia, outros chegam no Nakroma.

Em Oecússi, a vida é barata (uma refeição num restaurante local custa cerca de três dólares) e já há quem tema que a chegada esperada de mais gente à cidade vá inflacionar os preços.

Há também quem duvide se o desenvolvimento falado vai chegar aos habitantes de Oecússi, mas para já ninguém quer dar a cara a contestar o projeto-piloto das autoridades timorenses.

É esperar para ver, dizem os mais céticos, enquanto outros não duvidam que o projeto vai criar postos de trabalho.

"O projeto vai aumentar o trabalho", afirmou Ricardo Sufa, 47 anos, um antigo veterano, pai de sete filhos, que vive essencialmente do que cultiva na horta, dos animais que cria e da produção de tais, bem como da pensão que recebe do Estado timorense.

"É muito bom para a comunidade da região de Oecússi", acrescentou Marcelino Babo, de 50 anos e com oito filhos, apesar de lamentar a falta de luz no local onde vive, mais para as montanhas.

Enquanto se espera pelo futuro, em Oecússi os dias mais agitados continuam a ser os da chegada do Nakroma ou os das festas organizadas pelas autoridades nos feriados nacionais, quando as pessoas se reúnem a ouvir as bandas e ver, no final da noite, o fogo-de-artifício.

MSE // VM - Lusa

Nakroma, a falta de indignação numa viagem com poucas condições de segurança

Isabel Marisa Serafim (Texto) e António Amaral (Fotos), da agência Lusa

Díli, 13 set (Lusa) - A falta de indignação dos passageiros é o que mais surpreende na viagem do barco Nakroma, que liga a capital de Timor-Leste ao enclave do Oecússi, num percurso feito em condições pouco humanas e seguras.

O Nakroma, construído na Indonésia com dinheiro doado pela Alemanha e a navegar em Timor-Leste há cerca de sete anos, é a única ligação que o Estado timorense disponibiliza até ao enclave de Oecússi, um distrito com pouco mais de 60 mil habitantes no lado ocidental da ilha de Timor, e onde vai ser desenvolvido o Projeto de Economia Social de Mercado, liderado pelo antigo primeiro-ministro Mari Alkatiri.

O trânsito lento, na marginal, e a presença de centenas de pessoas junto ao porto de Díli significam, por norma, dia de Nakroma, o que acontece à segunda e à quinta-feira.

Ao início da tarde, os passageiros começam a juntar-se na porta que dá acesso ao embarque no Nakroma. Homens, mulheres, crianças esperam horas para conseguir entrar no barco.

A carga já foi entregue de manhã e ocupa todo o porão do navio. A entrada de passageiros é lenta e o controlo de bilhetes apertado. Há quem seja impedido de entrar pela falta de título de viagem.

Enquanto se espera que a massa humana que se aglomera no porão desague para o primeiro e segundo convés do barco, desabafam-se impaciências e contam-se histórias, memórias de outros tempos, quando fazer a viagem era pior.

"Antigamente, no outro barco, a viagem era muito pior", recorda uma freira portuguesa, possivelmente a passageira que mais milhas acumula no Nakroma, já que chega a ir e vir no mesmo dia.

Já para Ronaldo, 14 anos, nada importa. Aquele jovem regressa a Oecússi depois da sua primeira visita à capital.

"O que mais gostei foi do centro comercial", disse à agência Lusa Ronaldo, que também visitou o Arquivo e Museu da Resistência e o Cristo Rei e espera completar o ensino secundário para vir para Díli estudar na universidade.

Ao lado de Ronaldo, está Rui, que tem 19 anos e visitou a capital pela segunda vez. Também sonha vir para Díli, mas para ingressar nas forças de defesa.

Enquanto se fala, caminha-se, pé ante pé, devagar até se ficar numa fila, ainda mais lenta, para subir as escadas para o convés.

Depois escolhem-se lugares, ocupam-se cantos, vãos de escada e todos os pequenos espaços disponíveis e que permitam esticar as pernas e o tempo passa e o Nakroma não larga.

"Há passageiros a mais", afirmou um homem sentado no corredor dos camarotes da tripulação.

"Já estão a contar os passageiros", exclamou outro, mais ao fundo.

A tripulação leva mais duas horas a confirmar que todos os passageiros têm bilhete, depois é dada ordem e passados minutos o Nakroma larga as amarras, devagar, já de noite, rumo a Oecússi.

A seguir, a movimentação de passageiros é grande, estendem-se tapetes no chão, montam-se verdadeiros piqueniques, alimentam-se crianças, ajeitam-se cantos improvisados como camas para uma noite de 10 horas de viagem e passadas umas horas reina o silêncio no barco, interrompido apenas por algum toque de telemóvel, por um rádio a debitar uma música qualquer ou por sussurros dos que teimam em não dormir.

Ao início da madrugada, já é quase impossível circular no barco. Os corpos imobilizados, juntos uns aos outros, ocupam todo o chão.

A passagem até ao exterior, já que o calor no interior no navio é insuportável, é feita por entre pernas e braços adormecidos dos corpos, crianças nuas a dormir entre os pais, e os restos, o lixo, dos piqueniques.

"Não há condições. É preciso um barco novo", disse um professor da capital, que se deslocou a Oecússi durante uma semana para um projeto-piloto para introdução de hábitos de leitura nos docentes timorenses.

Ao lado, os restantes passageiros concordam, um mais velho está preocupado: "seja o que Deus quiser".

O Nakroma chegou a Oecússi, naquele dia, mais devagar. Ao todo levava 520 passageiros, apesar da lotação máxima ser 300. À carga dos passageiros juntaram-se 55 toneladas de arroz e 25 toneladas de açúcar.

Todos os passageiros tinham bilhete e segundo alguns passageiros há muitas pessoas no porto de Díli a vendê-los.

Apesar da falta de condições, incluindo de segurança, ninguém reclama, porque, afinal o que é preciso é chegar a Díli ou a Oecússi, enquanto o novo barco, que deverá fazer a ligação em cerca de cinco horas, não chega.

Até lá, "seja o que Deus quiser".

MSE // VM - Lusa

*Título PG

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